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Minsky: o entusiasta do intervencionismo que tem inspirado Dilma

Teórico de pensamento heterodoxo que inspirou a escola desenvolvimentista, ele teve seu auge durante a crise de 2008; para a presidente Dilma, contudo, seu momento é agora

Por Ana Clara Costa
9 ago 2014, 09h45

Recentemente, a coluna Radar, de VEJA, revelou que o economista americano Hyman Minsky (1919-1996) tem rondado o pensamento da presidente Dilma Rousseff. Segundo a nota, ela “tem usado muito a expressão ‘isso é Minsky’ sempre que faz um diagnóstico econômico ou justifica determinada ação do governo na economia”. É bom saber o que vai pela cabeça de quem manda. Mas esse conhecimento pode ser um pouco assustador – como por certo é o caso na ligação entre Dilma e esse adepto inveterado do intervencionismo estatal.

Durante a vida, Minsky, que foi orientando de Joseph Schumpeter em Harvard, desfrutou de uma fama não mais do que moderada. Com a crise de 2008, ele foi subitamente incensado, por causa de escritos que pareciam proféticos em relação ao que estava acontecendo. Minsky formulou uma certa Hipótese da Instabilidade Financeira, que assevera que a dinâmica interna do capitalismo contemporâneo, no qual o sistema financeiro desempenha um papel preponderante, implica necessariamente a alternância entre turbulência e tranquilidade. Períodos prósperos trariam as sementes de seu próprio desmonte por tornar irresponsáveis tanto aqueles que emprestam quanto aqueles que tomam dinheiro emprestado. Necessário para o vigor do capitalismo, o sistema financeiro tenderia por natureza ao excesso. Com o tempo, haveria o surgimento de uma bolha especulativa, uma acumulação desgovernada de dívidas sem lastro – até o momento em que a fragilidade de todo o edifício seria notada. Aí ocorreria uma reversão brusca do ciclo econômico, aquilo que acabou sendo batizado como “momento Minsky”.

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Uma vez iniciado um cataclisma desse tipo, Minsky prescrevia a adoção de remédios como estímulos fiscais e intervenções do Banco Central como “emprestador de última instância”, que dessem algum alento à economia. Insistia também na necessidade de regulamentação dos mercados financeiros. No pós-crise, seu receituário foi debatido nas páginas do Wall Street Journal e da Economist, bem como em relatórios do banco central americano, o Federal Reserve – um deles assinado por Janet Yellen, atual presidente da instituição.

Mas, perguntava Minsky, como evitar que tudo recomece? Como atacar a suposta doença central do capitalismo, o fato de que nele a estabilidade é iminentemente desestabilizadora? Como diz o título de um de seus últimos textos, o economista tinha “um programa positivo para um capitalismo bem sucedido”. Que consistia, basicamente, em transformá-lo em uma forma de socialismo.

Minsky afirmou certa vez que o pensamento teórico deveria ser guiado por uma visão, por um “mapa da Utopia”. Ele nunca fez segredo de aonde o seu mapa levava. Seus pais haviam se conhecido durante a celebração dos 100 anos de nascimento de Karl Marx, numa festa organizada pelo Partido Socialista de Chicago. Ele mesmo se engajou muito cedo. E foi num seminário organizado pelo partido, em 1939, que ele decidiu mudar o rumo de seus estudos universitários da matemática para a economia. O palestrante era o polonês Oscar Lange, que preconizava, justamente, a criação de uma espécie de socialismo de mercado em que houvesse controle social e planificação do investimento, mas não da produção de bens.

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Em 1985, Minsky redigiu um ensaio autobiográfico no qual apontou Lange como a maior influência no seu início de carreira, acrescentando que seu programa de pesquisa, apesar de tanto tempo decorrido, ainda se mantinha coerente com as ideias do velho mestre. Ou seja, o mapa da utopia estava traçado desde sempre – ele apenas havia tornado os seus contornos mais nítidos, recorrendo, sobretudo, às obras do inglês John Maynard Keynes, sobre quem escreveu extensivamente e em quem também se amparou para defender um projeto de sociedade em que o Estado fosse grande e “salvasse o capitalismo de suas ineficiências”, tomando em sua mão visível, e pesada, as rédeas das decisões de investimento.

Minsky reservava ainda outro papel ao Estado: o de “empregador de última instância”. Sua tese era que o governo deveria garantir o pleno emprego, pagando salário mínimo a qualquer um que estivesse apto a trabalhar. A criação direta de postos de trabalho deveria ter precedência, nas políticas públicas, quer sobre programas de assistência social, quer sobre programas de treinamento e especialização dos trabalhadores. A estratégia deveria ignorar o grau de qualificação do desempregado. “Acolha-os do jeito que forem, e adeque os postos às suas capacidades”, dizia Minsky. Essa é sua proposta mais extravagante, e até os entusiastas hesitam em levá-la a sério. A primeira coletânea de seus escritos sobre emprego foi lançada apenas no ano passado.

Como todo socialista, Minsky afirmava que suas preocupações eram a eficiência econômica, a justiça social e a liberdade individual. Há quem diga isso sem acreditar por um segundo nas próprias palavras. Minsky aparentemente pertencia ao grupo mais honesto, mas não menos perigoso, daqueles idealistas que acreditam que a equação socialista pode realmente ser benigna. “O que importa não é se a propriedade é privada, mas que a sociedade seja democrática e humana”, escreveu. Ele assistiu à derrocada da União Soviética e analisou o fenômeno, mas nem por isso perdeu a fé. Em boa parte, porque seus escritos nunca descem do plano da abstração econômica para estudar como, na prática política, a centralização de poder num Estado hiperdimensionado e dotado de poderes de planificação corrói o processo democrático.

No Brasil, o principal reduto de estudiosos de Minsky é a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde a presidente Dilma fez seus estudos em Ciências Econômicas. Ele se faz presente, em especial, na área de Pós-Graduação em Economia Política, de onde saíram muitos dos economistas da linha desenvolvimentista filiados ao PT – e onde lecionou Luciano Coutinho, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Coutinho é grande conhecedor da obra de Minsky no país, classificando-a como “genial” em artigos redigidos quando era professor universitário. Dilma foi sua aluna na pós-graduação e herdou dele a admiração pelo americano. Outro economista oriundo da Unicamp que lecionou sobre o autor a uma classe que tinha entre seus alunos a presidente foi Otaviano Canuto, atual consultor para os assuntos dos Brics no Banco Mundial. Ele era diretor do Instituto de Economia e professor da universidade quando Dilma cursou suas quatro disciplinas de doutorado, entre 1992 e 1994. Mas ele não acredita que o interesse da presidente por Minsky tenha surgido em suas aulas. “Dilma teve aulas sobre Minsky com Coutinho, Luiz Gonzaga Belluzzo e Gilberto Tadeu Lima. Quando lecionei macroeconomia para ela, já vinha formada”, afirma.

Outros economistas que orbitam em torno do PT, além da turma da Unicamp, leem com admiração as obras de Minsky. Há Márcio Pochmann, por exemplo, ex-presidente do Ipea e atual chefe da Fundação Perseu Abramo, que tem a função de subsidiar governos petistas com propostas de cunho econômico-social. Ou Nelson Barbosa, ex-secretário Executivo do Ministério da Fazenda e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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Mas o que de Minsky, afinal de contas, tem sido posto em prática no governo Dilma Rousseff? “Nada”, diz Luiz Fernando de Paula, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e fundador da Associação Keynesiana no Brasil. “Não há sinais de sua obra na política econômica conduzida pela presidente”. Ao que tudo indica, é charmoso citar Minsky em certos círculos – talvez por causa do seu “mapa da utopia”. E só. A notícia é tranquilizadora. Só não é melhor porque até algumas ideias do autor seriam um avanço em relação à política econômica atual. No seu entusiasmo pelo big government, por exemplo, o economista tinha lá suas preferências. Para ele, governos que gastam dinheiro em infraestrutura e formação de capital são muito melhores do que aqueles que gastam apenas para incentivar o consumo, como tem feito Dilma com suas políticas. Pois é. Isso não é Minsky.

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