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Processo na OMC coloca em xeque toda a política industrial do Brasil, diz ex-embaixador

Para Rubens Barbosa, país terá um grande desafio ao defender medidas de incentivo à indústria local nos setores automotivo e eletroeletrônico

Por Luís Lima 19 jul 2015, 15h10

A União Europeia (UE) deu um passo importante na última semana, num processo que contesta a política industrial brasileira na Organização Mundial do Comércio (OMC). O bloco apresentou uma petição de cerca de 3 mil páginas que questiona a legitimidade de medidas de incentivos voltadas aos setores automotivo e eletroeletrônico. O ex-diplomata Rubens Barbosa, que auxilia a Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica) na defesa de medidas, como a lei de informática e lei de inclusão digital, acredita que o Brasil terá dificuldades pela frente. “É uma matéria muito complexa e delicada, que tem preocupado o governo e no setor privado, porque afeta a base da política industrial brasileira”, disse.

Em entrevista ao site de VEJA, ele também afirmou que o processo deve se arrastar por pelo menos dois anos e se mostrou otimista sobre a defesa do governo brasileiro. “No caso do setor eletroeletrônico, temos muita esperança de que a justificativa será bastante consistente. Mas se tivermos que fazer pequenos ajustes no futuro, eles serão feitos”, acrescenta.

Barbosa reconhece que o Brasil ainda é um país fechado e alerta para a urgência de uma discussão interna sobre maior abertura comercial, que, por sua vez, deve vir acompanhada de uma agenda de amplas reformas. “A questão da abertura é um imperativo para aumentar a competitividade e dinamizar a economia”, diz. Leia trechos da entrevista.

O senhor acredita que os questionamentos da União Europeia (UE) na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra a política de incentivos fiscais no país podem levar a uma reformulação da estratégia brasileira na área comercial? A alegação da UE e também do Japão é de que os incentivos brasileiros à indústria local vão contra a legislação da OMC. O Brasil terá de demonstrar que não é o caso, do ponto de vista jurídico. Não podemos partir do pressuposto que o Brasil será condenando. No caso do setor eletroeletrônico, temos muita esperança de que a defesa será bastante consistente. Mas se tivermos que fazer pequenos ajustes no futuro, em relação às políticas de incentivo, eles serão feitos. De qualquer forma, apesar de o Brasil estar longe de um patamar de abertura satisfatório, a crença é de que conseguira convencer de as medidas adotadas não implicam em uma quebra da legislação da OMC.

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Qual é o principal objetivo da contestação da UE? No fundo, o bloco está preocupado com o efeito futuro dessa política. Por que questionariam isso 20 anos depois que algumas políticas foram adotadas, como a lei de informática? Porque outros países emergentes, como Índia e Rússia, estão ameaçando fazer a mesma coisa. Estão dando um sinal. Desde a criação do Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), em 1945, que a política industrial brasileira não era questionada dessa forma.

Qual o tamanho do desafio no Brasil nessa defesa? É uma matéria muito complexa e delicada, que tem preocupado o governo e no setor privado, porque afeta a base da política industrial brasileira. O bloco europeu fez um estudo muito detalhado de toda a regulamentação brasileira nas áreas automotriz e eletroeletrônica. Do ponto de vista brasileiro, tais políticas não apresentaram um afastamento da concorrência, porque as empresas europeias continuam exportando para o Brasil. Vale destacar que a contestação da UE se concentra mais na parte automotriz do que na parte de produtos eletroeletrônicos. O questionamento sobre o Inovar-Auto foi muito forte desde o começo. No caso do setor eletroeletrônico, as estatística mostram que empresas europeias no Brasil continuam vendendo para o país. De qualquer forma, o Brasil enfrenta um grande desafio, pois terá de responder tecnicamente, do ponto de vista jurídico, porque medidas de estímulo à indústria local foram adotadas, seus resultados, prejuízos potenciais, etc.

Quais os próximos passos da defesa após a apresentação da petição? Agora, o Brasil tem até o dia 1º de setembro para responder os questionamentos da petição. Após análise da OMC, há uma segunda petição. Depois, deve-se constituir um painel que avaliará essa resposta que o Brasil ofereceu. Em paralelo, o Japão, que apresentou o mesmo pedido, terá de encarar o mesmo processo: eles farão uma primeira apresentação e, em seguida, o Brasi responderá. Como o assunto e argumentos são os mesmos, deve acontecer uma unificação das contestações do Japão e da UE. A defesa, portanto deve ser a mesma. Esse processo deve se estender pelo menos por dois anos, até 2017. E a decisão pode ser favorável ao Brasil ou à UE, com pedidos que o Brasil modifique sua política. A partir disso, o país avaliará o que vai fazer.

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A UE classifica como “discriminatórias” e “injustas” as medidas de impostos do Brasil, que dão uma vantagem a produtores nacionais em detrimento dos importados. O que o senhor acha dessa política? Se olharmos os números do comércio exterior nos últimos anos, percebemos um aumento exponencial das importações. Devido à apreciação do câmbio, durante muito tempo o Brasil ficou praticamente sem nenhuma proteção. Apesar de as tarifas serem elevadas em algumas áreas, com a automotriz, a importação de automóveis não parou. O câmbio apreciado, do ponto vista de quem exporta para Brasil, facilitou muito. No caso da área eletroeletrônica, o Brasil é deficitário permanentemente, porque muitos itens não são produzidos localmente. No ano passado, o déficit desse setor foi de mais de 40 bilhões de dólares. Mas há sim algumas casos em que a política é contestada, inclusive no próprio Brasil. Um exemplo é o conteúdo nacional na área de petróleo, que até a Petrobras questiona, ainda que a presidente queira manter. Mas isso não é alvo de contestação da UE.

Um dos argumentos utilizados pelo Brasil na OMC é que o sistema tributário nacional é muito complexo. É um argumento válido, de forma geral? Acho que é um argumento que pode ajudar, sim. A tese de que não houve discriminação significa que as medidas não são contra nenhum país, mas é uma medida geral, que atinge todos os países. E, de fato, o regime tributário nosso é muito complicado, até para as empresas brasileiras. Devido ao ajuste fiscal, há uma série de incentivos e desonerações que já foram retirados. Isso é um dos elementos de defesa. A inclusão e retirada de incentivos e desonerações tornam muito complicado esse sistema.

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Quais os impactos dessas medidas em termos de competitividade? No setor eletroeletrônico, tais medidas melhoraram bastante a competitividade, que é o principal problema da indústria hoje. Muitas das medidas tomadas pelo governo nos últimos quatro ou cinco anos foram para compensar, justamente, essa perda, que foi acentuada devido à apreciação do câmbio e do chamado custo Brasil, que engloba impostos, mão de obra, energia, dentro outros fatores. A partir disso, se pensou em políticas de incentivos e desonerações para compensar e não ser contra ninguém. Foram medidas para permitir que indústria continuasse produzisse aqui e também exportasse.

Qual o efeito dessas políticas de incentivo à indústria local para o consumidor? Essas políticas não causaram uma diminuição de preço. Isso porque o custo de produção no país é muito alto, o que se reflete no custo final do produto. Por causa do câmbio, os produtos brasileiros feitos no Brasil são muito caros.

O que deve ser feito prioritariamente para o Brasil retomar ganhos de competitividade? Devemos fazer amplas reformas, passando pela legislação trabalhista, para diminuir o custo do trabalho, uma reforma tributária, para diminuir o custo da empresa, da energia, de infraestrutura, etc. Sobre o câmbio, mesmo com a desvalorização no último ano, ele ainda está apreciado. Outros países também tiveram desvalorizações em suas moedas. Com isso, não temos competitividade nem no câmbio.

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Ainda somos um país muito fechado comercialmente? Considerando o volume das exportações e importações em relação ao PIB, os números do Brasil são muito baixos, em cerca de 10%, o que mostra um fechamento muito grande da indústria. Se analisarmos o nível de tarifas e medidas que foram tomadas para incentivar a indústria local, fica parecendo que o Brasil é uma fortaleza. Mas, reforço, devido ao câmbio, esses mecanismos de defesa desapareceram. Acho que temos que fazer um debate interno sobre a abertura de nossa economia. Tal abertura, que mais cedo ou mais tarde, virá, tem que estar acompanhada de medidas para desonerar o custo de produção. Caso contrário, as indústrias não poderão competir nem no Brasil. Temos que discutir isso, pois não sabemos o que acontecerá no Brasil nos próximos três anos. Em 2018 haverá eleição, e em um novo governo, a questão da abertura se colocará como um imperativo para poder aumentar a competitividade e dinamizar a economia. Todas as reformas necessárias, nas áreas tributária e de infraestrutura, por exemplo, não são feitas da noite para o dia. Por isso é preciso começarmos o quanto antes.

A crise política atual retarda esse processo? É uma pena o contexto atual, pois, de fato, a crise política torna difícil avanços mais rápidos. Mas para o interesse nacional, a discussão da abertura econômica tem que ser acompanhada também de uma retomada de uma agenda de reformas microeconômicas, porque essa agenda do custo Brasil desapareceu e deu lugar a um debate quase que exclusivo do ajuste fiscal.

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