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‘Ninguém com credibilidade vai aceitar cargo de ministro submisso’

Segundo o ex-ministro da Fazenda, se Dilma se reeleger, será desafio encontrar economista renomado que aceite substituir Mantega

Por Ana Clara Costa
10 set 2014, 11h48

A saída do ministro Guido Mantega de um possível segundo mandato da presidente Dilma foi confirmada na segunda-feira. Mas, segundo o economista da Tendências Consultoria e ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, a dança da cadeira terá sido em vão. As razões para tal constatação foram escancaradas nas últimas movimentações da presidente Dilma Rousseff em sua roupagem de candidata. Dilma não só manteve sua palavra em relação à continuidade de políticas de estímulo à indústria, como também intensificou o discurso contra a independência do Banco Central. “Ninguém de nível, respeito e credibilidade vai aceitar o posto de Mantega para trabalhar num governo em que o ministro da Fazenda é uma peça decorativa. Quem for o novo ministro terá de saber que trabalhará de forma submissa. Se for presidente do BC, terá de saber que é sem autonomia. Um fantoche que executará as vontades da presidente”, afirmou Maílson, em entrevista ao site de VEJA.

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Em propaganda eleitoral de 30 segundos produzida pelo marqueteiro João Santana, que começou a ser veiculada nesta terça-feira, o PT lançou mão das retóricas de pobres contra ricos, negros contra brancos e banqueiros contra o povo para ilustrar a ideia de que dar autonomia ao Banco Central é o mesmo que entregar o órgão aos donos de instituições financeiras. A crença deturpada que a presidente tem em relação ao papel do BC foi destrinchada dias atrás no site Muda Mais, patrocinado pelo partido. “O que foi feito em relação a esse tema sinaliza que, caso ela se reeleja, a atuação do BC será pior do que foi até agora”, explica Maílson. Leia trechos da conversa.

A saída do ministro da Fazenda foi anunciada não pela presidente, mas pela candidata. Que mensagem esse movimento transmite aos observadores da economia brasileira?

Trata-se de uma situação curiosa, sobretudo a reação do ministro. Em vez de passar o recado de que estava chateado, Mantega deveria ter ficado calado. Afinal, é natural que, mesmo numa reeleição, um chefe de governo renove sua equipe. Sobretudo no caso do Brasil, em que fracassou a reviravolta na gestão da política econômica proposta pelo governo. Se a política fracassa, é natural que se busque renovação. Por outro lado, sabe-se que a percepção de como conduzir a economia é da própria Dilma, não apenas do Mantega. Portanto, mesmo com um novo ministro, não deve haver mudança expressiva na economia.

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Se a própria presidente afirmou que, caso se reeleja, manterá a mesma política econômica, qual é o objetivo de sinalizar mudança de time?

A política econômica atual revela preferências ideológicas de Mantega e Dilma. O eleitorado acreditou no que foi prometido, e isso é legítimo. Se vai dar certo, é outra história. E, particularmente, acho que já deu errado. O cenário para a política econômica está dado. A presidente já disse que não acredita na autonomia formal do Banco Central. Portanto, está claro que o BC só terá autonomia para decidir sobre a inflação caso haja risco de perda de popularidade. Ela acha que autonomia significa entregar o BC aos banqueiros, e isso pode ser visto na propaganda eleitoral. Mesmo que isso seja fruto de uma campanha sórdida e desonesta, não deixa de refletir a visão de mundo dela. O João Santana (marqueteiro de Dilma) produziu a peça publicitária sobre os banqueiros para atingir um público que tem preconceito contra bancos, associando o imaginário popular com a visão de mundo da presidente. Com isso, ele deseduca e presta um enorme desserviço. Em nenhum lugar do mundo a autonomia do BC significa entregar o órgão a um banqueiro. O que foi feito em relação a esse tema sinaliza que, caso ela se reeleja, a atuação do BC será pior do que foi até agora. Portanto, não adianta a dança da cadeira.

Aderir a um governo cuja política econômica é fracassada é um risco para a imagem do economista que almeja o cargo de ministro?

Acredito que há milhares de economistas que gostariam de disputar o cargo. Mas nenhuma pessoa de nível, respeito e credibilidade vai aceitar o posto de Mantega para trabalhar num governo em que o ministro da Fazenda é uma peça decorativa que cumpre ordem da presidente. Quem for o novo ministro terá de saber que trabalhará de forma submissa. Se for presidente do BC, terá de saber que é sem autonomia, um fantoche que executará as vontades da presidente.

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A reação do BC às críticas do economista Alexandre Schwartsman evidencia essa falta de autonomia?

Há uma percepção de que a reação do BC foi imposta. Nunca o BC havia reagido a esse tipo de crítica. Ao reagir, dá vários sinais negativos. O primeiro é de que ele se incomoda com críticas. O segundo é que atribui uma interpretação ainda mais negativa às palavras. Ninguém saberia sobre o que o Alexandre Schwartsman disse ao Correio Brasiliense se não houvesse essa ação na Justiça. E, em terceiro lugar, a autoridade monetária acaba colocando de lado sua função básica, que é preservar a estabilidade da moeda. A realidade é que ele fugiu desse padrão. A reação do BC foi de intolerância e autoritarismo contra uma pessoa de alta reputação. É lamentável.

A política econômica vigente beneficiou diversos segmentos que continuam indo mal e reclamam justamente das políticas de estímulo. Por que essa constatação não instiga em Dilma uma mudança de rumo?

Acho importante dizer que a presidente não é desonesta em suas ideias. Ela tem convicções como qualquer outra pessoa. O problema é que ela é presidente. E suas convicções perderam a validade há 30 ou 40 anos. Conteúdo nacional é um conceito da época da economia fechada dos anos 1950 e 1960. Mas certamente há grupos de interesse que aplaudem e estão de pleno acordo com esse tipo de política, que é a do capitalismo de compadres. O que temos hoje é o que há de mais atrasado em política industrial, mas ela acredita ser o correto. Hoje, as empresas que estão no Brasil buscam mais renda do que lucro. O futuro delas depende muito mais de ir a Brasília. Como a indústria perdeu competitividade, por instinto de sobrevivência preferem servir ao governo. E isso é ruim porque é uma visão de mundo em que o governo escolhe o ganhador. Não são premiados os que têm capacidade de gestão, inovação e ousadia.

Mas tais problemas ainda não chegaram ao cotidiano do eleitor.

Não, porque o eleitor mediano vota olhando seu bem-estar. Ele está apostando que o futuro governo vai preservar seu nível de renda ou emprego, e não se vai ampliar a política industrial, monetária, ou melhorar o equilíbrio fiscal. São expressões que estão distantes do homem comum. E isso não é só no Brasil. O que elege um governante é um conjunto de circunstâncias onde está presente a emoção. E essa influência varia conforme os níveis de educação e cultura de um país, além do papel da imprensa.

Por que o eleitor associa a melhora da vida ao governo vigente, e não à sua própria capacidade de trabalho?

Esse pensamento está muito arraigado. Há 100 anos, só tinha um futuro quem tivesse acesso a algum governo. Hoje, em Brasília, a atividade mais intensa da população ativa é prestar concurso porque isso garante segurança e renda. Promessas eleitorais de aumento da aposentadoria e do salário mínimo são sempre populares, pois ajudam a elevar a renda. Mas de que adianta isso se, por outro lado, a inflação corrói a renda? Mesmo assim, estamos avançando. E esses avanços levam décadas. Podemos avançar em marcha lenta, mas acho difícil regredirmos.

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