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Governo atropela interesses dos estados para deter importações

Plano de socorro à indústria inclui medida para anular vantagem tributária concedida nos portos. Impacto nas finanças estaduais pode ser severo

Por Ana Clara Costa e Benedito Sverberi
4 abr 2012, 13h37

Há pelo menos três décadas, vários estados lançam mão de uma prerrogativa que a Constituição lhes confere – a possibilidade de estabelecer as alíquotas de ICMS para importados – de modo a tornar suas docas mais atraentes que as dos vizinhos para produtos que vêm de fora. Como todas as modalidades de guerra tributária, essa “guerra dos portos” sempre teve seus críticos, que falam de injustiças fiscais e de desequilíbrios no comércio entre os estados. Também é inegável que ela trouxe benefícios ao país, contribuindo para que polos aduaneiros, com toda a teia negócios que tendem a surgir à sua volta, se formassem em Santa Catarina, Espírito Santo, Pernambuco e outras unidades da federação. Qualquer medida que interfira nesse sistema deveria, portanto, ser objeto de estudo exaustivo e de muita negociação política. Mas foi exatamente o caminho oposto que o governo federal decidiu tomar para tratar do assunto. Nas últimas semanas, o governo passou a trabalhar afoitamente para levar o Senado a modificar e aprovar o projeto de Resolução 72, de dezembro de 2010, criando uma alíquota interestadual única de 4% para o ICMS. Na prática, isso anularia a vantagem competitiva que a adoção de alíquotas mais baixas nos portos pode representar para os estados. “A orientação é para que se obtenha a aprovação o quanto antes, se possível em quinze dias”, diz um senador governista ao site de VEJA. Não bastasse acionar o rolo compressor no Congresso, o Planalto também se mostra temerário ao submeter um assunto tão importante para o jogo federativo e para as finanças estaduais a uma lógica que lhe é alheia – a da “proteção da indústria nacional”. Aprovar a Resolução 72 foi um dos itens incluídos no pacote econômico anunciado pela presidente Dilma Rousseff nesta terça-feira, inteiramente dedicado a socorrer a indústria e acabar com alegadas “distorções que favorecem os produtos importados”. Pano de fundo – As zonas portuárias especializadas em comércio internacional oferecem hoje alíquotas de 2% a 5% de ICMS sobre bens adquiridos no exterior. Assim, mesmo quando é necessário transportar os insumos por grandes distâncias dentro do Brasil, empresas consideram mais vantajoso utilizar importados do que produtos similares produzidos no país sobre os quais incidem impostos maiores. A alíquota de 4% nas transações interestaduais tenderia a modificar essa equação, tornando mais caros os bens estrangeiros. É assim, basicamente, que raciocina o governo. Os efeitos colaterais, no entanto, podem ser enormes. “O que vai acontecer é que as importações vão se concentrar mais ainda no porto de Santos, podendo gerar um grave problema logístico para o Estado de São Paulo”, afirma o advogado tributarista Jorge Henrique Zaninetti, do escritório Siqueira Castro,. Atualmente, entra por portos paulistas entre 35% e 40% de tudo que é importado no Brasil. Com a nova alíquota, estima-se que esse número possa saltar para até 65%. A perda de negócios poderia inviabilizar a operação de outros portos importantes do país, e pôr em apuros diversos estados. Um caso emblemático é o do Espírito Santo, que prevê a perda de um terço da arrecadação com ICMS. Para impedir a implosão do estado, o governador Renato Casagrande pleiteia uma transição que perdure até 2020. “Com investimentos em infraestrutura, antecipação dos royalties do petróleo e exclusão de alguns produtos que estão com alíquota negativa, conseguiremos nos fortalecer para competir com outros estados”, afirmou ao site de VEJA, citando também que metade do Produto Interno Bruto (PIB) capixaba está ligada à atividade de comércio internacional. Se a mudança for abrupta, a saída é brigar na Justiça. “Se não houver um plano de transição favorável, nós iremos ao Supremo”, diz o governador. Ação política – Um debate no STF pode não trazer os resultados desejados por Renato Casagrande. Recentemente, a corte considerou inconstitucionais 23 formas de incentivo fiscal envolvendo redução de ICMS para atrair empresas e mercadorias. Além disso, não há nada de ilegal no caminho escolhido pelo governo para atingir seu objetivo. O mesmo artigo da constituição que confere aos estados o poder de definir a alíquota de ICMS para os importados delega ao Senado a competência para instituir a alíquota interestadual do imposto – tema da Resolução 72. Ou seja, a mesma Carta que torna possíveis as guerras fiscais confere a União e ao Judiciário ferramentas para mitigá-las. Isso faz parte do jogo. O problema – e isto é importante repetir – está na lógica da ação política do governo. Primeiro, na ideia duvidosa de que as importações devam ser contidas para tornar a indústria nacional mais competitiva. Segundo, no uso impositivo e apressado de uma ferramenta tributária que, ao satisfazer os desejos do Planalto, passa por cima dos interesses dos estados. Calcular de maneira adequada, por exemplo, o prazo de transição de que fala o governador do Espírito Santo, não é algo que se faça de um dia para o outro. E a questão dos portos não pode ser tratada de forma isolada. “Hoje, há um bloco de questões gravíssimas que precisa ser parte de um amplo acordo nacional”, diz o secretário da Fazenda do Estado de Pernambuco, Paulo Câmara. Entre as questões mencionadas por ele está o respeito a todos os contratos assumidos pelos governos com as empresas já instaladas ou em fase de implantação, além da criação de uma política nacional de redução das desigualdades regionais. “Sua ausência foi o fator determinante da guerra fiscal”, diz Câmara. Para o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, a maneira como o governo Dilma lida com a “guerra dos portos” não abre espaço para o otimismo. “O governo federal não articula adequadamente com os estados. As coisas são mal feitas, mal colocadas e mal conduzidas. Temo ainda que o Planalto sucumba a lobbies isolados sem o exame adequado dos assuntos”, diz ele. Sem ação política verdadeira não há como realizar as reformas – entre elas a tributária – que de fato podem fazer o Brasil dar seu grande salto de desenvolvimento e competitividade.


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