Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

‘Não há razão para frear o consumo dos emergentes’, diz filósofo francês

Em entrevista ao site de VEJA, Gilles Lipovetsky discorre sobre o futuro de países como o Brasil, que têm incorporado expressivo número de pessoas à sociedade de consumo

Por Ana Clara Costa
2 dez 2012, 15h31

“O consumo chegou a um patamar tão importante da nossa rotina que não basta apenas comprar. É preciso falar ostensivamente sobre produtos”, diz Gilles Lipovetsky

O consumo, em sua essência, é hoje tão intrínseco e essencial na vida dos indivíduos como o ato de respirar. A avaliação é de Gilles Lipovetsky, 68 anos, um dos mais atuantes e polêmicos filósofos contemporâneos, além de pensador do consumo e do mercado de luxo. Em suas obras – como ‘A Felicidade Paradoxal: Ensaio sobre a Sociedade do Hiperconsumo‘, ‘O Império do Efêmero‘, ‘O Império da Moda‘, entre outras -, o francês analisa os diferentes comportamentos de consumo e o que levou a sociedade moderna a materializar seus anseios e emoções. Também é profundo conhecedor do comportamento dos consumidores brasileiros. Segundo Lipovestky, eles representam com fidelidade a forma como os emergentes em geral se comportam em relação ao ato de comprar. “Diante de um cenário em que as populações começam agora a ter acesso a coisas que nunca tiveram, (o consumo) é um caminho sem volta. Sobretudo quando se trata de países com muita desigualdade social, como o Brasil, onde os que possuem mais renda precisam se distinguir dos demais”, afirmou em entrevista ao site de VEJA.

Lipovetsky acredita ainda que a internet acentuará a necessidade de consumo da sociedade. Isso não representa, contudo, um perigo. Segundo ele, comportamentos de consumo compulsivo são exceção e não devem ser vistos com preocupação. Ele reconhece que o ato de comprar o que quer que seja é um fenômeno que vai muito além da discussão do consumo exacerbado – o hiperconsumo, como ele gosta de dizer. Trata-se, segundo ele, de uma realidade irreversível e incontestável. O francês lançará novo livro na Europa no início de 2013. Com o título de ‘O Capitalismo e os Mercados Estéticos’, a obra ainda não tem previsão de chegada ao Brasil.

A crise que assola hoje os países desenvolvidos, sobretudo a Europa, é capaz de acarretar uma mudança no comportamento de consumo das pessoas?

É uma situação relativa. Claro que a crise afeta o consumo de uma maneira mecânica, pois, se o poder de compra cai, as pessoas compram menos. Na Espanha, por exemplo, a taxa de desemprego está em 25%. Entre os jovens, ela chega a 50%. Cenários como esse afetam logicamente o consumo. Mas daí a se tornar uma crise no modelo de consumo, eu acho que não. Afinal, na cabeça de cada um, o desejo das pessoas não mudou. Elas se adaptam, compram produtos em liquidação ou similares mais baratos; ou seja, elas fazem uma escolha. Mas a vontade de comprar não acaba.

O brasileiro é considerado consumista, assim como os chineses e outros emergentes. O senhor vê alguma possibilidade de mudança nesse comportamento no futuro?

Não acredito. Há um apetite de consumo considerável nos países emergentes e seu crescimento econômico lhes permite ter acesso ao prazer do consumo de maneira mais ampla. Os chineses são os que mais consomem produtos de luxo no mundo, por exemplo. E isso envolve carros, turismo, tecnologia, roupas, etc. Mesmo que haja crise, há países que estão crescendo a uma taxa alta, como a própria China e o Peru. Diante de um cenário em que as populações começam agora a ter acesso a coisas que nunca tiveram, é um caminho sem volta – sobretudo quando são nações com muita desigualdade social, onde os que possuem mais renda sentem necessidade de se distinguir dos demais. Não há como nem por que frear o consumo dos emergentes. A globalização e a internet não vão permitir que se mude esse modelo.

Continua após a publicidade

Mas o modelo de consumo europeu, por exemplo, é diferente. Por quê?

A diferença não está no consumo em si, mas no conceito de riqueza. O europeu não gosta de mostrar riqueza. Ele acha que é algo de mau gosto. Mostrar riqueza é, para o europeu, coisa de “novo rico”, o que, de fato, são os países emergentes. São pessoas que alcançaram agora um poder de compra que jamais tiveram. Tanto que, no Brasil, há esses templos de luxo, como o Shopping Cidade Jardim, em São Paulo, que não existem na Europa. O carro é outro emblema disso. Para brasileiros e chineses, o automóvel é sinônimo de status. Para o europeu, é uma chateação. É caro, dá trabalho, requer encontrar vaga para estacionar, e está sempre engarrafamentos. Acabou o fetiche do europeu em relação ao carro. O dos emergentes está apenas começando. Mas a verdade é que, hoje em dia, a Europa não é mais modelo para nada.

Acredita que o capitalismo baseado no consumo continuará fazendo o mundo crescer nos próximos anos?

Sem dúvida. E, com a internet, esse modelo de hiperconsumo vai alcançar um patamar jamais visto. A música é um bom exemplo disso. Até poucos anos atrás, um indivíduo tinha algumas dezenas ou, no máximo, centenas de discos. Hoje, um jovem tem milhares de músicas em um iPod. Não há a menor chance de esse patamar regredir. Não só na música, porque as pessoas não vão voltar a ter dezenas de discos, mas em praticamente todos os segmentos. Há todo um contexto social que caminha ao lado desse modelo de hiperconsumo. As pessoas muitas vezes brigam e se matam, por intermédio do comércio de drogas, justamente para poder ter dinheiro para consumir.

A internet promove um acesso muito rápido e fácil ao consumo. O senhor acredita que essa quantidade avassaladora de oportunidades de compra pode culminar com uma saturação do consumo on-line?

Não acho que possa saturar as pessoas. Acredito, inclusive, que as pessoas conviverão com isso sem matar as lojas físicas, por exemplo. Hoje, no Brasil, o e-commerce está bem desenvolvido. Mas não é por isso que os shoppings estão vazios nos fins de semana. No futuro, todas as possibilidades de consumo vão coexistir – e isso não significa que vão se canibalizar. Antigamente as marcas não tinham lojas. Elas eram vendidas em lojas de departamentos, como a Printemps, em Paris, ou em multimarcas. Quando a expansão e o fortalecimento das lojas próprias passaram a ocorrer, os outros modelos não perderam força. E, mesmo hoje, com o avanço das vendas online, as marcas não param de abrir lojas. Exemplo disso, uma vez mais, é o próprio Brasil, que tem recebido nos últimos dois anos quantidade enorme de novas marcas europeias e americanas em lojas próprias.

Continua após a publicidade

Os blogs e as redes sociais são, hoje, poderosas ferramentas de estímulo ao consumo, sobretudo de moda e eletrônicos. Para o senhor, essa abrangência é preocupante?

É preocupante para pessoas que não têm limites, que são vítimas da moda e não conseguem se conter diante de uma oferta. Mas essa é uma parcela pequena da população. As pessoas, em geral, sabem que não podem acordar um belo dia e comprar uma bolsa Hermès pela internet, como se fosse uma pasta de dente. Há casos de compulsão, mas eles são a exceção. O que acho mais interessante nessa discussão de blogs e redes sociais é o fato de o consumo ter chegado a um patamar tão importante da nossa rotina que não basta apenas comprar. É preciso falar ostensivamente sobre produtos. Isso mostra o espaço que o consumo tomou na vida das pessoas. Elas se informam na internet, olham a propaganda na TV, falam no Facebook, checam preço em um site de comparação e, enfim, compram. Não falamos mais de revolução política, mas falamos de marcas. E isso quer dizer muito sobre o peso simbólico que o consumo tem atualmente.

O Brasil é um dos poucos países em que as compras podem ser parceladas em muitas vezes no cartão de crédito ou no cheque. O que o senhor acha dessa solução?

Parece-me uma alternativa inteligente, se usada com sensatez. Antes, o crédito era usado para a compra de bens caros, como automóveis, casas e eletrodomésticos. No Brasil, é possível parcelar um vestido em dez vezes. Isso é incrível, pois dá a impressão de que uma pessoa tem o dinheiro para comprar antes mesmo de esse dinheiro existir. Isso legitima o hedonismo e mostra que, se quiser, você pode ter. Do ponto de vista do estímulo ao consumo, é fenomenal. Mas há consequências. É preciso pagar a conta.

O senhor está escrevendo um novo livro. O consumo continuará como tema central?

Sim, ele deve ser lançado na França no começo do ano que vem e falará de consumo. O título será, provavelmente, ‘O Capitalismo e os Mercados Estéticos’. Quando eu digo estético, quero dizer que é algo que provoca emoção, e não apenas o que é belo. Esse livro é uma reflexão sobre como o capitalismo tornou a estética, ou a emoção, coisas consumíveis. Por exemplo, quando você vai ao cinema, este é um consumo emocional. Você compra um momento de emoção. O capitalismo transformou a vida estética das pessoas – e é sobre isso que vou discorrer em mais de 400 páginas.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.