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O Banco Central está de mãos atadas no combate à inflação, afirma especialista em política monetária

Em entrevista a VEJA, o economista José Júlio Senna afirma que o pior da crise ainda está por vir e que a inflação deverá permanecer elevada em 2016

Por Giuliano Guandalini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 29 nov 2015, 15h25

O Banco Central está de mãos atadas e, neste momento, perdeu a capacidade de exercer uma ação mais agressiva para combater a inflação. A principal amarra é a recessão, que deverá levar a um aumento expressivo do desemprego no próximo ano. Os diretores do BC não podem nem mesmo se comprometer com um prazo para o cumprimento da meta de inflação, que é de 4,5%. Nesse cenário, é improvável que ocorra uma queda expressiva do índice de preços em 2016.

Esse é o resumo da análise feita pelo economista José Júlio Senna, um dos maiores especialistas brasileiros quando o assunto é política monetária. Autor do livro Política Monetária: Ideias, Experiências e Evolução (Editora FGV, 2010), Senna já foi diretor do BC e atualmente comanda o centro de pesquisas monetárias do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas, no Rio.

Em entrevista a VEJA, Senna analisou os dilemas do combate à inflação no país. Sua conclusão: a solução deve necessariamente passar pelo equilíbrio das contas públicas.

É possível saber se o pior da recessão ficou para trás?

Acredito que não. Explico por quê. As projeções indicam uma queda no PIB de mais de 3% neste ano e mais uma queda próxima de 3% em 2016. Estamos falando de uma queda acumulada ao redor de 6,5%. A taxa de desemprego, medida pela PNAD contínua, subiu de 6,8%, no ano passado, para 8,5%, em média, neste ano. Essa alta está muito associada ao maior número de pessoas procurando emprego, e não à diminuição significativa de pessoas empregadas. A queda na renda das famílias e a piora nas perspectivas na economia fizeram essas pessoas, que estavam fora do mercado de trabalho, irem à luta e tentar arrumar um emprego. A população economicamente ativa, cujo crescimento se mantinha em 1% ao ano, deverá crescer 2% neste ano e também no próximo. A população ocupada cresceu, no ano passado, 1,5%, mesmo com a recessão. Neste ano, a população ocupada deverá permanecer estagnada, ao mesmo tempo em que haverá mais gente em busca de uma vaga. A recente experiência brasileira mostra, portanto, importante descompasso entre a atividade econômica e o mercado de trabalho. Não houve ainda uma redução do total de pessoas empregadas, apesar de o quadro recessivo estar conosco já há um bom tempo. Possivelmente, os empregadores estão postergando demissões, entre outros motivos por causa dos custos trabalhistas. Esse ajuste, entretanto, deverá acontecer em 2016. Esperamos uma queda na população ocupada. O desemprego médio deverá chegar a 11,5%. Projetamos, portanto, aumento de 3 pontos percentuais na taxa de desemprego. Nesse sentido, o grosso da crise não aconteceu ainda.

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Sendo assim, acredita que a inflação deverá perder força, diante da recessão e do aumento do desemprego?

Para muitos analistas, a inflação deverá cair no próximo ano. Em 2015, a taxa deverá ficar próxima de 10,5%. Pelas projeções médias do mercado, em 2016 ela recuará para 7%. Ainda acima da meta oficial, de 4,5%, mas uma queda significativa em relação à inflação corrente. Quem compartilha desse prognóstico imagina que o quadro fortemente recessivo derrubará a inflação. Mas precisamos examinar outros fatores, como o comportamento das contas públicas e das expectativas de inflação. O quadro fiscal permanece expansionista. O déficit orçamentário é um inibidor muito grande da ação do Banco Central. Ele amarra as mãos do BC. Essa é umas das três grandes amarras que vejo à atuação do BC.

Que amarras são essas?

Tem havido um grande debate em torno da possibilidade de o Brasil estar ou não numa situação de dominância fiscal (situação na qual o aumento dos juros piora as contas públicas, agrava a percepção de risco, deprecia o câmbio, e aumenta ainda mais a inflação, em vez de reduzi-la). Trata-se de um termo bastante técnico e específico. Exige um rigor de análise para ser caracterizado. Não sei dizer se o Brasil vive um quadro de dominância fiscal, mas de qualquer modo a situação fiscal acaba inibindo uma ação mais agressiva do BC no combate à inflação. Dou um exemplo. Suponha que o BC faça as suas projeções e descubra que precisa aumentar a taxa Selic em 4 pontos percentuais para alcançar o seu objetivo de controlar as expectativas de inflação futura e fazer o índice convergir para a meta de 4,5%. Suponha que o BC anuncie isso, sem que essa sua ação venha acompanhada de reformas e do equilíbrio nas finanças públicas. Caso o BC anuncie tal objetivo, tenho medo de que uma alta de juros dessa grandeza possa ser muito mal recebida pelo mercado. Poderia haver uma piora das perspectivas, fazendo o risco Brasil subir. Se o risco sobe, o real tende a se depreciar. Depreciação representa mais pressões inflacionárias. O resultado esperado de diminuir a inflação pode, eventualmente, não ser alcançado. Esse parece ser um fato que inibe o BC de agir mais concretamente para combater a inflação por meio da alta de juros. Mas não acredito que essa seja a maior preocupação da diretoria do BC.

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Qual a principal amarra, então?

A maior amarra é o quadro recessivo. Quem defende uma retração ainda maior da economia está dizendo que não está contente com uma queda acumulada de 6,5% do PIB. Entende que se faz necessária recessão ainda mais profunda.

E a terceira amarra?

É de natureza política. Não que a presidente Dilma telefone diretamente para o presidente do BC para recomendar que os juros não subam. Mas a presidente da República está lutando por sua sobrevivência política. Uma alta de juros agora seria muito desconfortável. Além do mais, pela manifestação dos políticos em Brasília, o BC é cobrado sempre por que os juros não caem, e não por que eles não sobem. O viés vai nessa direção, dado o atual quadro recessivo.

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É difícil, portanto, imaginar que haverá um aumento na taxa de juros, apesar de a inflação permanecer distante da meta de 4,5%?

Ciclos de alta de taxa de juros dependem de um timing adequado. Tem horas que faz mais sentido, tem horas que fica mais difícil. No início do segundo mandato do governo Dilma, quando houve a troca do ministro da Fazenda, o clima era no sentido de fazer o ajuste. Joaquim Levy precisava de um choque de expectativas e ganhou força a ideia de trazer a inflação para a meta de 4,5%. O BC aproveitou e fez, no começo do ano, uma política correta de subir juros. Havia um clima favorável, mas esse timing passou. O ambiente político está muito deteriorado, e o ambiente macroeconômico é horroroso por causa da recessão. Esses fatores inibem não apenas o BC de subir os juros, mas também o próprio comprometimento do BC com a meta da inflação.

José Júlio Senna ex-diretor do banco Central e sócio da MCM Consultores
José Júlio Senna ex-diretor do banco Central e sócio da MCM Consultores (VEJA)

O senhor quer dizer que o BC não pode se comprometer com relação a um prazo para levar a inflação de volta à meta de 4,5%?

É isso mesmo. Antes o BC havia indicado que traria a inflação para a meta em 2016. Agora esse enunciado desapareceu. O BC teve de abrir mão desse compromisso; não pode indicar um prazo para atingir a meta. Disse em seguida que perseguiria a convergência para a meta no horizonte relevante para a política monetária. Com isso, apenas ganhou tempo. Saiu pela tangente. Agora, por ocasião do último encontro do Copom, até mesmo isso deixou de constar do comunicado emitido depois da reunião. Evitou assim um compromisso formal. Problema: em um regime de metas, como o brasileiro, confiança do público no cumprimento da meta num horizonte previamente estipulado constitui elemento essencial para coordenar as expectativas.

Quais os efeitos, então, da incerteza com relação à trajetória da inflação?

As expectativas estão se deteriorando justamente porque o sistema de metas não está ancorado. Perdemos a âncora. O BC está amarrado, tem dificuldade de se comprometer. Assim, a inflação continua alta mesmo com o cenário de recessão e aumento do desemprego. Temos o efeito recessivo de um lado, e a piora das expectativas de outro. Por isso minha conclusão é a seguinte: acho pouco provável que a inflação de 2016 seja significativamente inferior à de 2015.

Houve alguma mudança de sinalização por ocasião da última reunião do Comitê de Política Monetária do BC, o Copom?

Sim. Os dirigentes do BC retiraram do comunicado a mensagem segundo a qual a estabilidade da taxa básica de juro seria mantida “por período suficientemente prolongado”. Com isso, uma alta do juro no começo do ano já não pode ser inteiramente descartada. Mas isso não invalida o nosso raciocínio. O BC enfrenta restrições para ser agressivo em sua política de juro, para tentar se antecipar e evitar a alta da inflação, para ingressar em novo ciclo de alta da taxa real de juro. Algum ajuste da taxa Selic voltado apenas para evitar que eventual piora das expectativas de inflação reduza significativamente o juro real pode realmente acontecer, mas não é disto que estamos tratando.

O que fazer para livrar o BC das atuais amarras e permitir que ele possa agir decisivamente para controlar a inflação?

A resposta é fiscal. O problema do Brasil hoje é todo fiscal. O déficit nas contas públicas está inibindo a atividade econômica. Está inibindo o Banco Central. Está aumentando a inflação. A incerteza fiscal é muito grande. Os empresários não sabem se vão ser tributados ainda mais, ou se os cortes de gastos feitos pelo governo serão suficientes. Como o ajuste orçamentário não é feito, o BC não pode agir. Olhe que situação intrigante: a questão não é se o BC pode ou não subir os juros; ele não pode sequer se comprometer com determinado horizonte de tempo para o cumprimento da meta de inflação.

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