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Raghuram Rajan: ‘Estímulos monetários não são a cura para a crise’

Para o presidente do Banco Central da Índia, quanto antes o mundo perceber os efeitos perniciosos das políticas de estímulo, mais sustentável será a recuperação econômica global

Por Da Redação
4 Maio 2014, 09h21

Enquanto o mundo luta para se recuperar da crise econômica global, as políticas monetárias não convencionais que muitos países avançados adotaram após a crise parecem ter ganhado ampla aceitação. Nessas economias, no entanto – onde há um excesso de endividamento, a situação política é incerta ou a necessidade de reformas estruturais inibe a demanda interna -, a pergunta a ser feita é se os benefícios de tais políticas internas desviaram suas repercussões negativas a outras economias.

Ainda mais problemático é o fato de que a indiferença a tais efeitos poderia colocar a economia global em um caminho perigoso de políticas monetárias não convencionais do “olho por olho e dente por dente”. A fim de assegurar um crescimento econômico sustentável e estável, é necessário que os líderes mundiais reexaminem as regras internacionais do jogo monetário, para que tanto as economias avançadas como as emergentes adotem políticas monetárias mais voltadas para o bem comum.

De fato, existe um papel para que as políticas não convencionais (como o programa de estímulos nos Estados Unidos) existam; para quando os mercados estiverem debilitados ou muito disfuncionais, os banqueiros centrais precisam pensar de forma inovadora. Na verdade, apesar de os bancos centrais não terem nenhum roteiro, muitas das medidas que foram aplicadas imediatamente após a falência do Lehman Brothers, em 2008, foram as mais acertadas.

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Mas os problemas surgem quando essas medidas vão além do simples apoio aos mercados. Os benefícios internos são bem claros quando as economias estão profundamente danificadas ou precisam de uma reforma importante. Já as repercussões dessas políticas estimulam a volatilidade dos mercados cambiais e preços dos ativos – tanto nas economias de origem quanto nos países emergentes.

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Maior coordenação entre bancos centrais poderia contribuir substancialmente para assegurar que a política monetária desempenhe o seu papel no mercado interno, minimizando seus efeitos colaterais adversos em outros lugares. É claro que isso não significa que os banqueiros centrais devam organizar reuniões ou teleconferências para discutir estratégias coletivas. Por outro lado, os mandatos dos bancos centrais, sistematicamente influentes, deveriam ser estendidos de forma a considerarem as repercussões, e forçar que os líderes evitem medidas não convencionais com efeitos adversos em outras economias, especialmente se os benefícios internos forem duvidosos.

Durante muito tempo os economistas encontraram dificuldade em considerar que se os bancos centrais otimizassem as políticas em relação à situação interna, tal coordenação poderia oferecer poucos benefícios. Hoje, no entanto, os bancos centrais não estão necessariamente seguindo políticas ideais – uma variedade de restrições nacionais, incluindo políticas internas disfuncionais, podem incentivar políticas mais agressivas do que são estritamente necessárias ou úteis.

Além disso, os fluxos de capital entre países – que aumentam a exposição de diferentes economias muito mais do que no passado – não são necessariamente conduzidos por condições econômicas nos países que recebem os recursos. Os bancos centrais, num esforço para manter o capital afastado e reduzir a taxa de câmbio, correm o risco de se fechar num ciclo de flexibilização monetária competitiva visando aumentar a fatia de seus países sobre a demanda mundial baixa por bens.

Com algumas raras (e louváveis) exceções, os líderes de instituições multilaterais não têm questionado essas medidas monetárias não convencionais e têm demonstrado entusiasmo por elas. Esta abordagem acarreta dois riscos importantes.

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O primeiro perigo é um colapso das regras do jogo. Aprovar incondicionalmente medidas de política monetária não convencional sem questioná-las equivale a dizer que é aceitável distorcer os preços dos ativos quando houver outros impedimentos ao crescimento no mercado interno.

Com esse mesmo critério, seria legítimo que os bancos centrais praticassem o que poderiam denominar “afrouxamento quantitativo externo” (QEE, sigla em inglês), isto é, intervir para manter as taxas de câmbio baixas, enquanto acumulam enormes reservas de divisa estrangeira. Se as repercussões líquidas não determinam uma política internacionalmente aceitável, as instituições multilaterais não podem alegar que o QEE, independentemente da quantidade de instabilidade que gere, vá contra as regras do jogo.

Na verdade, não se trata de mera hipótese. O afrouxamento quantitativo é implementado principalmente em situações nas quais os bancos estão incondicionalmente dispostos a acumular grandes reservas – o que geralmente ocorre quando os canais de crédito estão bloqueados e outras fontes de demanda de taxas de juros estão fracas. Em tais situações, o programa de estímulos funciona principalmente porque altera as taxas de câmbio e transfere a demanda entre os países.

O segundo perigo é que ao relutar aos efeitos das repercussões, as políticas dos países de origem causam danos colaterais não intencionais em países beneficiários, e essas respondem com medidas que protegem somente a seus interesses. Mesmo que os bancos centrais dos países de origem tenham comunicado exaustivamente como as condições internas guiarão o a sua saída de políticas não convencionais, permaneceram omissos em relação a como reagiriam à turbulência do mercado externo.

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A conclusão mais óbvia – reforçada pela recente turbulência no mercado financeiro que se seguiu ao avanço dos Estados Unidos em deixar mais de cinco anos de programa de estímulos – é que os países beneficiários estão por conta própria. Como resultado, as economias emergentes estão cada vez mais preocupadas com o aumento de seus déficits externos e estão dando maior prioridade à manutenção de uma taxa de câmbio competitiva – e na acumulação de grandes reservas para servirem de seguro contra choques. No momento em que a demanda agregada está severamente em falta, será que esta é a reação que os países de origem querem provocar?

Apesar dos benefícios evidentes do alargamento dos mandatos dos bancos centrais para incorporar repercussões, tal mudança seria difícil de implementar em um momento em que as preocupações econômicas internas são politicamente primordiais. A solução mais viável, pelo menos agora, seria que os bancos centrais dos países de origem reinterpretassem os seus mandatos para considerarem os efeitos em médio prazo das reações políticas dos países beneficiários, tais como a intervenção cambial sustentada.

Os bancos centrais poderiam assim reconhecer as repercussões adversas de forma explícita e minimizá-las, sem ultrapassarem os seus mandatos existentes. Esta forma tímida de “coordenação” pode ser complementada por uma nova inspeção das redes de segurança globais.

Os riscos gerados pelo atual não-sistema não são um problema dos países avançados e tampouco é um problema das economias emergentes. A ameaça representada pela flexibilização da política monetária importa a todos. Num mundo com uma fraca demanda agregada, os países estão envolvidos numa competição inútil para participarem de uma parcela maior dessa demanda. No processo, estão criando riscos ao setor financeiro que se tornarão cada vez mais evidentes à medida que os países deixarem as suas políticas de afrouxamento monetário – como fazem os Estados Unidos.

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O primeiro passo para prescrever o remédio certo é reconhecer a causa da doença. E, quando se trata de economia global, a flexibilização monetária extrema tem sido mais a causa do que a cura. Quanto mais depressa reconhecermos isso, mais forte e mais sustentável a recuperação econômica global será.

Raghuram Rajan é o presidente do Banco Central da Índia, conhecido pelo acrônimo RBI

© Project Syndicate, 2014

(Tradução: Roseli Honório)

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