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A manobra delicada do Ciência sem Fronteiras

Enviar para a Grã-Bretanha bolsistas com parcos conhecimentos de inglês para iniciar a experiência internacional de estudo deve manter fluxo de estudantes brasileiros para o exterior. Mas provoca discussão sobre a manutenção dos objetivos do programa federal

Por Nathalia Goulart
24 fev 2013, 15h37

Em 2011, quando o governo federal lançou o programa Ciência sem Fronteiras (CsF), prometendo custear os estudos de 101.000 universitários brasileiros no exterior até 2014, o pró-reitor de graduação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marcelo Knobel, fez um alerta que hoje pode ser visto como premonição. Em entrevista a VEJA.com, ele disse que faltariam candidatos gabaritados para preencher as vagas do programa alvissareiro. “Será um desafio para o Brasil conseguir preencher essa quantidade de vagas, que exige estudantes de alto nível acadêmico e que dominem a língua inglesa”, disse. As suspeitas se concretizaram. De fato, o inglês de muitos aspirantes a bolsistas na Grã-Bretanha está aquém do desejado e, por isso, vários deles têm sido reprovados nos exames de proficiência no idioma – um dos passos para a seleção dos beneficiados pelo CsF. Diante da dificuldade em preencher as vagas, os governos brasileiro e britânico decidiram reduzir o nível preliminar de exigência nos exames. Agora, candidatos com notas mais baixas podem iniciar a experiência internacional na Grã-Bretanha. A nova diretriz chamou a atenção de especialistas, uma vez que o objetivo do programa é colocar os melhores universitários brasileiros de graduação e pós-graduação em “contato com sistemas educacionais competitivos”, promovendo a “consolidação, expansão e internacionalização da ciência e tecnologia” no país.

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A chamada “flexibilização” dos níveis de exigência nos exames de proficiência, como Toefl e Ielts, as duas provas aceitas pelas universidades britânicas, foi implementada no fim do ano passado com a publicação de um edital que balizou uma seleção de candidatos a bolsas de graduação-saduíche (quando o estudante cursa até um ano da graduação no exterior) encerrada em janeiro. Até então, quem desejasse concorrer a uma das bolsas deveria obter no mínimo de 72 pontos no Toefl ou 5,5 no Ielts. Muita gente era reprovada. Das 4.000 bolsas de estudo previstas para a Grã-Bretanha, apenas 1.800 foram preenchidas. Isso deu força ao plano de “flexibilização”.

De acordo com as novas regras, se um candidato aprovado nos demais quesitos obtiver 42 pontos no Toefl já pode arrumar as malas rumo à Grã-Bretanha. Terá, contudo, que fazer um curso intensivo de inglês durante os primeiros seis meses da estada em terras estrangeiras antes do início das aulas da universidade. Caso consiga atingir a marcar dos 57 pontos no exame de proficiência, precisará cumprir apenas três meses de reforço. No caso do Ielts, o outro atestado de conhecimento da língua estrangeira, basta obter nota 4,5 em duas das habilidades avaliadas para seguir para a Grã-Bretanha, tendo a obrigação de frequentar o cursinho de inglês de seis meses. Caso consiga nota 5 em duas habilidades, fará aulas por três meses. Ficarão isentos aqueles que atingirem nota 5,5 – uma raridade entre os brasileiros. Ao fim do período de aulas, o estudante terá de realizar novo teste para comprovar a proficiência do inglês. Caso seja reprovado, retornará ao Brasil.

A nova seleção do Ciência sem Fronteiras
A nova seleção do Ciência sem Fronteiras (VEJA)
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Para Maria Lúcia Willemsens, diretora superintente da Cultura Inglesa e especialista em exames de proficiência, a redução das exigências para o início da experiência internacional é perigosa. “A pontuação mínima exigida agora é baixa, indica que a pessoa domina somente os aspectos mais básicos da língua”, diz Maria Lúcia. “Nesse nível, a pessoa pode até aproveitar com certa tranquilidade uma viagem de lazer, mas uma experiência acadêmica sem dúvida ficaria comprometida.”

Por trás da exigência da proficiência no idioma, é claro, está a premissa de que o sucesso de um intercâmbio depende de uma série de variáveis, todas atreladas ao bom desempenho na língua local: é preciso compreender bem as aulas, realizar com destreza e rapidez a leitura de textos densos, submeter-se a provas além de desenvolver relacionamentos pessoais e profissionais. Outro indicador de que o inglês tem sido um entrave aos bolsistas é o fato de que, entre os destinos mais buscados pelos beneficiados pelo CsF, estejam Espanha e Portugual, países que oferecem pouca – ou nenhuma – dificuldade em relação ao idioma.

Como funcionam os testes

Exames de proficiência são elaborados por instituições de educação para medir o grau de fluência dos participantes em determinada língua estrangeira. As provas não oferecem como resultado as classificações “aprovado” ou “reprovado”: em lugar disso, atribuem notas indicativas do grau de domínio do idioma.

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No caso do inglês, os testes mais reconhecidos internacionalmente são o Toefl (Teste de Inglês como Língua Estrangeira) e o Ielts (Sistema Internacional de Teste de Língua Inglesa).

Os dois são divididos em quatro partes: listening (compreensão oral), reading (leitura), speaking (conversação) e writing (escrita). No caso do Toefl, a habilidade em cada uma dessas etapas recebe uma nota que varia de 0 a 30 pontos, totalizando 120 pontos. Já no Ielts, a variação vai de 0 a 9. A nota final é média aritimética das etapas.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), um dos órgãos encarregados do CsF no Brasil, alega que as mudanças foram empreendidas com a finalidade de garantir que alunos oriundos da rede pública de ensino que não tiveram acesso ao ensino de inglês durante a vida escolar possam ter a aportunidade de desfrutar do intercâmbio. O órgão diz ainda que o curso de inglês intensivo garantirá que sejam atingidos o conhecimento desejado na língua estrangeira. Não é uma visão incontestável. “Em sua estada no exterior, o estudante terá de se dedicar ao aperfeiçoamento da língua estrangeira visando o desenvolvimento acadêmico. Corre o risco de não se sair bem em nenhuma das atividades. É uma manobra arriscada”, diz Marcelo Knobel, da Unicamp. Leve-se em conta ainda o custo dessa manobra, todo pago pelos cofres públicos. Um ano de graduação-sanduíche na Grã-Bretanha não sai por menos de 50.000 reais.

O episódio do CsF é mais um lembrete de que persiste uma distância enorme entre brasileiros – inclusive os estudantes – e a língua inglesa. No levantamento mais recente publicado pela empresa Education First (EF), de outubro de 2012, os brasileiros ficaram no 46º lugar no Índice de Proficiência em Inglês (EPI), à frente de apenas oito nações. “Somos um país isolado academicamente, que não prepara bem seus alunos para a internacionalização da educação superior”, diz Claudio de Moura Castro, colunista de VEJA e especialista em educação. Ele observa, porém, que a redução no nível de exigência do CsF pode ser a única forma de garantir um fluxo contínuo de bolsistas brasileiros rumo ao exterior. “Ou fazemos concessões assim ou os programas de intercâmbio não vão adiante.”

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Em um ambiente cada vez mais internacional, as universidades de excelência travam uma corrida para recrutar os melhores estudantes – estejam eles onde estiverem; ao mesmo tempo, enviam seus alunos para boas instituições estrangeiras. Na base dessa troca, está o inglês. Até mesmo instituições fora dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha oferecem cursos em inglês para atrair os bons alunos, o que ocorre na Ásia e na Europa. Exigindo menos de seus bolsistas, o Brasil até poderá manter o fluxo de estudantes no exterior, mas certamente sairá atrás na disputa pela excelência.

* Texto atualizado em 6/3/2013

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