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O mercado de trabalho começa a sentir o baque

Apesar do discurso eleitoral de pleno emprego, há sinais de esgotamento e corte de vagas em alguns segmentos; o momento é de rever o modelo

Por Luís Lima e Naiara Infante Bertão
14 set 2014, 18h27

O economista austríaco Friedrich Hayek escreveu certa vez que quando se usa o estado como ferramenta para estimular a criação de vagas, uma série de desequilíbrios é desencadeada. O Brasil vive essa realidade. A cantilena repetida à exaustão em época eleitoral é a de que o pleno emprego que se vê hoje leva a assinatura dos governos petistas. O outro lado da moeda é que os desequilíbrios criados pela política econômica da gestão de Dilma Rousseff se tornam cada vez mais patentes e afetam não só a renda dos brasileiros, mas também o mercado de trabalho. Com a inflação no teto da meta, os juros começaram a subir e o emprego, consequentemente, deu sinais de esgotamento. A criação de vagas com carteira assinada em 2014 (até agosto) é a mais baixa desde 2002, início da série histórica disponibilizada pelo Ministério do Trabalho. Apesar da desaceleração, a taxa de desemprego mais recente, que remonta a abril, está em 4,9% – um dos resultados mais baixos da história. Especialistas ouvidos pelo site de VEJA explicam que a menor geração de postos só não impactou a taxa de desemprego porque a oferta de mão de obra diminuiu: passou de 24,32 milhões em abril do ano passado para 24,11 milhões no mesmo mês deste ano, segundo a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), que leva em conta as seis maiores regiões metropolitanas do país.

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Levantamento feito a pedido do site de VEJA pelo economista Hélio Zylberstajn, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), com base na PME, mostra outro fator estatístico que impede o aumento da taxa de desocupação. O estudo constata que, entre abril do ano passado e deste ano, 528 mil brasileiros em idade ativa preferiram não trabalhar. Esse número é equivalente à população de uma cidade como Ribeirão Preto (SP). No jargão econômico, parte desses brasileiros é conhecida como ‘nem-nem’: aqueles que não estudam, nem trabalham. De acordo com o cálculo de Zylberstajn, se estivessem trabalhando, a taxa de desemprego saltaria dos 4,9% atuais para 7%. “Ao retornarem para um mercado de trabalho desaquecido, procurando emprego, esses indivíduos devem engordar as estatísticas de desemprego. A tendência é que não preencham novas vagas, que agora estão mais escassas”, alerta o economista e professor da Universidade de São Paulo (USP), José Paulo Chahad.

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Emprego - gráfico
Emprego – gráfico (VEJA)

Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostram que, em 2014, alguns segmentos já registram mais demissões do que contratações. É o caso do Comércio, que fechou mais de 6 mil vagas nos oito primeiros meses deste ano. Não à toa, justamente o setor varejista, que foi o que mais cresceu durante o boom econômico dos últimos anos, é a ponta mais sensível à variação no bolso da população. Com a inflação acima do teto da meta (de 6,5% ao ano) e os juros em seu maior patamar desde 2011 (11% ao ano), a renda se arrefece e o consumo titubeia. Neste exemplo enxerga-se a teoria de Hayek de forma clara. Ele defende que políticas de governo que estimulam o consumo trazem dois resultados: o aumento do emprego em determinados setores e o avanço da inflação. Mas, quando medidas anti-inflacionárias são aplicadas, como é o caso do aumento dos juros, esses mesmos empregos são fechados. “Quanto mais a inflação durar, maior será o número de trabalhadores cujas vagas dependerão da continuidade da inflação”, diz o economista austríaco em seu livro Full Employment at Any Price (Pleno Emprego a Qualquer Preço, em tradução livre).

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Outro setor que vinha sendo a âncora do mercado de trabalho nos últimos anos é o de Serviços, que criou 490 mil vagas até agosto deste ano, 65% do total. Em 2010, esse número era de 1 milhão. No setor industrial, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta queda de 2,6% no emprego até julho deste ano, o que equivale ao fechamento de 11 mil vagas. “Como a indústria representa apenas 15% do emprego total, mesmo com as demissões, o nível de emprego ainda não foi afetado. Mas, do ponto de vista qualitativo, é um desastre, porque os melhores empregos estão na indústria”, afirma Zylberstajn, da Fipe.

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Um indicador que inspira os economistas a projetarem taxa de desemprego superior a 7% no ano que vem é o investimento. No primeiro semestre, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que mede o peso dos investimentos na economia brasileira, acumula queda de 6,8% em relação a 2013. Não à toa, a economia está em recessão técnica no primeiro semestre – e não são poucos os analistas que já projetam o encolhimento do PIB no consolidado do ano. “O investimento de hoje é o emprego de amanhã. E, se o investimento continuar baixo, do jeito que está, mesmo com todo o benefício demográfico que temos, a taxa de desemprego não vai permanecer baixa”, afirma o economista José Pastore, da Universidade de São Paulo (USP).

Diante da situação de alerta, o governo, em vez de mergulhar num exercício de autocrítica para descobrir como reverter os muitos erros cometidos, insiste no discurso de que “tudo vai bem, obrigado”. Após a divulgação dos dados do Caged na última quinta-feira, o ministro do Trabalho, Manoel Dias, afirmou que o Brasil “é campeão na geração de empregos” e que os resultados de setembro e outubro serão ótimos. “Todo o conjunto da economia está em recuperação e o emprego faz parte”, disse. Dias afirmou que o Brasil terá um saldo de criação de 1 milhão de vagas este ano – o que seria, na série com ajustes, o pior resultado desde 2003, o primeiro ano do governo Lula. O problema é que os economistas esperam menos que isso. Segundo Zylberstajn, pelo menos 450 mil vagas serão fechadas em dezembro por fatores sazonais. “O resultado de 2014 será pífio. Mas ainda não se pode afirmar que será negativo”, diz o economista.

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Para que haja uma criação sustentável de vagas, é preciso investimentos pesados em educação e inovação, além da abertura do mercado para estimular a concorrência entre as empresas e melhorar, assim, a produtividade. E justamente nesta segunda etapa mora o erro do governo petista: a inovação foi relegada a último plano e o protecionismo da indústria tornou-se a regra básica. Os efeitos negativos estão aí: o setor recuou 2,6% em 2014, ainda que o governo negue a ineficácia de seu modelo. Segundo dados do Relatório de Competitividade do Fórum Econômico Mundial, um dos problemas mais graves do Brasil é sua capacidade de inovar. Num ranking de 144 nações, o país, que é a sétima maior economia do mundo, ocupa a 62ª posição em Inovação. Em produtividade no trabalho, está em 109º.

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Todos os políticos que chegam ao Palácio do Planalto desejam que seus governos sejam marcados pela criação de emprego. O que os difere é o caminho que adotam para alcançar tal objetivo. Há os que criam um bom ambiente regulatório e concorrencial para que floreça o empreendedorismo, o investimento, a inovação e, por consequência, a criação de vagas. Outra opção é usar o estado como indutor do consumo e intervir em setores escolhidos a dedo para beneficiá-los, não importando os desequilíbrios que as políticas possam criar. Esse foi o caminho escolhido pela presidente Dilma. O desempenho econômico ruim e a desaceleração do emprego deixam claro que essa escolha não é sustentável. Caso Dilma não se reeleja, o governo que se iniciará em 2015 terá a missão árdua de rever os erros e buscar o equilíbrio estrutural. Para que se alcance esse objetivo, o emprego nos setores beneficiados ao longo dos últimos anos pode ser sacrificado num primeiro momento. A profundidade desse impacto só será conhecida, no entanto, quando também vier à luz o tamanho do problema econômico criado pela equipe da presidente. Quanto antes o bom caminho for retomado, melhor.

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