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Estados Unidos chegaram a uma situação inconcebível

Economista da Universidade da Califórnia, em Berkeley, acredita que o governo americano terá de optar por uma solução de curto prazo para impedir o calote

Por Ana Clara Costa
26 jul 2011, 10h20

Cada minuto que se passa sem que os congressistas americanos cheguem a um acordo sobre a elevação do teto da dívida dos Estados Unidos aumenta o nível de stress não só na economia do país, como também nas principais potências mundiais que detém títulos da dívida americana. Diante da indefinição de Washington em aprovar um plano de austeridade que inclua o aumento do teto do endividamento, o calote americano migrou de um simples devaneio para um fato que poderá se concretizar já na semana que vem. Para Barry Eichengreen, economista e cientista político da Universidade da Califórnia, em Berkeley, a situação que se anuncia não chega a ser um apocalipse – mas passa perto disso. “É tudo tão amedrontador que as previsões, por piores que sejam, talvez não consigam expressar a realidade dos fatos”, disse, em entrevista ao site de VEJA. Segundo o economista, uma solução de curto prazo poderia ser um remédio menos doloroso para os mercados. “Diante do atual contexto político, uma solução de curto prazo será o único caminho possível, apesar de não ser o melhor”, afirma.

Se houver mesmo o calote americano, um apocalipse financeiro se anuncia?

Não sei se podemos chamar isso de apocalipse, pois aí estaríamos dizendo que seria o fim do sistema financeiro internacional. E não é isso. Um calote seria muito ruim, mas ainda seria possível uma recuperação. A questão é que é tudo tão amedrontador que as previsões, por piores que sejam, talvez não consigam expressar a realidade dos fatos. Os Estados Unidos chegaram uma situação inconcebível.

Para contornar a situação, uma solução de curto prazo seria mais viável?

A situação realmente é grave e mereceria uma solução de longo prazo que colocasse a economia americana nos eixos novamente – e não uma medida paliativa. No entanto, no atual contexto político, creio que uma solução de curto prazo será o único caminho possível, apesar de não ser o melhor. Uma das opções é a que foi proposta pelo senador Mitch McConnell para que seja delegado ao presidente Barack Obama o poder de aumentar o teto da dívida pública. A partir disso, os republicanos poderiam votar uma resolução desaprovando o ato. Isso permitiria que deixassem claro aos eleitores que se opuseram a isso, mas não impediria o aumento do teto. Apesar de parecer difícil que os republicanos aceitem essa opção, acredito que ela seja a única a possibilitar que a classificação de risco do país não seja rebaixada em agosto.

Mas essa alternativa não resolve o problema fiscal americano.

Sim, mas ela consegue impedir o default da dívida imediatamente.

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Qual é a sua opinião sobre a proposta da “Gangue dos Seis”?

Ela me parece séria e muito interessante, mas os próprios membros do grupo estão com dificuldades em chegar a um acordo. É um processo que está apenas começando e deve levar tempo para ser finalizado. Não dá para contar com a aprovação dessa proposta a tempo. Ela ainda precisa ser detalhada.

O anúncio feito na semana passada pela agência de classificação de risco Fitch atribuindo default à Grécia não amedronta os Estados Unidos a ponto de forçar que as negociações para o novo teto saiam logo?

Eu acho que não. O Estados Unidos já estão bem avisados pelas agências de rating. A Standard & Poor’s e as outras agências já deram um ultimato. E isso não é apenas questão de aumentar o teto da dívida. Elas querem que o país coloque sua situação fiscal em ordem – e é também por isso que o governo está tentando uma solução de longo prazo.

As ameaças de rebaixamento da nota americana mostram que as agências de rating estão mais rígidas?

De forma alguma. Elas agem assim porque sabem que estão sob pressão. Não tenho nenhuma convicção de que queiram melhorar seu método de avaliação. Neste momento, elas apenas estão ecoando o que o mercado financeiro já sabe. A única razão que faz com que sejam levadas em consideração é o fato de os reguladores utilizarem a classificação de risco quando definem os limites de alavancagem das instituições financeiras. Se essa prática ultrapassada fosse eliminada, ninguém iria dar crédito às avaliações das agências. E isso seria muito bom.

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Europa e Estados Unidos chegaram a discutir mudanças na regulação do mercado financeiro internacional, mas nada aconteceu até o momento. Na sua avaliação, algo mudará?

Tenho dúvidas. O lobby da indústria financeira é muito poderoso e congela as melhoras no sistema financeiro mundial. Vemos algumas mudanças, como a reforma Dodd-Frank, que é a mais abrangente revisão da regulamentação do setor desde a década de 1930. Mas os lobistas estão pressionando o Congresso para enfraquecer essa proposta, pois ela não é interessante para muitos em Wall Street. O problema é que, mesmo ela sendo eficaz para ajudar a regular o mercado de derivativos, ainda não está claro para mim se os congressistas resistirão à pressão dos lobistas ou não.

Qual é a principal mudança econômica que ocorreu desde a crise financeira?

Crises sempre trazem mudanças boas e ruins. No caso das economias desenvolvidas, infelizmente essas mudanças foram negativas e geraram dívidas públicas absurdas – que causaram os problemas fiscais que temos hoje na Europa e nos Estados Unidos. Uma mudança boa seria a chegada das reformas financeiras em Wall Street, que são tão necessárias e ainda não foram colocadas em prática. Mudanças positivas, até o momento, são poucas. Em uma perspectiva global, a única coisa louvável que se apresenta no horizonte é o surgimento do G20 como principal comitê para discutir a economia. Essa é, na minha avaliação, a boa mudança que deverá ter um efeito transformador para os países no longo prazo.

Com todas as turbulências que têm acontecido, o dólar perde cada vez mais sua força. É possível que ele dê lugar ao yuan no mercado internacional dentro de alguns anos?

A China está a ponto de internacionalizar sua moeda, mas há muito caminho ainda a percorrer antes que possamos pensar em uma substituição do dólar. O país ainda exerce muito controle sobre seu fluxo de investimentos e precisará fazer diversas reformas financeiras antes que se torne seguro o bastante para abrir sua economia ao capital estrangeiro. E quando a China começar, ela o fará gradualmente. Mas não se espante se, em dez anos, o yuan se tornar tão internacional como o dólar e o euro.

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Há espaço para todas essas divisas no mercado internacional?

Houve uma época em que havia espaço para uma única. Atualmente, com a queda dos custos das transações internacionais, o dólar não consegue ocupar todo esse espaço. Além disso, informações sobre valores cambiais são fáceis de serem rastreadas – algo que não ocorria no passado. Enfim, não há nenhum obstáculo técnico para que o dólar e o euro não fiquem lado a lado com o yuan, o real ou a rúpia indiana. É preciso entender que estamos migrando para um sistema mais multipolar que, se for bem feito, possibilitará a criação de um ambiente muito mais seguro para as finanças globais. E os emergentes terão um papel importante nesse mundo menos polarizado.

O papel dos emergentes no futuro da economia global está superavaliado?

Não colocaria isso desta forma. São países que terão um peso cada vez maior nas decisões econômicas mundiais – sem contar que são mercados produtores e consumidores importantíssimos. O que acontecerá no médio prazo é que as economias que estão crescendo rápido irão desacelerar. A China não vai continuar crescendo 10% ao ano. Nos próximos cinco anos, o índice de crescimento deverá ficar entre 6% e 7%. Esse crescimento menor significará diminuição dos preços das commodities e desaceleração de economias como Brasil e Indonésia, por exemplo. Mas, mesmo com essa desaceleração, esses países vão continuar crescendo mais do que as economias desenvolvidas.

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