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Grécia terá de sair da zona do euro, prevê vice do Bird

Segundo o brasileiro Otaviano Canuto, são pequenas as probabilidades de o país conseguir cumprir suas metas fiscais, e a Europa não está mais disposta a financiar Atenas

Por Ana Clara Costa
19 ago 2012, 16h41

Setembro será um mês crucial para a economia global. A Grécia, que amarga profunda recessão, deixou o centro das atenções durante o verão no Hemisfério Norte. Mas a mudança de estação deve trazer novidades. Se cumprir suas metas de ajuste fiscal em setembro, Atenas poderá receber em outubro do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de seus pares europeus mais uma parte do pacote de resgate – o equivalente a 31 bilhões de euros. Contudo, na avaliação do vice-presidente do Banco Mundial, o brasileiro Otaviano Canuto, as notícias não serão assim tão boas. Em entrevista ao site de VEJA, ele afirma que um desenlace para a situação grega está próximo – e poderá incluir não só o calote da dívida como também a saída abrupta do país da união monetária europeia. Para Canuto, a Grécia não vai cumprir as metas fiscais. “A chance de os países europeus aceitarem o não cumprimento das metas é pequena. Acreditar nisso é acreditar num ‘cenário Poliana'”, afirma. O mais provável, acrescenta o especialista, é mesmo a expulsão do país do bloco.

Infográfico: A dívida pública da Grécia

Canuto avalia que, diante da grave retração econômica – o Produto Interno Bruto (PIB) desabou 6,2% no segundo trimestre -, a Grécia se encontra em um momento decisivo. Um ano atrás, quando a reestruturação da dívida não havia sido acordada e o Banco Central Europeu (BCE) tampouco havia se posicionado de maneira firme no sentido de evitar a quebra do euro, o temor de uma crise sistêmica se alastrou. O resultado foi uma ação mais contundente das autoridades europeias. Agora, com todos os remédios já aplicados, parece não haver muito mais a ser feito. “É difícil imaginar uma nova injeção de otimismo para a Grécia hoje. Há remédios que você não pode usar indefinidamente porque ocorre uma fadiga – e eles param de fazer efeito”, afirma Canuto. As próximas semanas, segundo o especialista, guardam emoções não só para a Europa, mas para todas as economias do globo.

Setembro será um mês de definições para a Europa e a Grécia. O senhor enxerga luz no fim do túnel? É difícil imaginar que se continue empurrando com a barriga a questão grega como se fez até o momento. Ou Atenas consegue negociar algum tipo de suavização nos termos de ajuste fiscal previstos nos pacotes, ou não vai cumprir as metas e perderá o suporte do Banco Central Europeu (BCE). Como o Banco da Grécia não pode emitir euros, o país teria de tomar outra atitude mais drástica.

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A saída da Grécia da zona do euro era vista como pouco provável um ano atrás, sobretudo porque líderes europeus a negavam com veemência. Isso mudou? É difícil imaginar uma nova injeção de otimismo para a Grécia hoje. No ano passado, não havia ocorrido a reestruturação da dívida. Quando ela aconteceu, mesmo sabendo que as perdas do setor privado não seriam suficientes para colocar a trajetória do endividamento grego numa rota sustentável, o mercado se animou. Isso ocorreu porque houve a entrada do BCE na jogada, garantindo que nenhum país da zona do euro quebraria. Na época, tudo isso funcionou. Mas agora não há nada mais para ser apresentado. Há remédios que você não pode usar indefinidamente porque ocorre uma fadiga – e eles param de fazer efeito.

O senhor acredita que a Grécia deixará o euro no curto prazo? Há uma alta probabilidade de a Grécia não conseguir cumprir suas metas de ajuste fiscal agora, já em setembro. E a chance de os países europeus aceitarem o não cumprimento das metas é pequena. Acreditar nisso é acreditar num ‘cenário Poliana’. O desenlace mais provável é que a Europa não suavize as exigências e que a Grécia tenha de sair da zona do euro. Sem cumprir o plano de ajuste, o país fica sem receber a parcela do pacote de resgate e não conseguirá honrar com seus compromissos de dívida. Se a primeira situação acontece, a segunda é inevitável.

Leia mais:

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Se uma atitude mais contundente por parte da Europa tivesse sido tomada ainda em 2009, a situação atual poderia ter sido evitada? A probabilidade de ter ocorrido uma contaminação para nações como Portugal, Espanha e Itália teria sido muito menor. A Grécia era o único caso de país europeu em que a origem da crise tinha um componente fiscal. Nos outros, como a Irlanda, não se tratava de um problema no setor público. Os espanhóis tinham uma situação fiscal até que muito confortável, mas que foi afetada porque seu sistema bancário e o setor público estavam muito interligados. Os bancos detinham muitos títulos da dívida do tesouro da Espanha. No caso da Irlanda, era um problema fiscal derivado da crise bancária dos Estados Unidos.

Os líderes europeus ignoraram a hora certa de agir? É muito difícil saber o momento certo e as chances de procrastinação são grandes. No caso dos Estados Unidos, por exemplo, é sabido que a trajetória da dívida é preocupante, apesar de não ser desgovernada. E eles já estão agindo há tempos. Todos sabem que a Casa Branca terá de se desfazer de ativos e que alguém vai pagar por isso. Pessoas que hoje têm direitos adquiridos talvez deixem de tê-los. Será preciso criar espaço fiscal para acomodar esse endividamento. Mas nada disso impede que os papéis da dívida americana sejam comprados por investidores a taxas de retorno baixíssimas. Já no caso da Europa, os mercados não acreditam mais que a trajetória da dívida de países como Espanha e Grécia vá melhorar – e não aceitam comprar seus papéis mesmo a taxas de juros cavalares.

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Por que a ajuda a Atenas foi dividia em pacotes em vez de se eliminar de uma só vez o problema fiscal do país? A ideia era de que os pacotes não deveriam ser bondosos a ponto de tirar das costas da Grécia a pressão por reformas. Eu preferiria ver aplicado um dos princípios de Walter Bagehot, economista e banqueiro britânico que foi editor da revista The Economist no século XIX. Ele dizia que se deve emprestar o que for preciso para salvar bancos da situação de falta de liquidez. Defendia que se emprestasse até muito mais do que os mercados esperavam, a uma taxa de juros minimamente punitiva, mas que afastasse rapidamente as instituições do perigo de completa erosão. Esse princípio poderia ter sido aplicado à Grécia.

Por que a receita de Bagehot não foi aplicada? Essa proposta implica um grau de generosidade para o qual é muito difícil conseguir apoio político. Há ainda a questão da exposição dos setores públicos de países como Alemanha, França, Noruega e Finlândia, pois seus tesouros teriam de registrar um aumento de dívida substancial.

Desde o início da crise financeira internacional, cinco anos atrás, houve uma politização das finanças após tantas intervenções dos estados nos mercados. Isso é ruim? Certamente é melhor do que o quadro anterior, de completa ausência de regulamentação. Houve falha de mercado, um ciclo de euforia e uma necessidade de resgate por parte do estado. Então essa politização que significa regulamentação é positiva se comparada ao que era antes. Além disso, ela fará com que, no futuro, o acesso a possíveis resgates esteja sujeito a condições muito mais duras de conduta. O resgate feito pelo setor público não será mais indolor. Ele será punitivo. Acredito que a politização não significa maior leniência do estado em relação aos bancos, e sim o contrário.

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Depois de duas crises tão profundas, uma derivada do estouro da bolha imobiliária americana e outra, da dívida europeia, quais serão as principais mudanças que o senhor vislumbra no mercado? Há algumas apostas. Muitos dizem que os governos impedirão que bancos voltem a crescer tanto a ponto de se tornarem grandes demais para quebrar. Há também a possibilidade de se acabar com os bancos múltiplos: ou seja, desmembrar as áreas de investimento das operações de depósito, minimizando o risco de contaminação do sistema financeiro. É uma política de fragmentação que ainda está em debate, mas que deverá resultar em muitas mudanças daqui para frente.

Endividamento público da Grécia

Mesmo com ajuste fiscal, FMI prevê crescimento

da dívida grega em 2013 (em US$ bilhões)

  • 2008 112,6
  • 2009 129
  • 2010 144,5
  • 2011 165,4
  • *2012 162,6
  • *2013 171

Fonte: Fundo Monetário Internacional

* Estimativas

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