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Estrutura do Carf favorece tráfico de influência, diz procurador

Frederico Paiva, que participa das investigações da Operação Zelotes, critica indicações pelo setor privado na composição do conselho e defende mudança para evitar corrupção

Por Luís Lima 28 mar 2015, 14h05

A Operação Zelotes, que apura um esquema de corrupção no Conselho Administrativo de Recursos Federais (Carf), órgão ligado ao Ministério da Fazenda responsável pelo julgamento dos recursos de grandes contribuintes em débito com a Receita Federal, veio a público na última quinta-feira e causou espanto pelo valor potencial da fraude: 19 bilhões de reais em 70 processos – um escândalo cujas cifras são comparáveis aos desvios investigados no petrolão.

Com 41 mandados de busca e apreensão, a Polícia Federal (PF) iniciou a operação para desarticular uma organização suspeita de fraudar julgamentos no órgão, que é composto por 200 conselheiros – metade deles auditores fiscais indicados pelo Ministério da Fazenda e outra metade de representantes do setor produtivo.

Segundo a PF, os conselheiros suspendiam julgamentos, alteravam votos e aceitavam recursos para favorecer empresas. Investigadores também constataram tráfico de influência. Até agora, 24 pessoas e 15 escritórios de advocacia estão sendo investigados.

Bancos como Bradesco, Santander, Safra e BTG Pactual foram alvos da Operação, segundo o jornal Folha de S. Paulo. Já o jornal O Estado de S. Paulo afirma que empresas ligadas ao petrolão também são investigadas, como a Petrobras e a Camargo Corrêa.

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Para o procurador do Ministério Público Federal (MPF) Frederico Paiva, que participa das investigações, a atual estrutura do órgão pode ter facilitado as práticas criminosas. “O próprio sistema, a pretexto de ser democrático, propicia que pessoas mal intencionadas ocupem esses cargos”, afirmou ao criticar as indicações pelo setor privado e a ausência de remuneração dos conselheiros. Leia trechos da entrevista concedida ao site de VEJA.

Como começaram as investigações da Operação Zelotes? Já havia comentários sobre corrupção no Carf há algum tempo. Alguns processos estavam sendo monitorados pela Receita Federal, onde se levantaram algumas suspeitas. Mas, a partir de uma denúncia, em 2013, o Ministério Público Federal (MPF) decidiu instaurar um inquérito policial. A partir daí a PF fez uma série de diligências e passou a colher indícios que confirmavam algumas das suspeitas. Depois, o MPF pediu à Justiça algumas medidas de investigação, que levaram um certo tempo. Isso foi analisado, e, então, decidiu-se partir para as buscas e apreensões, nesta semana.

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Mas o MPF recebeu uma representação anônima em 2013? Sim, mas não foi a representação anônima que motivou o início das investigações. Na verdade, foram feitas diligências pela PF e, depois, surgiu a denúncia. O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) impede que você parta de uma denúncia anônima unicamente. Esse cuidado foi feito. Várias diligências foram feitas, inclusive para respeitar o entendimento do STJ.

Como foi o trabalho de identificar contratos com potenciais fraudes, considerando as dificuldades impostas pela área tributária? A legislação tributária brasileira dá margem a diversas interpretações. Leis são editadas a cada mês mudando o que valia anteriormente. Alguns setores têm incentivos fiscais; outros não. Toda essa barafunda tributária que vivemos no país propicia que haja diversas interpretações para a lei. Mas temos todo o cuidado de separar o que é advocacia tributária legítima do que é consultoria ilícita, que, na verdade, é fachada para lavar dinheiro. Nós conseguimos identificar alguns pagamentos que não tinham justificativas. Detectamos situações em que o objetivo era dar a aparência de legalidade a um serviço que é corrupção, que corrompe conselheiros do Carf. Óbvio que isso ainda está sob investigação.

Qual o grau de dificuldade para identificar esse tipo de fraude? É dificílimo. À medida que os pagamentos são feitos em dinheiro vivo, você tem uma dificuldade enorme de rastrear o destinatário final. Por isso é preciso ter cautela em publicar nome de empresas, porque, por enquanto, são apenas investigadas. Na verdade, são pessoas físicas que estão sendo investigadas, que terão de esclarecer à Justiça alguns pontos. Foram 70 processos que despertaram suspeitas, com uma fraude potencial de 19 bilhões de reais.

Deste total de processos, qual o rombo nos cofres públicos que já foi confirmado? O verbo “confirmar” é muito forte. A Receita Federal e o MPF ainda estão analisando os casos. O valor de cinco bilhões de reais se relaciona a suspeitas fortes. Há indícios fortes que apontam, de alguma maneira, que esses julgamentos teriam sido manipulados no Carf. Há suspeitas fortes sobre cinco, até seis bilhões de reais. Mas isso não quer dizer que esse valor será anulado. Nossas provas, na verdade, são indícios, porque não existe “recibo” de corrupção. Eu não tenho fotografia, uma prova direta, de corrupção. Isso requer um aprofundamento.

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Há uma previsão de quando será concluída a análise de todos os 70 processos? Não, qualquer previsão é chute. Há muitos detalhes a serem analisados. Toda a documentação que foi apreendida nesta quinta-feira terá que ser analisada. Há uma diversidade de informações muito grande. A nossa estrutura é pequena. Temos poucos servidores para fazer isso. Então, é imprevisível o tempo que isso irá demorar. Também por isso é que o processo corre em segredo de Justiça.

Em seguida à análise dos processos, os nomes dos envolvidos virão a público? Naturalmente, após o fim das investigações, o MPF, a partir de elementos suficientes, pode oferecer a denúncia criminal. E a ação penal, em regra, é marcada pela publicidade.

O rombo potencial, de R$ 19 bilhões, chama atenção pela cifra. Onde está o problema no Carf que facilitou uma fraude deste tamanho? A própria estrutura do Carf é uma experiência única no cenário mundial. Porque quem indica metade dos conselheiros do Carf são as confederações nacionais da indústria, do comércio, do transporte, enfim, do setor privado. E tem mais uma particularidade que chama atenção: ser conselheiro do Carf indicado pelas empresas não rende remuneração. Que advogado experiente, vivido, vai aceitar assumir o Carf para ficar três anos sem receber remuneração? É uma carga imensa de processos que eles têm que julgar. Então o próprio sistema, a pretexto de ser democrático, propicia que pessoas mal intencionadas ocupem esses cargos.

O senhor, portanto, defende uma revisão do atual sistema do Carf? Acredito que sim. Acredito que o Ministério da Fazenda deve fazer estudos e propor alteração. Mas isso é uma opinião do cidadão Frederico. Como procurador, não posso emitir juízo de valor. Apenas acho que o sistema, como é composto atualmente, favorece o tráfico de influência.

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A investigação pode arranhar a imagem da Receita, órgão reconhecidamente técnico? Primeiro, deve-se lembrar que o Carf está vinculado ao Ministério da Fazenda. O que está sendo arranhado é “agora”. Porque o auditor vai à empresa, constata um descumprimento de lei, celebra um auto de infração – isso leva um tempo enorme. Depois vai ao Carf e isso é simplesmente cancelado. Eu acho que o maior desgaste para a Receita é que o trabalho que os auditores estão fazendo na ponta está sendo todo derrubado no Carf. Ou os auditores estão fazendo um trabalho errado ou é preciso aprimorar o Carf. Porque os auditores são obrigados a seguir a lei, fazendo um trabalho técnico, de qualidade, e não autuar as empresas sem motivos. É óbvio que alguns temas são polêmicos e suscitam discussão jurídica. Mas é inadmissível que a Receita faça um trabalho de um, dois anos, e depois, sem justificativas convincentes, alguns processos sejam anulados.

Quais os próximos passos a serem tomados após a conclusão dos processos? Uma denúncia criminal, possivelmente. O MPF, por questões estratégicas, não pode antecipar os próximos passos da investigação. O que tem ser feito agora é analisar todo o material apreendido na quinta-feira, que é bastante vasto. Há computadores, anotações, contratos. Após essa análise é que o MPF decidirá o próximo passo.

A investigação também envolve a Receita Federal, o Ministério da Fazenda e a Polícia Federal. Como funciona esse trabalho conjunto? O juiz da Décima Vara Criminal autorizou o compartilhamento da investigação. Então, a Receita vem de um caráter técnico, fornecendo subsídios para a investigação. Isso sem quebrar nenhum tipo de sigilo bancário ou fiscal. O que interessa a ela é que esse foco de corrupção seja revelado. Receita, PF e MPF estão atuando na mesma linha: de maneira coordenada. Até porque, se não fosse assim, não chegaríamos a lugar nenhum. Porque é um volume muito grande de informações, e muitas delas são bastante técnicas e o MPF nunca viu. A Receita, como tem uma expertise tributária maior, está nos auxiliando.

O recorte do número de processos, 70, e o intervalo de tempo, de 2005 a 2013, foi definido a partir de quais critérios? Foi uma decisão estratégica de separar um período temporal de oito anos.

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Mas foi aleatória? Não, foi baseada nos elementos que tínhamos. Havia indícios de que a suposta organização criminosa estaria atuando desde 2005.

Como o senhor acredita que a população, pagadora de impostos, assimilará essa investigação? Acredito que o brasileiro está cansado de tanta corrupção. E “pagador de impostos” é uma expressão muito mais leal do que contribuinte. Ninguém contribui por livre e espontânea vontade. Ele é obrigado, trabalha cinco meses por ano para pagar impostos. O poder judiciário tem a missão de aplicar a lei com rigor. As provas nunca serão diretas, mas indícios. Mas é preciso encarar a realidade.

É possível detalhar mais os setores econômicos que essas pessoas físicas estão inseridas? A PF divulgou que o setor automobilístico e o setor bancário estão entre os principais investigados.

O fato de ter ocorrido buscas e apreensões no banco Safra confirma que ele é um dos alvos? Temos de ter cautela. O fato de ter tido uma busca no Safra não quer dizer que o banco esteja envolvido. Pode ser que alguém, de dentro do Safra, que esteja participando. É preciso muita cautela com o nome das empresas, até para depois isso não ser questionado.

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Alguma empresa do grupo Gerdau está envolvida? De onde partiram as supeitas? Do MPF não foi. Porque é prematuro falar em Gerdau. É de conhecimento público que a Gerdau tem contencioso no Carf. Até pelo processo de reestruturação que o grupo passou e que foi questionado pela Receita. O grupo criou outras empresas e depois fez uma reorganização societária e pôde compensar o prejuízo de algumas empresas que foram criadas, o chamado ágio interno. Isso foi questionado pela Receita e é de domínio público. Há um processo no Carf que não foi julgado ainda. Está muito cedo. Infelizmente sei que o tempo da imprensa é mais curto, mas as investigações, assim como a Lava Jato, demorarão mais um pouco.​

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