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A matemática da música de sucesso

Empresas especializadas na análise de dados da indústria musical são o novo suporte de artistas, gravadoras e serviços de streaming para conhecer seu público e ampliar seus negócios

Por Meire Kusumoto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 28 jun 2015, 12h35
O cantor e compositor britânico Sam Smith posa para fotos com as estatuetas vencidas no Grammy 2015
O cantor e compositor britânico Sam Smith posa para fotos com as estatuetas vencidas no Grammy 2015 (VEJA)

Qual será a próxima banda a liderar as paradas de sucesso? Qual o cantor mais querido no Nordeste? Como o público reage quando vê seu ídolo na televisão? A indústria musical acredita que a matemática pode ajudá-la a sondar esses e outros mistérios. Para tanto, começou a aplicar as técnicas do big data – que permitem armazenar e cruzar uma grande quantidade de dados por computador – ao rastro deixado pelos fãs nas redes sociais e plataformas de streaming. Com base em curtidas, comentários, tuítes, downloads e visualizações, entre outras pistas, empresas especializadas na análise de dados já são capazes de fazer recomendações a usuários de serviços de streaming, descobrir quais bandas e cantores serão os novos queridinhos do público e fornecer dados valiosos a gravadoras e artistas para o planejamento de campanhas de marketing e turnês. É uma estratégia promissora para um setor que vem amargando anos de estagnação e até retração – entre 2013 e 2014, o faturamento caiu 0,4%, para 15 bilhões de dólares no mundo.

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“Vinte anos atrás, havia duas métricas dominantes na indústria: vendas de discos e execuções em rádios. À medida que novas fontes surgem para contabilizar a relevância do artista, entender todos esses dados tem se tornado mais importante para a tomada de decisões nesse mercado”, diz Liv Buli, jornalista de dados do Next Big Sound. A empresa americana, fundada em 2009, recolhe informações quantitativas em vendas no mercado físico e digital, serviços de streaming, redes sociais e sites como YouTube, Soundcloud e Wikipédia para avaliar o alcance de artistas consagrados e prever a ascensão de novos cantores e bandas. Entre os dados observados, estão o número de execuções de músicas no Spotify e de vídeos no YouTube e o número de curtidas das páginas de artistas no Facebook, por meio do qual é possível saber os lugares onde moram seus fãs, seu gênero e faixa etária. Muitas gravadoras usam o serviço também para descobrir quais canções de um disco recém-lançado são as mais escutadas em sistemas virtuais para transformá-las em singles, ou seja, canções de trabalho, que ganham videoclipe e maior destaque nas rádios.

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O Next Big Sound trabalha com 70% da indústria musical americana – entre artistas, empresários, gravadoras e marcas que procuram músicos para suas campanhas publicitárias – e atende também empresas de outros lugares do mundo. A Sony Music Entertainment (SME) do Brasil, por exemplo, é um de seus clientes por aqui. “Usamos esse serviço, além de outras métricas, para tentar traçar o perfil do público, mapear as regiões do país onde há maior engajamento dos fãs, criar estratégias de vendas de álbuns físicos e produtos digitais e até mesmo para a realização de shows nos lugares onde há concentração de público de um artista”, explica Claudio Vargas, VP de novos negócios e vendas da SME Brasil.

Como exemplo, Vargas cita algumas ações de promoção do trabalho do cantor sertanejo Lucas Lucco. Segundo dados obtidos com serviços como Next Big Sound, Facebook Insights e Google Trends, a maior concentração de fãs do mineiro está nas regiões Centro-Oeste e Norte. “A partir dessas informações, intensificamos as ações de marketing para vendas de discos físicos e digitais nesses lugares”, diz. Dados mostram também que as redes sociais do sertanejo apresentam crescimento no número de fãs quando ele participa de algum programa de televisão, como Encontro ou Mais Você. Por isso, a equipe de divulgação do cantor aproveita essas aparições para ampliar o número de postagens nas redes, como a divulgação de clipes e da agenda de seus próximos shows.

Os videntes do mercado – A carreira de músicos é dividida em cinco estágios pelo Next Big Sound: artistas não descobertos, promissores, estabelecidos, populares (ou mainstream) e épicos. Para um artista alcançar o estágio mais elevado, segundo o serviço, ele precisa ter no mínimo 10 milhões de fãs no Facebook, mais de 2 milhões de seguidores no Twitter e mais de 400 milhões de visualizações no YouTube ou Vevo. Taylor Swift, Foo Fighters, Paul McCartney e Justin Bieber, por exemplo, estão entre os nomes que ocupam o panteão de estrelas da empresa.

Já para um artista ser considerado promissor, ele precisa ter entre 20.000 e 200.000 fãs no Facebook, 5.000 e 80.000 seguidores no Twitter e 1 e 7 milhões de visualizações no YouTube ou Vevo. É o caso da banda britânica Wolf Alice, considerada a nova aposta da indústria musical pelas métricas analisadas – 4,8 milhões de visualizações no YouTube, 86.000 fãs no Facebook e quase 38.000 seguidores no Twitter. Apesar de os números parecerem pequenos perto de gente como Taylor e companhia, Wolf Alice pode celebrar. O grupo lidera a lista de promessas organizada pela empresa em parceria com a revista americana especializada Billboard.

Em um julho de 2013, quem apareceu no topo do ranking foi Sam Smith, cantor britânico que roubou a cena no Grammy este ano, com quatro prêmios conquistados, entre eles os de gravação e música do ano por Stay with Me, faixa de seu disco de estreia In the Lonely Hour, lançado em maio de 2014. Além de Smith, também passaram pela peneira da empresa gente hoje mundialmente conhecida, como Lorde, Iggy Azalea, Betty Who, Hozier e Charli XCX. Aliás, 75% dos artistas que tiveram seus álbuns de estreia entre os 200 mais vendidos de 2014 nos Estados Unidos já haviam aparecido no ranking do Next Big Sound antes.

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Wolf Alice

O quarteto de Londres tem um largo alcance de público, seus seguidores nas redes sociais são engajados e a métrica de tendência indica que Wolf Alice está se tornando viral. A banda conta, até o momento, 4,8 milhões de visualizações no YouTube e no Vevo, 86.000 fãs no Facebook e quase 38.000 seguidores no Twitter. No microblog, o grupo foi mencionado 1.840 vezes na última semana, 661,1% a mais do que a média constatada nos últimos 180 dias. O clipe da música Moaning Lisa Smile foi visto 923.720 vezes, sendo 45.284 na última semana. 

Leon Bridges

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Leon Bridges é um dos poucos artistas da lista que recebeu o título de “viral” em uma das categorias analisadas pelo Next Big Sound. Tal alcunha veio após a faixa Coming Home figurar entre as dez mais tocadas do Spotify, que o apresenta na playlist do gênero de gospel, popular entre os americanos. Contudo, o local que mais comenta sobre ele no Twitter é Camden, bairro de Londres, com 357 menções ao artista. Já no Instagram, seu perfil cresceu 158,5% em seguidores nesta semana. Seus vídeos foram vistos mais de 3,4 milhões de vezes e o cantor contabiliza 57.000 fãs no Facebook e 21.500 seguidores no Twitter.

https://youtube.com/watch?v=2qf8oGI2Wlw

Arkells

Apesar do alcance da banda ser considerado moderado, assim como o engajamento de seus seguidores, os números de Arkells, banda canadense de rock, estão em crescimento. O clipe de Kiss Cam, faixa lançada em 2011, aumentou suas visualizações em 703,9% da penúltima semana para a passada. Já na Wikipédia, 903 pessoas entraram na página do grupo, mais escutado no Canadá e nos Estados Unidos. Arkells soma 2,8 milhões de visualizações no YouTube, 55.000 fãs no Facebook e 39.600 no Twitter.

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Coasts

Banda inglesa de indie pop formada em 2011, Coasts conseguiu destaque na cena musical britânica após o lançamento do single Oceans. A música foi vista na última semana 234.000 vezes no Vevo Video, crescimento 112,3% se comparado com os dados da penúltima semana. O grupo conta com uma audiência de forte engajamento nas redes sociais e seu futuro é considerado promissor de acordo com a análise de dados feita pela Next Big Sound. No total, seus vídeos foram vistos mais de 1 milhão de vezes — o grupo tem 55.000 fãs no Facebook e 6.000 no Twitter.

Joywave

Considerada promissora, a banda soma mais de 1,5 milhão de visualizações no YouTube, 26.000 fãs no Facebook e 9.300 no Twitter. Joywave ficou conhecido depois da parceria que fez com um grupo de música eletrônica curiosamente chamado de Big Data na canção Dangerous, que alcançou o primeiro lugar na lista alternativa de mais escutadas da revista Billboard, em fevereiro deste ano. Cheio de efeitos visuais em manobra irreais de skatistas, o clipe de Somebody New é o segundo mais visto do canal de Joywave, com 426.199 visualizações, atrás apenas de Tongues, visto por 821.204 pessoas.

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Tove Styrke

Da Suécia, a cantora de 22 anos conquistou notabilidade após terminar a versão local do reality show Ídolos em terceiro lugar, em 2009. No ano seguinte, Tove lançou o álbum de eletropop Tove Styrke. Com forte engajamento de seus seguidores nas redes sociais, 3.000 pessoas falaram dela no Facebook nesta semana e seu último clipe, Borderline, foi visto por 1,2 milhão de pessoas, sendo 44.690 nos últimos sete dias. No total, seus vídeos no YouTube tiveram 3,7 milhões de visualizações. Ela conta 36.000 fãs no Facebook e 6.600 no Twitter.

Mother Mother

O grupo de Vancouver, Canadá, tem uma proposta diferente ao juntar guitarras e batidas do indie rock com vocal harmony, quando diferentes vocais se alternam na função do canto e usam diferentes técnicas. Apesar de Mother Mother figurar na lista de apostas, o grupo está na ativa desde 2005 e já lançou cinco álbuns. A música mais vista no YouTube é Bit by Bit, com 917.025 cliques. Suas canções foram tocadas 18.952 vezes na última semana, 104,9% a mais do que semana anterior. Contudo, a maioria dos dados de Mother Mother apresentam queda, como a estatística de número de visualizações em todos os vídeos no YouTube: decréscimo de 22,7% nesta semana. No total, o grupo tem 4,2 milhões de visualizações no YouTube, 85.000 seguidores no Facebook e 63.300 no Twitter. 

Nosaj Thing

Único artista da música eletrônica entre os dez primeiros, Nosaj Thing é um produtor e DJ que já trabalhou com os rappers Kendrick Lamar, Kid Cudi e Chance The Rapper. Em parceria com este último ele lançou Cold Stares, música que já teve 675.114 visualizações no YouTube. Nosaj Thing teve um crescimento de 84,8% em número de seguidores no Twitter nesta semana em relação à anterior, somando até agora 45.100 pessoas. A subida mais expressiva fica por conta de seu perfil no Instagram, criada há sete semanas, que teve um acréscimo de 850 seguidores nesta semana. Em porcentagem, esse valor corresponde a um crescimento de 1.316,7%. O rapper tem 124.000 fãs no Facebook.

Langhorne Slim

O perfil de Langhorne Slim no Twitter teve crescimento de 159,1% em seguidores nesta semana, a maior alteração entre os dados analisados dele. Agora ele soma 14.000 seguidores. Sean Scolnick, nome verdadeiro de Langhrone Slim, conquista fãs com apresentações viscerais em que interage com a plateia. Curiosamente, atrás dos Estados Unidos na lista dos países que mais o mencionaram no Twitter no último mês está o Brasil, à frente do Reino Unido, onde ele já tocou. Sua página no Facebook teve um crescimento de 105,2% em curtidas na última semana — totalizando 39.000 fãs até agora — e seus vídeos no YouTube somam 3,4 milhões de visualizações.

Dotan

Holandês e multi-instrumentista, Dotan lançou o álbum 7 Layers em 2014, que logo alcançou a segunda posição na lista de mais escutados na Holanda. Ele, que mistura folk e pop, criando uma sonoridade similar à de Florence and the Machine e Hozier, tem mais de 6 milhões de visualizações no clipe de Home, no YouTube. Seu público é majoritariamente formado por mulheres, que correspondem a 61% dos perfis que o citaram no Twitter. No total, ele tem 118.000 seguidores no Facebook e 14,4 no Twitter e seus vídeos já foram vistos 6,1 milhões de vezes no YouTube.

Mais medidas – Nem só de redes sociais e dados oficiais sobrevive o sistema de big data musical. O Musicmetric, outro serviço que trabalha de modo semelhante ao Next Big Sound, analisa também os downloads ilegais feitos por meio de torrents, por exemplo. Não à toa, a Semetric, start up britânica que engloba a empresa de análise musical, foi comprada em janeiro deste ano pela gigante Apple. O valor da negociação não foi divulgado, porém uma fonte próxima ao caso disse ao jornal Financial Times que seria algo em torno de 50 milhões de dólares (cerca de 156 milhões de reais). A ação foi entendida como um investimento no serviço de streaming do grupo, o Apple Music, cujo lançamento acontece na próxima terça-feira, 30 de junho.

Outros movimentos similares no mercado aconteceram recentemente. A empresa de streaming Pandora anunciou a compra do Next Big Sound em maio. Já o Spotify comprou por estimados 49,7 milhões de euros (171 milhões de reais), em 2014, a companhia The Echo Nest, que trabalha com análise de big data musical nas áreas de recomendação de novos artistas. “The Echo Nest foi criado para ajudar usuários a descobrir novas músicas e para ajudar artistas a rastrearem seus fãs”, afirma Tristan Jehan, um dos fundadores da empresa. “Fazemos isso em larga escala, instantaneamente, de modo personalizado e levando em conta toda a música online, com várias fontes de dados.” O serviço é bem específico em relação às informações analisadas. Canções são destrinchadas e analisadas por timbre, ritmo e harmonia, por exemplo. Também são levadas em consideração notícias, resenhas de álbuns, perfis em redes sociais e informações cedidas pelos usuários do próprio Spotify.

Tamanho detalhamento rende dados curiosos, como quando o Spotify divulgou uma pesquisa que comprovava a crise de meia idade musical. Segundo a análise, na adolescência os ouvintes tendem a abraçar com mais fidelidade os artistas mainstream. Por volta dos 25 anos, os gostos mudam, se tornam mais apurados e distantes do pop convencional. A maturidade musical vem aos 35 anos, ponto em que dificilmente o ouvinte mudará de gosto musical para se arriscar em novidades. Por volta dos 40, a curva do gráfico do estudo volta às paradas de sucesso, mas não permanece por ali muito tempo.

Ao contrário do Spotify e outros concorrentes, que compram empresas para cuidar da área de recomendações aos seus assinantes, outro serviço de streaming disponível no Brasil, a Deezer, criou seu próprio time de análise de big data. “Focamos em construir tudo internamente porque consideramos essa área uma parte essencial do nosso negócio. Precisa ser construído ao redor de tudo o que fazemos, em vez de ser algo extra”, diz Luc Behar, VP de Análise do Valor do Cliente da Deezer. O time é responsável por quatro áreas: reunir o histórico de streaming de cada usuário para construir um perfil deles e criar recomendações personalizadas; contar os streamings de artistas e gravadoras para garantir o pagamento correto de royalties; analisar os acessos para que os clientes entendam a atividade deles na plataforma; e fornecer informação à equipe de marketing para que decidam como traçar estratégias de crescimento da empresa.

Complexidade ou facilidade? – A análise de big data parece ser a chave para entender a indústria como ela é hoje. “Em quinze anos, a indústria mudou de física para digital. Como resultado, os ouvintes agora têm acesso a toda a música do mundo, em qualquer lugar, a qualquer hora. Toda a informação online na verdade facilita a organização e personalização do conteúdo para usuários de serviços de streaming como o Spotify”, diz Tristan Jehan. “Os dados permitem descoberta, inovação e monetização. Com milhões de canções e usuários para se conectarem, não consigo pensar em uma alternativa melhor e mais animadora para a indústria.”

Luc Behar, da Deezer, concorda. “Acreditamos que ter informação relevante pode levar a mais simplicidade. A complexidade é maior quando você não tem como entender o que está acontecendo. Streaming e redes sociais nos ajudam a perceber melhor todo o ecossistema e, de maneira importante, como os fãs se relacionam com os artistas que amam. Então eu diria que a indústria musical ficou mais simples e eficiente por causa da informação. A análise de big data vai se tornar uma vantagem ainda mais competitiva para as gravadoras para promover os artistas de modo mais eficiente.”

Mas, com tantas informações espalhadas pelos mais diversos lugares, fazer negócio na indústria musical exige atenção e criatividade maiores para extrair dessas análises de big data os dados que podem ser aplicados. “O marketing, em geral, está cada vez mais focado na obtenção de dados. Por um lado o trabalho ficou mais fácil, porque hoje temos acesso a uma grande gama de informações, mas temos que saber trabalhar com tudo isso”, afirma Claudio Vargas, da Sony no Brasil. Ao que tudo indica, o auxílio da matemática do big data é um empurrão e tanto para elevar os números da indústria que, finalmente, achou seu caminho para fora da crise.

(Colaborou Daniel Dieb)

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