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Previdência: com ou sem o fator, a conta não fecha

Governo tem até esta quarta para vetar as mudanças no fator previdenciário; entenda o que está em jogo

Por Ana Clara Costa
16 jun 2015, 23h29

O gasto com aposentadorias no Brasil é superior à arrecadação da Previdência desde abril de 1997. Com isso, anualmente, o Tesouro tem de desembolsar alguns bilhões para cobrir o rombo. Na perspectiva do trabalhador, cuja contribuição previdenciária morde até 11% dos salários, uma reforma que diminua as aposentadorias não é bem-vinda. Por isso, o fator previdenciário sempre foi um vilão. Trata-se de um múltiplo criado no governo Fernando Henrique Cardoso que influencia o cálculo do benefício. A conta não é simples: multiplica-se a média dos maiores salários recebidos pelo aposentado na vida ativa (até o limite de 4.4663 reais) por esse múltiplo, que é calculado com base na idade do beneficiário, seu tempo de contribuição e sua expectativa de vida. Quanto menor for a idade e o tempo, menor é o múltiplo – cujo valor máximo é 1. Isso significa que o trabalhador tem de contribuir mais para que o múltiplo não reduza o valor de sua aposentadoria. A Medida Provisória 664, que deve ser sancionada pelo governo na quarta, inclui medidas do ajuste fiscal, mas também prevê mudanças no fator. Se forem aceitas, beneficiam o trabalhador no curto prazo porque permitem que as aposentadorias sejam pagas em seu valor integral quando a soma da idade mais tempo de contribuição das mulheres chegue a 85, e, para homens, a 95. Mas, como a flexibilização pode ter um impacto doloroso nas contas públicas nos próximos anos, a presidente Dilma deve vetá-la da MP nesta quarta-feira, que é o prazo limite para a sanção presidencial.

A realidade é que com ou sem fator previdenciário, o Brasil tem um problema grave a resolver nos próximos anos. A curva demográfica caminha para a seguinte direção: a população em idade ativa, que é maioria hoje, envelhecerá sem que haja um contingente semelhante de jovens no futuro para arcar com os custos da aposentadoria. Se, no período atual, em que o Brasil desfruta do bônus demográfico, ou seja, tem mais pessoas em idade ativa do que aposentados, a Previdência é deficitária, as perspectivas para os próximos anos são temerosas. Segundo dados da OCDE, o Brasil gasta 11% do Produto Interno Bruto (PIB), que é a riqueza total produzida pelo país, para custear aposentadorias, enquanto apenas 7% de sua população tem mais de 65 anos. Em relação ao PIB, o gasto é proporcional ao da Alemanha. Contudo, os idosos alemães somam mais de 20% dos habitantes. Em 2050, o Brasil deverá ter 30% da população acima de 60 anos, enquanto os gastos com a Previdência deverão representar 24% do PIB – uma carga que o país, talvez, não possa suportar porque o número de brasileiros em idade ativa que contribuem com a Previdência tende a diminuir. Em 2008, eles eram 64%. Em 2050, serão 57% da população, segundo projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

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Uma das alternativas previstas pelo governo é escalonar a proporção de 85/95. A presidente Dilma Rousseff discute a possibilidade elevar esse número paulatinamente a 86/96, 87/97, até que se chegue a 90/100. Essa proposta poderia render ganhos ao governo no curto prazo, mas perdas a partir do terceiro ou quarto ano. Segundo o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, esse fôlego se dá porque os contribuintes que iriam se aposentar sem ter completado o tempo mínimo exigido – porque, pelo peso do fator, completar o tempo mínimo nem sempre traz ganhos compatíveis com a espera – poderiam optar por aguardar a totalidade do tempo, avaliando que a nova regra elevaria o valor da aposentadoria num patamar atrativo. Esse intervalo, diz Velloso, poderia render um saldo positivo ao governo nos primeiros anos. Contudo, a conta não demoraria a entrar no vermelho conforme mais contribuintes aderissem à aposentadoria. “Se, na fase inicial, em que o governo ganharia mais com a arrecadação da Previdência, esse dinheiro fosse aplicado para custear o saldo negativo do futuro, a mudança do fator não seria má ideia. O problema é ter a garantia de que isso vai acontecer. Sabemos que não vai, e que a sobra vai ser torrada no momento em que surgir nos cofres”, diz Velloso.

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Para o economista, a flexibilização do fator não seria um problema, se viesse acompanhada de uma urgente reforma do sistema previdenciário. Velloso elaborou um estudo, em parceria com outros três colegas, em que detecta os problemas do sistema e sugere mudanças para torná-lo mais sustentável no longo prazo. O economista recomenda a imposição de uma idade mínima para a aposentadoria, em torno de 60 anos, a mudança nas regras de pensões por morte (o estudo foi feito antes das alterações aprovadas recentemente pelo Congresso), e o fim da indexação dos benefícios. Como o salário mínimo é indexado ao piso previdenciário, sempre que ele é reajustado acima da inflação, o mesmo ocorre com o piso da aposentadoria – trazendo um impacto fiscal imediato. O Brasil possui mais de 16 milhões de benefícios previdenciários e 4 milhões de benefícios assistenciais equivalentes ao salário mínimo. Se as mudanças propostas por Velloso fossem feitas, o economista estima que o governo gastaria, em 2050, 12% do PIB com aposentados – metade do previsto sem a reforma.

Num contexto em que o mundo não tem muita certeza de que o Brasil conseguirá honrar suas próprias contas este ano, a flexibilização do fator sem qualquer sinalização de reforma cai como uma bomba no colo do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Determinado a conseguir cumprir a promessa de economizar ao menos 1,1% do PIB para o pagamento dos juros da dívida, Levy pode ver seu esforço ir por água abaixo caso o governo se comprometa com gastos futuros além do previsto num setor que já é deficitário. A previdência gastou 56,6 bilhões de reais a mais do que arrecadou em 2014. A conta é paga pelo Tesouro, ou, em última instância, pelo contribuinte. Para o economista Fabio Giambiagi, uma alternativa que não causaria tanta animosidade aos observadores da economia brasileira seria aliar a idade mínima à flexibilização do fator previdenciário. Para ele, os conceitos não são antagônicos. “A tabela do fator continuaria valendo para a parte do limite de tempo de serviço”, afirma. Segundo Giambiagi, com a aprovação da flexibilização do fator tal como está na MP, agências de classificação de risco como a Standard & Poor’s pensariam algumas vezes antes de reafirmar a nota de crédito do Brasil. “Com um país que possui déficit público de 7% do PIB e um problema previdenciário enorme em perspectiva, um aumento das aposentadorias futuras é um tiro no pé”, diz.

Segundo Giambiagi, a única medida eficaz seria a reforma, que o governo não sinaliza intenção de fazer. “É preciso ter um conjunto de requisitos que inclui diagnóstico, articulação política e empenho. E nada disso o governo está disposto a fazer hoje”, afirma. Em seu livro Além da Euforia, escrito em parceria com o economista Armando Castelar, e lançado em 2014, Giambiagi dedica um capítulo a um estudo detalhado da previdência, em que aborda as razões que fazem com que governos não queiram resolver o problema do envelhecimento populacional. O diagnóstico da dupla é certeiro: “A razão pela qual isso não ocorre deve ser encontrada na lógica política: governos têm dificuldade em lidar com o fenômeno do envelhecimento progressivo das sociedades, pois, para isso, são necessárias medidas impopulares. À impopularidade do tema se soma o fato de que os problemas trazidos por essa transição demográfica só vão se tornar críticos no futuro”.

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