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Importar energia é medida extrema, diz ex-ministro

Para José Goldemberg, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, apelar para o fornecimento da Argentina torna o Brasil mais vulnerável

Por Luís Lima 24 jan 2015, 19h38

O apagão de energia que deixou onze Estados e o Distrito Federal no escuro na última segunda-feira escancarou a vulnerabilidade do sistema energético brasileiro. Anos atrás, o Brasil já foi citado como exemplo de país com a matriz energética limpa e um sistema estável. Contudo, hoje o que se vê é um país bem mais vulnerável às intempéries climáticas, sendo obrigado a buscar, lá fora, alternativas para garantir seu abastecimento. Na última semana, o país recorreu à Argentina para comprar energia, pela primeira vez em quatro anos. No total, foram importados 2.000 Megawatt-hora (MWh) na modalidade “emergencial”, ou seja, para suprir a demanda que não conseguiu ser atendida pela geração nacional. Para o ex-ministro José Goldemberg, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP (IEE/USP) trata-se de uma “medida extrema” que revela a gravidade da crise energética no país. “Apelar para o fornecimento da Argentina, que também tem seus próprios problemas, só aumenta a vulnerabilidade do nosso sistema”, afirmou ao site de VEJA. Segundo ele, esta foi uma opção “fácil”, mas está longe de ser uma medida sustentável. “Ela (a solução) passa pelo aumento da produção de energia elétrica no nosso próprio país, e também pela adoção de medidas que racionalizem consumo de energia”, sugeriu.

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Goldemberg reitera que o sistema energético brasileiro está no limite, já com todas as hidrelétricas e térmicas disponíveis ligadas. “Ou seja, não temos reserva e não podemos nos dar ao luxo de ter um aumento de demanda”, alertou. Na segunda-feira, o ONS determinou que distribuidoras cortassem em 5% a sua disponibilidade de energia no horário de pico de consumo (entre 15h e 16h) para evitar que a rede elétrica nacional não entrasse em colapso. O especialista acrescenta que situações como essa podem voltar a se repetir. “E, provavelmente, quando acontecer de novo, não será mais preventivo, mas um racionamento regular”, diz.

Como alternativas para amenizar o problema, no curto prazo, Goldemberg é enfático: a única saída é a redução do consumo. Para isso, em vez de apelar para São Pedro, como fez recentemente o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, o especialista sugere uma maior conscientização sobre o uso racional de energia. Segundo ele, o governo quer desviar o foco da questão, por ser um gargalo muito associado à gestão FHC, que enfrentou o racionamento de 2001. “O problema é que Dilma caiu exatamente na mesma situação, por não ter tomado as medidas suficientes para evitá-la”, ponderou. A médio e longo prazos, o ideal seria o investimento em fontes de energia renováveis, especialmente em hidrelétricas com reservatórios, e também em energia eólica e produzida a partir de biomassa. Confira a entrevista.

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O apagão que o país sofreu na segunda-feira é um sinal de que o Brasil já vive um regime de racionamento forçado? O que houve foi um racionamento preventivo. Não é um apagão propriamente dito, mas ainda é um racionamento. Um apagão ocorre quando existe uma sobrecarga nas linhas e o sistema energético desliga automaticamente, deixando todos no escuro. Desta vez, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) adotou um método de racionamento preventivo em regiões específicas. O objetivo foi o de proteger o sistema, já que houve um problema sério de suprimento de energia. Com isso, a entidade evitou um mal maior, como um blecaute nacional.

Corremos o risco de enfrentar situações como essa ao longo deste ano? Sim, nada garante que isso não voltará a se repetir. E, provavelmente, quando acontecer de novo, não será mais preventivo, mas um racionamento regular. O motivo principal é muito simples: a quantidade atual de energia elétrica gerada pelo conjunto de usinas – hidrelétricas e térmicas – é muito próxima ao valor do consumo. Não há folga nenhuma entre oferta e demanda. Prova disso foi o que houve na segunda-feira: bastou uma sobrecarga, motivada pelo aumento do uso de refrigeradores devido ao calor, para colocar todo o sistema em risco.

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Importar energia, como o Brasil fez ao comprar energia da Argentina esta semana, é uma alternativa viável? É uma medida extrema. O país não pode ficar dependente da compra de energia de vizinhos, nos quais os próprios sistemas elétricos também têm problemas. O fato de o governo ter recorrido a esta alternativa revela a gravidade da situação. Apelar para o fornecimento da Argentina, que também tem seus próprios problemas, só aumenta a vulnerabilidade do nosso sistema. É uma medida que foi fácil de utilizar, mas a solução não é por aí. Ela passa pelo aumento da produção de energia elétrica no nosso próprio país, e também pela adoção de medidas que racionalizem o consumo de energia. Falta uma comunicação mais clara – e responsável – por parte do governo em relação à gravidade do problema? Seguramente. Basta ver que disse o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, quando foi questionado sobre o assunto. Ele afirmou que “Deus é brasileiro” e que, por isso, deve chover no país. Culpar São Pedro é inútil. A razão pela qual eu acredito que o governo toma essa atitude “olímpica”, de minimizar a gravidade da situação, é porque há um problema psicológico. O governo atual quer mostrar que sua posição é diferente do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC). Esse (energia) foi um tema muito explorado em campanhas eleitorais e o “quase-racionamento” do FHC é mostrado sempre como algo extremamente negativo, que revelou a falha de planejamento da gestão tucana. O problema é que Dilma caiu exatamente na mesma situação, por não ter tomado as medidas suficientes para evitá-la. Ao apelar para a população, o governo FHC conseguiu evitar um mal menor. O “quase-racionamento” de 2001 foi passageiro e o alerta do governo funcionou. Na contramão, o ministro Eduardo Braga garantiu que não haverá racionamento em 2015. Não só não é verdade, como já houve, ainda que preventivo. É preciso uma posição corajosa do governo em explicar à população, e também para o movimento ambientalista, que há escolhas a fazer. Argumenta-se sempre que a construção de Belo Monte afetou até 50 mil pessoas que moram na região do Rio Xingu, o que é verdade. Por outro lado, deve-se considerar que há 5 milhões de pessoas que serão beneficiadas pela energia gerada por essa usina. A situação que temos hoje é muito diferente do apagão de 2001? Por quê? Não, são momentos parecidos. Atualmente, os reservatórios das hidrelétricas estão com menos água do que em 2001. Sob esse aspecto, o quadro é mais grave do que há 14 anos. Desde aquele ano, o governo acionou uma grande quantidade de usinas térmicas, que queimam gás, diesel ou carvão, para produzir energia – a um custo maior. E graças a isso que o sistema energético conseguiu resistir até hoje. O perigo que enfrentamos é que esta opção também está esgotada. Ou seja, no momento todas as hidrelétricas e térmicas do país estão funcionando. Não temos mais reserva e não podemos nos dar ao luxo de ter um aumento de demanda. Não há um sistema que funcione bem que não tenha uma folga de 5% a 10%, o que já não temos no país. O que poderia ser feito para amenizar a situação no curto prazo? A única alternativa é reduzir a demanda. Isso pode ser feito por meio de um apelo da Presidência, como em 2001, ou utilizando o método que o governo de São Paulo usou para a água – dar desconto para quem reduz o consumo e multar quem aumenta. Na realidade, há uma certa ‘gordura’ no sistema, ou seja, muitas pessoas tem duas ou três geladeiras, três ou quatros TVs. Então, é preciso engajar a população, mostrando a seriedade do problema. Por meio de um programa conscientização deve ser implementando um programa de contenção do consumo. Leia mais:

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E a médio e longo prazo, o que poderia ser feito? Produzir mais energia sem criar novos problemas. A opção para isso é investir em energias renováveis, e diminuir a dependência da produção de energia a partir de petróleo e de gás natural, cujos preços flutuam de uma maneira absolutamente imprevisível e fora do controle do Brasil. O primeiro investimento deveria ser feito em hidrelétricas com caixas d’água, que é a melhor opção, menos poluente e mais barata. O governo até tentou ampliar o sistema hidrelétrico nacional e acabou entrando no problema de Belo Monte, em que teve todo o desgaste possível para terminar fazendo uma usina sem caixa d’água. Pelo desgaste sofrido, ele deveria ter pelo menos feito uma usina que tivesse reservatório. Vale lembrar que no Brasil, o tamanho dos reservatórios deixou de acompanhar o crescimento da produção de energia elétrica há cerca de 20 anos, ou seja, não é um problema recente. Mas isso precisa ser revisitado. Quando for fazer hidrelétricas, então que sejam feitas com reservatórios. Esta é a primeira das ações, pois com hidrelétricas é possível produzir grandes quantidades de energia. Outras fontes que destaco são a energia eólica e produzida a partir da biomassa. No caso da eólica, o governo até tem um programa razoável na Bahia e em outros Estados do Nordeste e do Norte. Mas há sempre problemas de administração, que são uma praga aqui no Brasil. Houve casos, por exemplo, em que o parque eólico foi construído e as linhas de transmissão não foram. E aí não tem como a energia ser transportadas para os grandes centros de consumo. Já em relação à biomassa, ela é viável pois há uma quantidade muito grande de bagaço resultante da produção de açúcar e álcool. As usinas modernas, instaladas em 2009 e 2010, já fazem isso muito bem, com tecnologias modernas. Mas as velhas usinas ainda queimam o bagaço com equipamentos muito ineficientes. Então, uma modernização no equipamento que gera energia usando bagaço seria algo que poderia contribuir efetivamente para atenuar o problema a médio prazo.

O ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, disse que a Petrobras irá adicionar mais térmicas ao sistema. Quais as implicações disso? Poderia aumentar o consumo de gás natural, quando usada essa fonte, o que implicaria em um aumento de custos. Sem falar dos problemas de aquecimento global, que, naturalmente, ninguém quer falar. Já houve uma “carbonização” da matriz energética brasileira nos últimos anos. Se há algo que caracteriza o sistema elétrico brasileiro desde 2002 é que ele foi fortemente carbonizado, no sentido de aumentar a emissão de gás carbônico (CO²). O governo não parece muito sensível a problemas resultantes do aquecimento global, mas tem muita gente que não tem a mesma posição. Logo, essa não é a melhor alternativa.

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Há algum país no mundo que passou por situação semelhante à nossa e superou-a? Como? Há vários que atravessam problemas bastante parecidos com os nossos, mas que não conseguiram superar. É o caso do Chile e da Colômbia. Ambos são países que poderiam ter parques hidrelétricos muito grandes, que acabaram não se desenvolvendo por falta de investimento e que, portanto, enfrentam faltas constantes de energia. Uma enorme quantidade de indústrias, comerciantes, prédios e apartamentos, instalaram um sistema a diesel de emergência. Então há cidades nesses países em que você anda pelas ruas principais e, de repente, se depara com equipamentos a diesel que são colocados, inclusive, na calçada. No caso do Chile há uma peculiaridade: os sistemas norte e sul do país não são interligados – às vezes chove em um, mas não no outro, o que acaba causando faltas de energia permanente. O Brasil é um dos poucos países que poderia superar essa crise, expandindo suas hidrelétricas.

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