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Bolsa Família ajuda a educação, mas carece de eficiência

Economista americano diz que programas de transferência de renda têm dado frutos no Brasil, mas não conseguem evitar o desperdício

Por Nathalia Goulart
23 out 2012, 07h19

Há 25 anos, o economista americano Paul Glewwe, da Universidade de Minnesota, se debruça sobre políticas públicas de educação em países em desenvolvimento da América Latina, Ásia e África. O Brasil ganhou espaço na sua agenda. No início deste ano, em parceria com a professora Ana Kassouf, da Universidade de São Paulo (USP), Glewwe encerrou um estudo sobre o impacto na educação, entre 1998 e 2005, de programas de transferência de renda como o Bolsa Escola, lançado em 2001, e o Bolsa Família, de 2003, que incorporou o primeiro. Os resultados aferidos são positivos, diz o pesquisador: aumentaram a frequência e a aprovação dos estudantes, ao mesmo tempo em que diminuiu a evasão. “Os números são estatisticamente significativos”, diz Glewee. O especialista faz uma advertência, porém: ainda é preciso analisar o custo-benefício de tais programas. Ou seja, apesar dos frutos, resta saber se os resultados correspondem ao investimento feito e se não há forma mais barata de alcancá-los. Não é uma discussão ociosa: afinal, só em 2011, o Bolsa Família consumiu 16,6 bilhões de reais, segundo dados oficiais, ajudando cerca de 13 milhões de famílias. “A questão primordial agora é analisar como seria possível modificar o programa para torná-lo mais eficiente a um custo menor”, diz Glewwe. Ele dá um exemplo de como fazê-lo: “É preciso pensar em evitar o desperdício de verba com crianças que estariam na escola mesmo sem esse dinheiro.” O americano esteve nesta segunda-feira em São Paulo, onde participou de um seminário promovido pela Fundação Itaú Social que discutiu a importância dos economistas na avaliação de projetos e políticas públicas. Confira a seguir a entrevista que ele concedeu ao site de VEJA:

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Paul Glewwe: 'Bolsa Família trouxe retorno para a educação'
Paul Glewwe: ‘Bolsa Família trouxe retorno para a educação’ (VEJA)

O que o levou a pesquisar os efeitos de programas como o Bolsa Família na educação? A educação é um dos fatores mais determinantes na erradicação da pobreza. A criança que recebe educação está menos propensa – muito menos propensa, eu diria – a ser pobre na vida adulta. E percebi que poucos estudos olharam para a eficácia do Bolsa Família sob esse aspecto e um programa desse tamanho merece ser analisado de perto. Quando me dei conta de que a professora Ana Kassouf detinha tantos dados a respeito, percebi que era uma ótima oportunidade para empreender a pesquisa.

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Quais foram as conclusões do estudo? Os resultados foram estatisticamente significativos. O programa aumentou as matrículas de 1ª a 4ª série em 5,5% e de 5ª a 8ª série em 6,5%, diminuiu as taxas de abandono escolar em 0,5 ponto percentual nas escolas de 1ª a 4ª série e em 0,4 nas de 5ª a 8ª série e aumentou as taxas de aprovação em cerca de 0,9 ponto percentual de 1ª a 4ª série e 0,3 nas de 5ª a 8ª série. Dito isso, acredito que a questão mais importante agora é avaliar se os gastos com o Bolsa Família são proporcionais aos benefícios trazidos, ou seja, se não é possível implantar outras políticas tão ou mais eficazes a um custo menor.

Quais são suas conclusões a esse respeito? Realizamos uma primeira estimativa que apontava que os custos do programa eram altos demais em comparação com os resultados obtidos. No entanto, admito que os cálculos foram excessivamente pessimistas. Em retrospectiva, revendo as contas, posso garantir que outras pesquisas precisam desvendar melhor essa questão do custo-benefício. Infelizmente, nossa pesquisa não foi conclusiva a esse respeito.

Como garantir que os resultados que o senhor citou foram fruto do Bolsa Família e não de outros fatores e até outras políticas públicas? Nós estimamos o impacto do programa do ponto de vista educacional em mais de 5.000 municípios desde o início do Bolsa Família. É possível, mas muito pouco provável, que outras políticas públicas possam ter influenciado os resultados. Isso porque essas políticas teriam de abranger os mais de 5.000 municípios ao mesmo tempo em que o Bolsa Família era implementado. Não foi o caso. Por outro lado, tivemos a preocupação de monitorar outros programas, como o de merenda ou o de fornecimento de computadores e televisores para as escolas, o impacto deles em anos anteriores ao Bolsa Família: concluímos que que eles não foram significativos.

Existe um debate importante acerca do Bolsa Família: ele deve ser permanente ou temporário? Como o senhor vê o futuro do programa? Acredito que a questão primordial agora é analisar como seria possível modificar o programa para torná-lo mais eficiente a um custo menor. Por exemplo, no fim do estudo, levantamos a hipótese de que o programa seria mais efetivo se conseguisse direcionar a transferência para famílias cujos filhos não estariam na escola caso não tivessem a ajuda do governo. Ou seja, é preciso pensar em evitar o desperdício de verba com crianças que estariam na escola mesmo sem esse dinheiro. De qualquer forma, a tendência é que o crescimento econômico brasileiro faça com que mais famílias saiam da pobreza e precisem cada vez menos de programas como esse.

Há 25 anos, o senhor realiza pesquisas em países em desenvolvimento. Que fatores têm garantido educação de qualidade nesses países? Nem todos os fatores servem para todos os países da mesma maneira, mas as pesquisas nos mostram que alguns são realmente determinantes. São eles: reduzir a desnutrição de crianças entre 2 e 3 anos de idade, garantir o acompanhamento efetivo de crianças com defasagem escolar ou atrasadas com aulas extras e atividades nas férias ou finais de semana e assegurar que os professores apareçam realmente para trabalhar. Esses são grandes problemas de países em desenvolvimento. Além disso, é altamente desejável que pesquisas científicas avaliem o sucesso das políticas públicas em andamento.

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A participação de economistas na avaliação de temas relacionados à educação costuma desagradar muitos educadores. De que maneira os economistas podem contribuir para a melhoria da educação? Nós, economistas, somos muito ligados à análise de dados e acredito que essa seja nossa grande contribuição. Buscamos uma maneira bastante científica de analisar os programas e as políticas públicas.

A participação dos economistas na educação mudou nos últimos anos? Sim. Tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, os economistas estão muito mais voltados à educação do que há 20 ou 30 anos. Tenho certeza de que já realizamos muitas pesquisas relevantes, mas há muito mais a ser feito. Para mim, esse é o projeto de uma vida toda.

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