Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Por que o suco de laranja custa tão caro no Brasil

Custo de produção e carga tributária elevados fazem com que o suco natural em caixinha fique bem longe da casa da maior parte dos brasileiros

Por Marília Carrera
10 ago 2014, 08h37

A dinâmica de exportações de muitos países produtores de alimentos mostra um comportamento curioso: não raro exportam-se os bons produtos e impõe-se ao mercado interno uma oferta de qualidade inferior. O custo Brasil, que consiste na fórmula nociva de alta carga tributária, infraestrutura ruim e burocracia, é uma das explicações para tal discrepância, pois onera e torna muitos ítens inacessíveis. Um ambiente de baixa concorrência, com poucos players de mercado, também funciona como desestímulo à comercialização de bons artigos. No Brasil, são incontáveis os exemplos de produtos e serviços de preço alto e baixa qualidade ofertados aos consumidores. O setor de alimentos é onde se encontram os casos mais emblemáticos: do café à carne, da soja à cachaça. Contudo, nenhum produto ilustra tão bem essa dinâmica quanto o suco de laranja. Mesmo sendo o maior exportador mundial, com uma produção anual de mais de 850 mil toneladas, o Brasil comercializa, sobretudo, bebidas com pouca fruta e muitos ingredientes artificiais. O consumo do suco verdadeiro – aquele feito com 100% da laranja e sem conservantes ou corantes – é ínfimo: não passa de 59 milhões de litros por ano (o equivalente a um copo de 300 ml por habitante, por ano) enquanto na Grã-Bretanha, por exemplo, chega a 634 milhões. O país europeu é um dos grandes compradores do suco brasileiro, ao lado da Alemanha e da França.

Ainda que o baixo custo da laranja estimule os brasileiros a fazerem em casa seu próprio suco, a praticidade da bebida em caixinha poderia ganhar mais adeptos não fosse seu preço. Levantamento da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR) aponta que o valor médio da caixinha ultrapassa 6 reais. Mas, nas gôndolas das grandes cidades, facilmente se encontra um litro por cerca de 10 reais. Na França, por exemplo, um litro de suco integral pode sair por menos de 1 euro (algo em torno de 3 reais). A alta carga tributária, de 27,5% (apenas em ICMS, PIS e Cofins, sem contar os tributos cobrados ao longo do processo produtivo), e a margem de ganho dos varejistas (mark up, no jargão do setor), de 51%, transformam a bebida num verdadeiro artigo de luxo. Na França, esses dois porcentuais são de 5% e 25%, respectivamente.

Leia também:

Seca faz estoque de suco de laranja brasileiro cair 30%

Continua após a publicidade

“O que comemos vai decidir o futuro da humanidade”

Oito alimentos que parecem saudáveis, mas não são

Alternativa mais barata é o néctar, que contém um porcentual de 20% a 50% de suco concentrado, e o restante não passa de água, corantes, conservantes e açúcar. Não à toa, consumidores confundem o néctar com o suco verdadeiro. Para se ter uma ideia, o principal envasador de néctar no Brasil é a Coca-Cola, dona da marca Laranja Caseira, cujo preço nas gôndolas está em torno de 5 reais. Já na França, a Coca-Cola comercializa a marca Minute Maid, de sucos 100% naturais, provenientes de um dos três maiores fornecedores brasileiros do produto: a Cutrale. Aos franceses, a Coca não vende néctar, apenas suco. No Brasil, é dona ainda da Del Valle, a marca de néctar mais vendida do país. Procurada pela reportagem, a Coca-Cola não quis comentar por que não vende suco natural no Brasil. “A indústria engarrafadora produz o néctar porque essa bebida tem margem maior. O suco de laranja integral é um produto que precisa de matéria-prima nobre e cara. E, quanto maior o preço, menor o consumo. No Brasil, se o consumo já é baixo e o preço continua subindo, entra-se num círculo vicioso”, explica Ibiapaba de Oliveira Martins Netto, diretor-executivo da CitrusBR, que representa os maiores fornecedores brasileiros de suco concentrado – a commodity usada tanto para fazer o suco, quanto o néctar e o refresco.

Continua após a publicidade
suco de laranja
suco de laranja (VEJA)

As marcas de sucos 100% naturais em caixinha no Brasil são escassas e sua distribuição é limitada aos grandes centros. Entre as principais estão Do Bem, Xandô e Fazenda Bela Vista. Para Marcos Leta, presidente da Do Bem, o consumidor está predisposto a consumir produtos naturais com praticidade. Exemplo disso é que o segmento cresceu 32% apenas em 2013, segundo a Makerstrat. Mas, o preço elevado decorrente dos altos impostos e o fato de muitos confundirem néctar com suco são entraves de difícil solução. “Passamos por dificuldades para fazer varejistas e as próprias pessoas entenderem o que é o suco integral. Quando se falava néctar, imaginava-se que néctar era a coisa mais pura que existia. E é exatamente o contrário”, afirma. Refrescos, que possuem ainda menos fruta, e têm preço muito menor, são mais consumidos pelos brasileiros que o próprio néctar – cerca de 854 milhões de litros ao ano, contra 126 milhões de litros. A diferença é que os consumidores dos refrescos são mais conscientes de que se trata de uma bebida artificial. O que não ocorre no caso do néctar.

Continua após a publicidade

O professor de Economia e Administração da FEA/USP, Marcos Fava Neves, explica que ainda que o mercado interno de suco de laranja seja pouco desenvolvido, tem potencial de crescimento influenciado, sobretudo, pelo aumento da renda da população e a migração para hábitos de consumo mais saudáveis, substituindo refrigerantes por suco. Outro fator de estímulo é a grande produção local para exportação. “O Brasil tem 50% da produção mundial e 80% do comércio mundial de suco de laranja. Isso significa que temos como abastecer o mercado brasileiro”, afirma Netto, da CitrusBR. Para reduzir o preço do produto, a CitrusBR quer que o governo autorize a isenção fiscal – pleito, digamos, audacioso em tempos de arrecadação desacelerada e crescimento econômico próximo de zero. Caso contrário, os brasileiros que quiserem tomar suco natural continuarão com duas opções nem sempre viáveis: pagar caro ou espremer as laranjas.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.