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Para a indústria gaúcha, a China fica no Brasil

A concorrência com a produção de outros estados é um desafio tão grande para o Rio Grande do Sul quanto os importados da Ásia

Por Ana Clara Costa, de Porto Alegre
4 out 2011, 11h38

A diversificada indústria gaúcha tem perdido espaço na economia brasileira nos últimos anos. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a produção industrial do Rio Grande do Sul cresceu 16% nos últimos nove anos*. O número é bastante inferior ao apurado no Paraná, que teve alta de 69%; em Goiás, de 62%; e no Espírito Santo, de 57%. Comparado a estados historicamente industrializados, numa tentativa de reduzir o efeito da base de comparação, o Rio Grande do Sul ainda assim fica atrás. A produção da indústria paulista, por exemplo, aumentou 38% no período, enquanto a mineira teve elevação de 35%. O mau desempenho do setor industrial gaúcho guarda relação direta com a perda de competitividade local não apenas ante os importados, mas também em relação aos de outros estados brasileiros.

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Desvantagens – O problema da competitividade atinge os estados de maneiras diferentes devido a duas razões principais: a guerra fiscal e a infraestrutura logística incipiente. Em ambos os casos, a economia gaúcha encontra-se em desvantagem. Independentemente da variação do dólar ou da presença dos importados, esses fatores são essenciais para a definição do preço de um produto fabricado no Brasil e que concorre também no exterior. No caso do Rio Grande do Sul, a produção industrial responde por 25% de seu Produto Interno Bruto (PIB), perdendo apenas para o setor de serviços, que responde por 65% da economia gaúcha. Entre os principais segmentos fabris estão o de autopeças, fumo, máquinas agrícolas, produtos químicos, calçados e móveis – em boa parte dos quais há similares asiáticos competitivos no mercado doméstico, principalmente quando o dólar está baixo.

Móveis – Exemplo de setor particularmente frágil é a indústria de móveis. A cidade de Bento Gonçalves (RS), a 121 quilômetros de Porto Alegre (RS), abriga 300 fábricas deste tipo de produto que faturam cerca de 2 bilhões de reais anualmente. Trata-se do maior polo moveleiro do país, com 10% de participação de mercado. Seu ritmo de crescimento, no entanto, desacelera a olhos vistos devido a dificuldade de oferecer artigos competitivos para concorrer internacionalmente ou mesmo em outros estados. No primeiro semestre de 2011, as importações de móveis dentro do próprio Rio Grande do Sul aumentaram 90%.

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Não bastasse a concorrência dos importados, há a guerra fiscal. Enquanto o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre a produção de móveis caiu de 18% para 7% no estado de São Paulo neste ano; e de 17% para 5,61% no Espírito Santo, em 2007; o governo gaúcho não admite negociar reduções da alíquota ou quaisquer benefícios que melhore a competitividade das empresas. “Nos últimos governos estaduais, nunca houve uma política que estimulasse o setor. Para todas as reivindicações que fizemos, ouvimos a mesma resposta: ‘Estamos avaliando e entraremos em contato’. Mas, até o momento, nada foi feito”, afirma o empresário Sergio Manfroi, diretor-presidente da fabricante moveleira SCA.

Os benefícios que chegam a Bento Gonçalves, segundo Manfroi, são as linhas de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para as indústrias locais, além de algumas ações realizadas no exterior pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex). E não se trata de chororô de empresário. A falta de estímulo tem feito, inclusive, com que algumas empresas instalem fábricas em outros estados, como a Bertolini, que montou plantas em Goiás e Pernambuco, e agora se prepara para entrar no Espírito Santo.

Além da questão tributária, os gargalos do porto de Rio Grande, que fica a 320 quilômetros ao sul de Porto Alegre, também prejudicam o desenvolvimento da indústria. A estimativa do Sindmóveis (o sindicato patronal das empresas moveleiras de Bento Gonçalves) é que o custo do transporte até Rio Grande encarece em 10% os preços das mercadorias. “Se o governo fizesse só a parte dele, que é a infraestrutura, já estaria bom. Como não é o caso, algumas empresas têm constatado que é mais rentável importar móveis do que produzir aqui”, afirma o presidente do Sindimóveis, Glademir Ferrari.

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Calçados – Para o setor calçadista, o Nordeste é a China dos gaúchos. A migração de indústrias do Vale dos Sinos para o Ceará, a Bahia ou a Paraíba fez com que a participação de mercado da Região Sul passasse de 88% em 1996 para 33% em 2010. No ano passado, o Sul produziu 302 milhões de pares, enquanto o Nordeste atingiu 399 milhões de pares, o equivalente a 44% do mercado.

A produção em ambas as regiões é dominada por dois estados: Rio Grande do Sul e Ceará. Em 2008, os gaúchos perderam, pela primeira vez, a liderança no setor para os cearenses. Nos últimos quinze anos, o Nordeste ganhou mais de 500 empresas calçadistas. “O Vale dos Sinos passa por um momento de reestruturação semelhante ao que aconteceu na Europa. Ele deixa de produzir calçados em massa e passa a desenvolver produtos de maior valor agregado, que necessitam de tecnologia e design diferenciado”, afirma Heitor Klein, diretor da Abicalçados.

No entanto, mesmo investindo em tecnologia, as empresas do estado não deixam de cruzar as fronteiras para produzir a um custo menor, como foi o caso da Azaleia e da Vulcabrás. O exemplo mais recente ocorreu em agosto com a Paquetá – empresa que produz calçados das marcas Capodarte e Dumond. Após transferir parte de suas operações para o Ceará e a Bahia, a Paquetá fechou suas fábricas em Sapiranga, no Vale dos Sinos. A empresa também está prestes a abrir unidades na República Dominicana e na Argentina, que servirão para abastecer o mercado internacional.

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Em Sapiranga, a Paquetá tornou-se um elefante branco. Galpões industriais foram fechados e apenas um prédio abriga o setor de desenvolvimento de produtos. Parte de sua área e algumas máquinas, no entanto, foram herdadas pela Ramarim, que contratou 400 ex-funcionários da Paquetá. Cerca de 1.400 pessoas trabalhavam no local antes das demissões. “A indústria de calçados, por ser intensiva em mão de obra, procura se instalar em locais onde os salários não são tão altos. E outros estados tornam-se ainda mais atrativos se, além disso, oferecem algum benefício fiscal”, afirma Klein.

Para o diretor da Abicalçados, a indiferença do governo estadual em relação às indústrias que deixam os municípios gaúchos em busca de outros mercados é incompreensível. Neste sentido, sobram elogios ao Nordeste. “As pessoas criticam a renúncia fiscal de outros estados. Mas não há renúncia. O estado irá receber empresas que empregarão a população local. A renda que o trabalho gera nas famílias se transformará em consumo e resultará em mais arrecadação. Onde há renúncia aí?”, questiona o diretor da entidade, que afirma que, em nenhum momento, os governos se intimidaram com a saída das empresas do estado.

Autopeças – Outro forte setor no Rio Grande Sul, o ramo de autopeças é mais um que perdeu competitividade com a expansão das importações de produtos asiáticos. Agora, com o aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre veículos e peças provenientes de outros mercados, os empresários locais dizem ter ganhado tempo. O decreto impopular foi um sopro de alívio ao setor automotivo gaúcho, liderado pela General Motors, que tem uma de suas maiores plantas da América Latina na cidade de Gravataí, próxima a Porto Alegre. Instalada no estado com o objetivo de abastecer o Brasil e o Mercosul, a GM foi um divisor de águas na indústria automobilística gaúcha, antes voltada apenas a autopeças – sobretudo após perder a fábrica da Ford para Camaçari, na Bahia.

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Segundo Daniel Randon, diretor-presidente da Fras-Le, uma das maiores fabricantes de autopeças do país, com faturamento de 500 milhões de reais, o momento de queda do dólar serviu para que o setor investisse em tecnologia e maquinário. Os que fizeram a “lição de casa”, segundo ele, deverão se beneficiar com a medida do governo. No entanto, o empresário reconhece que a resolução não muda o panorama de competitividade do estado. “Hoje acabamos tendo superávit na balança comercial apenas nas commodities. A indústria de manufatura, que processa essas commodities, não está mais aqui. E ela se perde porque não há investimento, nem tecnologia”, afirma o empresário.

Apesar de se beneficiar de maneira indireta com o aumento do IPI, Randon pondera que o Brasil deveria tomar medidas para verificar a qualidade de peças asiáticas que entram no mercado brasileiro, como freios, em vez de aplicar medidas protecionistas. No entanto, a opinião do empresário é dissonante. Houve consenso entre as fontes gaúchas ouvidas pelo site de VEJA de que o governo fez bem em aumentar o IPI de veículos importados. O presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Heitor José Müller, tenta defender seu ponto de vista: “A forma de esses países exportarem seus produtos envolve custos de produção baixos, devido aos subsídios dos governos, além de pouco ou nenhum benefício social à sua mão-de-obra. Não há como competirmos com isso”, afirma.

*Dados para a série atual estão disponíveis desde 2002.

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