Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

O mundo pode aprender com as experiências do Brasil

Em entrevista exclusiva ao site de VEJA, o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, destaca seu trabalho em replicar programas bem-sucedidos do país mundo afora

Por Benedito Sverberi
2 jun 2011, 07h40
C 40
C 40 (VEJA)

Cerca de vinte anos atrás, autoridades do Banco Mundial costumavam levar soluções prontas aos países pobres com base em muita teoria e pouquíssima avaliação da realidade local. De lá para cá, muita coisa mudou. A garantia é do atual titular do cargo, o americano Robert Zoellick, que falou com exclusividade ao site de VEJA. Hoje, diz o economista, a filosofia da entidade é tratar os países aos quais destina recursos e ‘expertise’ como clientes. Neste cenário de maior abertura para o diálogo, o Brasil desponta como parceiro estratégico. O trabalho bem-sucedido do país em políticas de redução da pobreza extrema tornou-se referência para a instituição, que se ocupa em tentar replicar esse modelo em outras nações em desenvolvimento mundo afora.

O senhor veio ao Brasil não apenas para participar do encontro de prefeitos das grandes metrópoles mundiais, o C40, mas também para se encontrar com as autoridades do país, em especial a presidente Dilma Rousseff. Poderia relatar um pouco da pauta do encontro?

Um dos meus propósitos numa viagem como essa é ouvir e saber como o Banco Mundial pode ser mais prestativo ao Brasil – que, afora ser um país de grande importância no cenário internacional, é um de nossos principais clientes dos programas de empréstimo. Por outro lado, tão relevante quanto isso é nosso objetivo de aprender cada vez mais com as experiências brasileiras para poder replicá-las em nossos esforços de apoio ao desenvolvimento e à redução da pobreza no mundo.

Percebemos com clareza hoje que projetos bem-sucedidos de algumas nações em desenvolvimento, como o Bolsa Família e as redes de proteção social, podem ser muito úteis em outros países – como, por exemplo, os do Oriente Médio e Norte da África, que têm graves problemas de inclusão social e possuem programas muito caros de melhoria da distribuição de renda.

Também quero aprofundar o diálogo da instituição com o país para tratar de assuntos que afetam todo o planeta, e que estão em discussão no G20. Um exemplo disso é o problema da inflação de alimentos e políticas para a agricultura de uma forma geral, haja vista que este é um setor em que o Brasil representa o que há de mais avançado no mundo. Essa conversa será essencial para subsidiar o encontro dos ministros da agricultura em Paris, agora em junho, quando acredito que poderemos chegar a alguns bons resultados.

Enfim, em muitos pontos, o mundo pode aprender com as experiências do Brasil. Por outro lado, é claro que o país também tem enormes desafios pela frente, sobretudo em educação e na construção de uma infraestrutura adequada às suas necessidades. Neste aspecto, o Banco Mundial tem oferecer, não apenas recursos, mas também expertise para seu aprimoramento.

Continua após a publicidade

Neste clima de troca de experiência sobre programas de redução da pobreza, o Banco Mundial está interessado em conhecer e, eventualmente, apoiar o “Brasil sem Miséria” – o novo projeto social do governo federal?

A resposta é definitivamente sim. Este é um dos assuntos principais de que vim tratar com a presidente Dilma. Só precisamos ver qual será a melhor maneira de apoiar este projeto.

Parte deste meu entusiasmo deriva do fato de que o Bolsa Família já é muito bem-sucedido, o que nos inspira confiança. Afinal de contas, ele contribuiu para que o índice de extrema pobreza no país baixasse de 22% para 8,5%, o que significa, mais ou menos, 20 milhões de pessoas que saíram da mais absoluta indigência. Trata-se de uma enorme mudança. Não é a toa que temos tentado levar essa experiência a cerca de 40 países. O que é muito poderoso neste projeto é o fato de que seu custo é relativamente baixo, entre 0,5% e 1% do PIB.

Com o “Brasil sem Miséria”, no entanto, os desafios serão mais complexos. Reduzir ainda mais o índice de pobreza vai requerer diferentes tipos de intervenção. Estamos falando de pessoas que, a depender do caso, vivem em áreas rurais distantes; possuem algum tipo de necessidade especial; têm dificuldades para se inserir no mercado de trabalho, etc. Enfim, estamos interessados em conhecer o que o governo brasileiro vai propor para tentar atingir esses indivíduos. A partir disso, queremos definitivamente cooperar.

Imagino que reduzir a pobreza nas nações em desenvolvimento hoje deve ser especialmente complicado, pois o mundo vive um quadro inflacionário preocupante, sobretudo nos alimentos. Como o Banco Mundial se posiciona diante disso?

Antes de mais nada, é preciso fazer algumas distinções, pois os emergentes são muitos e possuem realidades diferenciadas. No caso do Brasil, mas também da China, Índia e algumas nações do Sudeste Asiático, o grande risco hoje é o superaquecimento, que traz dificuldades, é claro, para o controle da inflação. O governo Dilma está tentando desacelerar a economia por meio de ajustes na política fiscal, mas também nas taxas de juros, entre outras medidas. Contudo, boa parte da solução para as pressões inflacionárias no país vem da eliminação da defasagem que se observa no lado da oferta. Em outras palavras, é preciso reduzir os entraves que impedem a economia de responder prontamente com um aumento da produção toda vez que ocorre um avanço importante do consumo. Isso remete à necessidade, repito, de investir em infraestrutura – o que, em última instância, também gera demanda e pode causar o superaquecimento. Logo, mudar esse equilíbrio não é tarefa fácil.

Agora, há esta questão de fundo que é a inflação global dos alimentos. Nossa avaliação é que estamos numa zona perigosa. O Banco Mundial estima que cerca de 44 milhões de pessoas foram empurradas para pobreza desde junho de 2010 somente por causa desse fenômeno. A maior preocupação é que, como os estoques da maioria dos grãos estão relativamente baixos, não há muita margem para ajuste caso alguma importante região produtora sofra quebra de safra por eventos como secas e inundações. O problema é bastante sério no curto prazo, mas oferece oportunidades para o futuro.

Continua após a publicidade

Como assim?

Nas próximas décadas, há enorme potencial para que a África, por exemplo, eleve sua produção e produtividade. Nesta área, novamente, há uma parceria importante que queremos desenvolver com o Brasil, que possui o que existe de mais avançado em desenvolvimento alimentar: desde direitos de propriedade, sementes, fertilizantes, etc, até toda a expertise de como montar uma infraestrutura de estocagem e transporte da produção ao consumidor final.

No curto prazo, o quadro é bastante sério – e este é um assunto que tem sido muito trabalhado com os franceses no G20, mas também com os brasileiros. Em resumo, queremos que os países parem de fazer certas coisas que agravam o descompasso entre oferta e demanda que pressiona as cotações dos alimentos. Um exemplo é a imposição de limites às exportações. Queremos também melhorar as informações sobre quantidade e qualidade dos estoques, entre outras medidas.

Também nesta discussão, o Banco Mundial e o governo Dilma estão afinados. Defendemos que a solução não passa por controle de preços ou interferências nos mercados. Ao contrário, é preciso pensar sempre o que é possível fazer para torná-los ainda mais eficientes – mas sem descuidar, é claro, dos mais vulneráveis, dos mais pobres.

Em resumo, este mesmo problema da alta dos preços dos alimentos, que pressiona a inflação brasileira, também cria oportunidades ao país?

De certa forma sim, mas quadro também deve inspirar muita cautela. O Brasil tem aproveitado o “boom” das commodities – e não só das agrícolas, mas das minerais também. Existem boas razões para acreditar que a demanda por esses produtos vai se sustentar ainda por um bom tempo devido ao crescimento do mundo emergente. No entanto, sob uma perspectiva histórica, é preciso lembrar que já se viram quadros semelhantes no passado e os preços não se mantiveram em patamar elevado para todo o sempre. Então, um grande desafio para o Brasil hoje é se diversificar ainda mais, reforçando os setores de serviços e da indústria.

O empresariado nacional tem reclamado da dificuldade de ganhar este espaço, principalmente por conta do câmbio valorizado, que dificulta as exportações e abre caminho para a forte entrada de importados no país. O Banco Mundial também está acompanhando essa discussão?

Minha visão é que essa valorização do câmbio deve-se não apenas a questões pontuais, como as ligadas à política monetária, mas, sobretudo, à atratividade inerente da economia brasileira, que se reflete numa entrada expressiva de dólares. Logo, é um processo que não se reverte de um dia para o outro.

Continua após a publicidade

O governo brasileiro até tem experimentado algumas medidas que exercem algum efeito sobre os fluxos de curto prazo. Contudo, o que temos visto na história é que esse tipo de medida tende a ser só temporariamente efetivo. O mais importante hoje é o Brasil entender esse fenômeno numa perspectiva macroeconômica mais longa.

Num cenário de câmbio valorizado, ganha evidência a necessidade de progressivamente ampliar a competitividade da economia. Esta demanda, por sua vez, traz a reboque uma série de desafios para os próximos anos: é preciso aprimorar a regulação do setor de serviços; aumentar a produtividade da força de trabalho, o que implica impulsionar a qualificação; ampliar significativamente a taxa de investimento; melhorar a infraestrutura, que ajudaria a reduzir o custo Brasil; etc.

No curto prazo, estão corretas as iniciativas de parar com os estímulos do lado fiscal; promover ajustes na política monetária; e ter extremo cuidado com o setor bancário. Por outro lado, quando falamos destas reformas estruturais, é preciso comprometimento e planejamento de longo prazo.

Mas esse planejamento de longo prazo, infelizmente, é algo que o Brasil ainda não tem. As medidas aqui costumam visar, grosso modo, o curto prazo.

Este problema não é exclusivo de vocês. Quase todos os governos são imediatistas. De qualquer modo, a meu ver, o Brasil tem promovido sim algumas reformas estruturais. Elas começaram com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que conseguiu renegociar as dívidas dos estados e estabilizar a economia. A gestão do ex-presidente Lula, ao focar no Bolsa Família e nos mais pobres, também trouxe mudanças duradouras importantes.

Hoje, estamos voltados a compreender o que a presidente Dilma quer botar em prática. Para mim, boa parte daqueles tópicos dos quais falei anteriormente – o aumento da produtividade da mão-de-obra, investimentos em infraestrutura, etc – estão muito na agenda dela.

Continua após a publicidade

Outra grande preocupação do Brasil, como também de outras grandes nações emergentes, é sua representatividade nos organismos internacionanis. Esta questão ficou particularmente evidente agora por conta da discussão sobre a sucessão no FMI. Como o senhor se posiciona diante disso?

É inevitável, é importante e vai continuar. Em minha administração no Banco Mundial, venho promovendo ajustes que vão nesta mesma direção. Atualmente, os emergentes já têm 47,2% dos votos, sendo que partimos de uma fatia de 40,5%. Adicionei uma nova cadeira na direção executiva para a Africa Subsaariana porque ela estava, em nossa avaliação, ‘subrrepresentada’. Os cargos imediatamente abaixo da presidência, que equivalem à diretoria, são hoje ocupados por uma nigeriana, uma indonésia e um egípcio. Nosso economista-chefe é chinês. O vice-presidente para redução da pobreza e administração econômica é o brasileiro Otaviano Canuto.

Tenho enfatizado a necessidade de aumentar a participação das pessoas dos países emergentes e também das mulheres em nossos quadros. Cerca de metade dos oficiais indicados nos últimos anos é do sexo feminino.

Há outra questão, sobre a qual não se fala muito, mas que é igualmente importante: a tentativa de transformar o banco para que ele passe a tratar os países como clientes. É preciso entender o que eles querem, seus problemas e a forma como vêm suas próprias deficiências. Só assim conseguiremos saber como vamos poder aplicar nosso conhecimento e nossas soluções.

Cerca de vinte anos atrás, algumas pessoas do Banco Mundial costumavam abordar os governantes dos países pobres que atendemos com ideias copiadas dos livros, isto é, já vinham com teorias prontas. Naturalmente, as autoridades locais tendiam a encarar tudo isso com muita reserva. Hoje, tentamos nos aproximar e entender a realidade particular antes de qualquer julgamento. Na hora de oferecer soluções, temos usado muito a estratégia de pegar a experiência de uma nação em desenvolvimento, customizá-la e aplica-la a outro país com características comuns. O que quero é introduzir um grau cada vez maior de pragmatismo nesta relação.

Em resumo, é preciso entender que essa mudança no Banco vai além da questão da representatividade para envolver a forma como nosso ‘staff’ está estruturado e a maneira como fazemos negócios.

Continua após a publicidade

Neste processo de mudança, com foco na busca por pragmatismo, posso concluir então que não está distante a escolha de alguém que não seja americano para liderar a instituição?

Claro que isso pode acontecer. Todas as pessoas dos países emergentes que eu trouxe para a diretoria do banco poderiam tranquilamente tornar-se ótimos presidentes. Vejo isso como um processo natural.

Sobre o FMI, que está em pleno processo de escolha de um novo diretor, acredito que este trabalho deva ser conduzido de forma muito transparente e que se baseie na meritocracia. Todos os candidatos cujos nomes têm sido aventados, tanto formal quanto informalmente, são de grande envergadura.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.