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PIB baixo no 3º trimestre expõe ‘herança maldita’

Analistas dizem que Dilma sofre ao tentar corrigir erros da gestão anterior, que deixou de investir em infraestrutura e na qualificação de mão de obra

Por Naiara Infante Bertão e Talita Fernandes
30 nov 2012, 20h24

A falta de políticas consistentes para áreas cruciais da economia ao longo dos oito anos de governo Lula foi apontada por economistas ouvidos pelo site de VEJA como um dos motivos que levou o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro a apresentar a taxa pífia de crescimento de 0,6% no terceiro trimestre. Embora tenha conduzido a política econômica de forma responsável – principalmente a monetária, menos por mérito pessoal e mais por ter relegado o trabalho ao ex-presidente do BC, Henrique Meirelles -, o antecessor de Dilma Rousseff pouco fez para elevar a produtividade e ampliar os investimentos no país. Diante disso, a chamada Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que mede o volume de investimento na economia doméstica, mostrou nesta sexta-feira a quinta redução trimestral consecutiva. As conseqüências da inação de Lula também começam a ser notadas no segmento de serviços, cuja expansão dá sinais de esgotamento graças ao “apagão” de mão de obra, isto é, a escassez de profissionais qualificados decorrente da péssima estrutura de ensino brasileira. Em outras palavras, o PIB divulgado nesta sexta-feira é a perfeita tradução da ‘herança maldita’ deixada pelo ex-presidente à sua sucessora.

Ciente dos desafios estruturais que tinha para resolver, a presidente Dilma Rousseff assumiu a Presidência da República com notória disposição. O problema, dizem os economistas, é que suas opções, salvo poucas exceções, não foram nada felizes. Grosso modo, ela optou por uma política que conjuga fechamento da economia – com controle sobre o câmbio, imposição de tarifas sobre importados etc – com políticas de curto prazo para tentar induzir o crescimento – os chamados pacotes, como a desoneração da folha de pagamento, o IPI reduzido dos automóveis, entre outras medidas. Também o chamado tripé macroeconômico (cambio flutuante, regime de metas de inflação e equilíbrio fiscal), que visa manter a inflação controlada, foi aparentemente abandonado. Com isso, ela tem colhido apenas perda de competitivdade e redução dos investimentos.

Leia em VEJA: Intervencionismo, um jogo de risco elevado

Inação – “Essa decepção do crescimento mostra que as consequências da inação do governo Lula estão cobrando um preço muito caro da atual gestão”, disse o economista-chefe da gestora de recursos M. Safra, Marcelo Fonseca. Na avaliação dele, a atual presidente acerta ao tentar destravar investimentos em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos por meio de privatizações. “A única questão de médio e longo prazo que parece promissora é esse debate de infraestrutura, mas que está muito aquém do que poderia ser em quantidade e velocidade.”

Fonseca explica que a taxa de investimento cresceu no Brasil entre 2006 e a metade de 2011 graças, sobretudo, ao esforço das empresas exportadoras de commodities, como a Vale e as de agronegócio. Hoje, contudo, também elas são prejudicadas pelos gargalos logísticos do país. “Essas companhias fazem parte de setores onde o Brasil tem vantagem comparativa. Mas elas têm sido penalizadas por essas questões conjunturais, como as próprias deficiências de infraestrutura que prejudicam toda a economia”, lamenta.

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As opções de Dilma – Apesar de a presidente Dilma estar disposta a tomar medidas importantes para o país, o que se viu até o momento foram chances desperdiçadas. “Esse excesso de intervencionismo da presidente está cobrando o seu preço nos investimentos. Essa questão é extremamente preocupante”, ressalta o economista da Tendências Consultoria, Juan Jensen.

Enquanto vê o PIB minguar, o governo federal coloca toda a culpa no cenário internacional. Jensen e Fonseca concordam que o empresário fica, de fato, ressabiado com a penúria da Europa e a aproximação do chamado “abismo fiscal” nos Estados Unidos. Temerosos dos efeitos dessa conjuntura sobre o Brasil, os investidores põem o “pé no freio”, ou seja, não investem. Mas essa é apenas parte da explicação para a inércia da economia.

O analista da Tendências lembra que os outros países da América Latina que não mudaram as bases de sua política econômica continuam a crescer com vigor. Nesses mercados, como o Chile e a Colômbia, a taxa investimento cresce, em média, 10% a cada ano a despeito do cenário conturbado no exterior. “O segredo é que eles não mudaram o sistema de metas da inflação, não deterioraram a situação fiscal, não interviram no câmbio, e também não ficam, a todo o momento, mexendo nos setores da economia”, destaca.

Pecando pelo excesso – “A presidente Dilma está mais prejudicando que ajudando o PIB com esse excesso de intervencionismo. Isso acontece porque suas opções estão muito focadas no curto prazo, ao passo que seu esforços deveriam ser o médio e o longo prazo”, diz Jensen. Desonerações, redução de impostos e de arrecadação, queda de juros bancários, estímulos à produção, anúncios de investimentos em infraestrutura, entre outras medidas. Segundo o analista, como as regras mudam a todo o momento, o investidor tende a ficar parado.

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André Perfeito, economista-chefe da Gradual Corretora, compartilha da opinião e afirma que agora é a hora de o Planalto parar de tomar medidas para estimular a economia. Para ele, muitas das ações estão sendo mal interpretadas pelo mercado e esse cenário vem prejudicando os investimentos e a atividade. “Não há muito o que fazer. Na verdade, insistir nisso seria pior. Já é disseminada a percepção de que a presidente intervém demais – e isso tem sido um ‘balde de água fria’ no espírito do empresariado”, comenta.

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Os sinais, contudo, apontam na direção contrária. O Ministério da Fazenda deve insistir nas seguidas intervenções para tentar, uma vez mais, estimular o PIB. Na véspera do anúncio do IBGE, quando havia pedido aos jornalistas que não esperassem um crescimento espetacular, o ministro Guido Mantega adiantara que o Planalto prosseguirá com suas ações.

Outro legado de Lula – Os economistas apontaram outra herança maldita de Lula que tende a prejudicar, cada vez mais, o PIB de Dilma: o apagão de mão de obra. A escassez de trabalhadores qualificados no país começa a paralisar a pujança dos serviços, como ficou evidente no PIB nulo do setor neste 3º trimestre.

Marcelo Fonseca explica que a produtividade deste segmento já é naturalmente menor por depender da contratação de muita gente. Quando se imagina que a maioria dos recém-contratados não possui boa qualificação, ou seja, são pouco produtivos, entende-se a dificuldade do segmento em continuar a contribuir para a economia. “Desta forma, o crescimento potencial do Brasil não pode ser esse que querem acreditar o mercado e o próprio governo. É menor!”, lamenta. “O setor de serviços também veio zerado porque já cresceu muito. A base de comparação fica muito alta”, acrescenta Perfeito.

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O ministro Guido Mantega
O ministro Guido Mantega (VEJA)

É preciso lembrar, no entanto, que parcela importante do mau desempenho de serviços no PIB de julho a setembro foi devido à deterioração da atividade de intermediação financeira. Trata-se de efeito direto da política de juros baixos e da briga dos bancos públicos com os privados para forçar uma redução do chamado spread bancário – cenário que tem afetado os balanços das grandes instituições financeiras do país.

Ante o resultado divulgado nesta sexta-feira – um PIB decepcionante no 3º trimestre e a revisão para baixo da performance do trimestre anterior -, os economistas falam em números piores para o crescimento em 2012 e 2013. Enquanto o mercado vinha falando em expansão de 1,5% para este ano e o Ministério da Fazenda em 2%, analistas refazem suas apostas. A Tendências Consultoria reduziu sua projeção de alta para 0,8% neste ano, enquanto a Gradual Investimentos fala em 0,95% e o Safra aposta em 0,9%. Para 2013, a Tendências prevê expansão de 3,2%. A Gradual informou à reportagem que deve reduzir suas estimativas para entre 3% e 3,5%. O Safra, por fim, aposta numa alta de apenas de 2,9%.

Cassandra às avessas – Guido Mantega, enquanto isso, continua a repetir o mantra de que a economia avançará consideráveis 4% no próximo ano. Ele é praticamente uma Cassandra às avessas. Enquanto a profetisa da mitologia grega ficou famosa por prever desgraças que ninguém acreditava – devido a uma maldição do deus Apolo -, o ministro é hoje célebre por profetizar coisas maravilhosas que nunca se cumprem.

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Algumas discussões propostas pela presidente Dilma são bem-vindas e promissoras. Uma delas é a remuneração adequada ao investidor nos projetos de infraestrutura. “É fundamental essa discussão. É lógico que o capital tem de ser remunerado adequadamente. Caso contrário, ele simplesmente não virá”, comentou Fonseca, do M.Safra. Ele diz que o retorno dos investimentos em portos, aeroportos, rodovias e ferrovias devem cobrir seus riscos, mas, ao mesmo tempo, não podem extrair uma renda indevida e injustificada da sociedade. “Tem de ser feito de forma justa”, destacou.

Este é um tipo de debate – fundamental para um país que quer expandir a taxa de investimentos – que o ex-presidente Lula nunca se deu ao trabalho de propor. Sua preferência eram os conchavos políticos e o autoelogio do bom desempenho da política econômica; o qual era na verdade decorrente de medidas de quem pensou em reformas de longo prazo: o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O desafio de Dilma hoje é ser um pouco menos Dilma e um pouco mais FHC.

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