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O futuro do Carf depois da Operação Zelotes

Em meio às investigações do escândalo de corrupção, especialistas reforçam a importância de fortalecer conselho administrativo, mas divergem sobre a estrutura ideal para evitar roubalheira e ingerência de empresas na decisão de multas bilionárias

Por Luís Lima 19 abr 2015, 17h58

A Operação Zelotes, da Polícia Federal (PF), que investiga um esquema bilionário de corrupção no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), lançou um debate sobre as mudanças necessárias ao aperfeiçoamento do órgão, que funciona como um tribunal de arbitragem da Receita Federal. O Carf possui 216 conselheiros – metade indicada pela Fazenda e outra metade composta por representantes dos contribuintes, especialmente advogados e contadores. Esse modelo é alvo de críticas porque põe em dúvida a isenção dos julgamentos. Empresas grandes com processos bilionários tramitando no órgão contratam bancas de advogados que pertencem a conselheiros. Da mesma forma, conselheiros que são servidores públicos podem ter de arbitrar, em algumas situações, contra a arrecadação do próprio Fisco. Por situações como essas, especialistas ouvidos pelo site de VEJA afirmam ser necessária uma mudança na estrutura do Carf. Alguns sugerem que ele deixe de ser vinculado ao Ministério da Fazenda e se torne uma autarquia.

Hoje, a principal suspeita que recai sobre o órgão é de que conselheiros e ex-conselheiros anulavam ou reduziam multas aplicadas a empresas mediante o pagamento de propina, o que pode ter causado um prejuízo de até 19 bilhões de reais ao Fisco. Segundo a PF, membros do Carf transformaram o órgão, desde 2005, num balcão de negócios. Os conselheiros se defendem afirmando que a corrupção não é institucionalizada e reclamam da ‘pressão’. “O sentimento, hoje, é de muita cobrança e pouca cooperação. Há muito trabalho e pouca contrapartida”, diz um advogado que participa do Carf. As reuniões do órgão, segundo ele, ocorrem durante três dias seguidos por mês e o governo se encarrega do deslocamento dos conselheiros até o escritório, em Brasília. As diárias de hotel de categoria turística (800 reais por três dias de hospedagem) pagas pelo Fisco desagradam aos conselheiros, que não recebem remuneração por participar dos encontros.

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Com o estouro da Zelotes, o papel do órgão vem sendo discutido por entidades de classe e pelo próprio governo. A redução do número de conselheiros é uma das ideias aventadas. Outra é de que a estrutura do Carf deixe de ser paritária, ou seja, que órgão passe a ter mais servidores públicos do que representantes da sociedade civil. O professor de direito tributário da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Sérgio André Rocha, sugere que o Carf deixe de fazer parte do Ministério da Fazenda e se torne uma autarquia. “O vínculo à Fazenda limita a independência do órgão. O primeiro passo para uma mudança seria tirar dele os julgamentos administrativos para que ele possa ter efetivamente autonomia. Talvez um modelo de autarquia fosse o ideal”, afirma.

Reduzir o tamanho e o peso do Carf para livrá-lo de gestões irregulares teria reflexos diretos na vida do contribuinte, seja ele pessoa física ou jurídica. O conselho é visto por especialistas como um órgão técnico e que permite o direito de defesa em ações tributárias de alta complexidade – e altos valores. Outro benefício é que as decisões do Carf limitam os processos que vão ao Judiciário. “Se não houvesse o Carf, ou qualquer outro órgão de julgamento administrativo, a pessoa ou empresa que foi autuada teria de apresentar uma garantia integral do valor contestado como condição para se defender. É uma situação muito drástica, considerando que lançamentos podem e devem ser revisados”, diz Daniella Zagari, coordenadora do comitê tributário do Centro de Estudos das Sociedades dos Advogados (Cesa). O presidente da Ordem dos Advogados de São Paulo, Marcos da Costa, faz coro à defesa. “Cerca de 30% dos processos atuais são ligados ao Fisco. É um volume muito grande. Os conselhos de contribuintes, como o Carf, diminuem essa demanda sobre o poder Judiciário, que não tem estrutura compatível com ela”, opina.

Em entrevista ao site de VEJA, na semana passada, o ex-secretário da Receita Everardo Maciel foi bastante crítico quanto à estrutura paritária que, segundo ele, deveria ser substituída por servidores públicos concursados – e, portanto, remunerados e com dedicação exclusiva. Tal ideia, contudo, não encontra eco na opinião de todas as partes envolvidas. O advogado tributarista e presidente do Movimento de Defesa da Advocacia (MDA), Marcelo Knopfelmacher, diz que o fim da estrutura paritária implicaria no “caminho para a própria extinção do órgão”. “Uma estrutura com advogados, contadores e auditores fiscais propicia uma contraposição de olhares e diferentes tipos de formação. Limitar o ingresso aos concursados só reforçaria a posição oficial, que é a do governo”, diz.

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Na semana passada, o Ministério da Fazenda instituiu um grupo de trabalho com a finalidade de estudar, avaliar e propor alterações no regimento interno do Carf. O prazo para conclusão dos trabalhos será de 30 dias, contados da data da primeira reunião. Em nota, a Fazenda informou que o grupo ainda está concluindo seus estudos. “Contudo, podemos adiantar que o novo regimento do Carf, proposto para aperfeiçoar a estrutura do órgão, será submetido na próxima semana a consulta pública”, disse. A empreitada da Fazenda, no entanto, foi mal recebida por tributaristas. “A revisão pretendida do Carf não pode ficar exclusivamente nas mãos de um dos lados dos interessados”, disse Pedro Lunardeli, presidente do comitê tributário da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat).

Apesar da crise enfrentada pelo órgão, que chegou a suspender os julgamentos este ano devido à Zelotes, os tributaristas acreditam que a tendência é de que a investigação conduza o Carf a melhorias. Eles também acreditam, contudo, que o governo não deve implementar mudanças drásticas. “Sou cético sobre alterações profundas. O que provavelmente acontecerá são mudanças pontuais, como um maior controle e supervisão sobre o que acontece”, prevê Sérgio André Rocha, da UERJ.

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