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Os desafios de Cid Gomes no Ministério da Educação

Novo ministro transformou a cidade de Sobral, no Ceará, em referência nacional pela qualidade de ensino. À frente do governo do Estado, porém, não conseguiu repetir seus feitos na educação pública

Por Bianca Bibiano
11 jan 2015, 10h22

Cid Gomes assumiu o Ministério da Educação (MEC) no dia 02 de janeiro com um enorme desafio nas mãos: o de dar substância ao slogan adotado pela presidente Dilma Rousseff em seu segundo mandato, o de que o Brasil será uma ‘pátria educadora‘. Ex-governador do Ceará, Gomes tem a seu favor o projeto educacional de Sobral, cidade a 230 quilômetros de Fortaleza, hoje reconhecida como a melhor rede pública de ensino do país. Mas essa experiência não foi replicada no Estado.

Os programas implementados nas escolas municipais de Sobral durante a gestão de Cid Gomes como prefeito, entre 1996 e 2004, resultaram em um avanço inquestionável. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) da cidade saltou, em oito anos, de 4 para 7,8, tornando-se o mais alto do país. O Ideb é o principal indicador da qualidade da educação no Brasil e sua escala vai de 0 a 10 pontos.

No entanto, os dois mandatos de Gomes como governador do Ceará, entre 2007 e 2015, não foram capazes de promover a melhora no ensino público. Pelo contrário. No último Ideb, de 2013, as escolas de ensino médio sob seu comando amargaram nota 3,3. No levantamento anterior, de 2011, a nota do Ceará era maior: 3,4. Os números cearenses estão abaixo da média nacional no ensino médio, controlado pelos governos estaduais, que é de 3,7. Outros Estados, como Goiás e Espírito Santo, além do Distrito Federal, conseguiram avanços de até 0,2 pontos na nota. Pernambuco foi além, avançando 0,4 pontos. Em todo o país, contudo, 16 Estados, incluindo o Ceará, tiveram queda no índice.

A maior vitória de Gomes seria ampliar para escala nacional o que fez em Sobral. O programa que revolucionou o ensino do município no meio do sertão nordestino surgiu de uma parceria com o setor privado. A prefeitura aderiu a projetos do Instituto Ayrton Senna que tinham como proposta corrigir o fluxo escolar, ou seja, reduzir a repetência e colocar as crianças na série adequada para a idade.

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O primeiro passo foi promover mudanças de gestão. “As diretorias das escolas e os cargos diretivos na secretaria passaram a ser ocupados por critérios de mérito, com uma seleção baseada na experiência. Os que assumiram os postos tinham competência para fazê-lo. Os demais avanços vieram a partir dessa mudança drástica na organização da rede, antes marcada pela indicação de cargos e politicagens”, explica João Batista de Oliveira, que na época era consultor do programa. Hoje, Oliveira é presidente do Instituto Alfa e Beto.

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Em seguida, Sobral colocou em prática os planos para reverter uma taxa de analfabetismo que chegava a 60% entre as crianças matriculadas. Com programas de alfabetização em toda a rede – e não em uma ou outra escola -, a cidade conseguiu que 85% dos alunos das séries iniciais estivessem dentro do nível de aprendizagem adequado. No Brasil, apenas 35% das crianças estão no mesmo patamar. Ainda que as melhorias tenham aparecido após a saída de Gomes da prefeitura, estudiosos que analisaram o caso do município creditam o avanço a projetos que ele iniciou, que incluem o uso de material didático estruturado, formação intensiva de professores e, mais tarde, bonificação por mérito.

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Em 2007, quando assumiu o posto de governador do Ceará, Gomes levou parte de sua equipe de educação, implantou programas semelhantes na rede estadual e incentivou municípios cearenses a apostar nas mudanças promovidas em Sobral. Mas, assim como a diferença na rede de ensino – de 60 escolas em Sobral para mais de 6.000 em todo o Estado – encarou problemas mais complexos. Um dos primeiros obstáculos foi uma greve dos professores por melhores salários, resolvida com uma negociação que lhe garantiu a confiança do professorado. No segundo mandato, porém, o nível da conversa mudou. “O então governador entrou com uma ação de inconstitucionalidade para questionar a validade da lei que decreta o pagamento do piso salarial, o que acarretou outra greve”, diz Anízio Santos de Melo, presidente do sindicato dos professores do Ceará.

O confronto só terminou após Gomes se comprometer a usar 85% dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), verba que o governo federal distribui aos entes federados, para o pagamento dos professores. A decisão foi inédita, já que em todo o país a destinação dos recursos para pagamento de folha é de 60%. “Agora, no MEC, ele vai enfrentar a briga dos professores para garantir esse feito em escala nacional”, alerta Melo, que já prevê mobilizações da categoria a partir de março. “Os municípios e Estados não poderão cumprir o piso salarial, como já vêm anunciando. Só será possível atingir esse patamar de repasse de verbas se ele tiver coragem de brigar com a presidente por essa mudança.”

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O orçamento da educação será um dos principais desafios do novo ministro. O governo anunciou um corte de 7 bilhões de reais no orçamento de cerca de 100 bilhões de reais da Pasta. Gomes, contudo, afirma que as consequências não são graves. “Não há um centavo de corte na atividade fim”, disse. O corte afeta gastos não obrigatórios do ministério, como viagens e diárias de hotéis, por exemplo.

Mesmo que o corte não afete os investimentos em educação, Gomes poderá ter dificuldades para implementar, em escala nacional, ideias que receberam boa repercussão no Ceará, como os programas de premiação para professores que cumprem a meta do Estado na avaliação bianual chamada Spaece. Lá, docentes cujos alunos atingiram os objetivos pedagógicos recebem 200 reais a mais no salário por seis meses. “No MEC, as relações serão outras e os projetos dependerão, sobretudo, da articulação política de Gomes”, observa João Batista de Oliveira.

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Ensino superior – Outro entrave que Cid Gomes enfrentou no governo do Ceará foi a relação com docentes das três universidades estaduais – Universidade Estadual do Ceará (Uece), Universidade Regional do Cariri (Urca) e Universidade Estadual do Vale do Acaraú (UVA).

Ao longo de todo o seu governo, Gomes teve que lidar com greves de docentes, sendo que a última ainda se perpetua, já passando de 100 dias de duração. “O governo do Ceará não tem arrecadação suficiente para manter três universidades. Ainda que a estrutura dos campi tenha melhorado enquanto Gomes era governador, a falta de professores é permanente”, explica André Haguette, especialista em educação e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC). Segundo Haguette, essas universidades chegaram a somar déficit de 200 professores, prejudicando o andamento de cursos e projetos de pesquisa.

Gomes saiu do governo estadual para o MEC sem solucionar a paralisação nas instituições. Coube ao seu substituto, Camilo Santana (PT) prometer novas contratações para amenizar as reivindicações dos sindicatos. O novo ministro terá de contar com uma estratégia para lidar com as greves que afetam regularmente as 63 universidades federais.

Brasil – Para cumprir a promessa de ‘pátria educadora’, o país terá que fazer mais do que negociar greves de professores. Gestão eficiente nas escolas e nas secretarias, unificação do currículo na rede pública, avaliação frequente dos alunos e um plano de carreira para os professores com sistemas regulares de avaliação e bonificação aos docentes são as principais diretrizes que os especialistas em educação não se cansam de repetir. À frente do ministério, Cid Gomes precisará encarar complexos problemas políticos, econômicos e sociais para colocar a educação brasileira nos eixos. Mas, se se tornar um incansável pregador dessa cartilha, que conhece bem, já realizará um feito louvável.

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