Empresas ligadas a fraude alimentar têm de começar do zero
Especialistas explicam que o preço pago pela quebra de confiança do consumidor é alto e, muitas vezes, marcas precisam ser recriadas para apagar um histórico ruim
Os seguidos casos de contaminação alimentar, como a fraude cometida no leite, os sucos de maçã com soda cáustica ou os ovos de páscoa com mofo, ferem a confiança dos consumidores nas marcas envolvidas. As empresas gostam de falar em conquistar e fidelizar um cliente. Mas, para isso, é preciso ser fiel como num relacionamento: dê poucos motivos (ou nenhum, de preferência) para desconfiança. Se essa relação é bruscamente abalada, recomeçar é a única maneira de tentar mostrar que as qualidades continuam superiores às falhas – embora algumas vezes seja impossível. “Em alguns casos é aconselhável até a criação de uma nova marca para limpar a lembrança ruim da cabeça do consumidor”, diz Timothy Altaffer, professor de marketing do Insper.
A única maneira de evitar uma ruptura é fazer o consumidor entender que o problema foi acidental. E, principalmente, pontual. A transparência é sempre a melhor estratégia. Se o problema vier de um franqueado, a matriz deve assumir o controle da situação e arcar com todos os custos necessários para reparar o estrago. Se um funcionário mal intencionado modificou a fórmula de um produto, a companhia deve reportar o erro, pedir desculpas e explicar quais medidas serão tomadas para impedir novos deslizes. O que a empresa não pode fazer é fugir dessa regra simples e apostar na falta de memória do consumidor. “Há empresas que preferem culpar o consumidor, que é o elo mais fraco”, afirma Altaffer.
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Para o consumidor, a dica é selecionar os produtos. Seja criterioso e pense que, muitas vezes, o preço mais alto equivale a processos mais custosos para manter a qualidade e a segurança alimentar. Marcelo Pontes, coordenador de marketing, pesquisa e economia da ESPM, lembra que no emblemático período em que foram desbaratadas quadrilhas de adulteração de combustíveis, em 2007, que culminou com o fechamento de vários postos em todo o Brasil, os consumidores escolheram abastecer apenas em postos de marcas que inspiravam confiança. “É o mesmo procedimento com os alimentos, que devem vir de empresas que constroem diariamente o laço de confiança com o consumidor”, diz ele.
Leite – Nesta semana, as entidades que representam o setor de leite estiveram em Brasília para uma reunião com o Ministério da Agricultura para definir uma agenda para consertar os estragos em toda a cadeia produtiva. De acordo com Nilson Muniz, diretor-executivo da Associação Brasileira Longa Vida (ABLV), as propostas vão desde cuidados e procedimentos relativos ao transporte até às análises mais rígidas da bebida pela indústria. “Esse episódio não é isolado”, diz Muniz. “Ele diz respeito à cadeia láctea como um todo.”
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também anunciou que quer mudar as regras dos recalls de alimentos e bebidas. A ideia é acelerar a retirada dos produtos do mercado para reduzir o risco de o consumidor ter contato com alimentos estragados. De acordo com a proposta, as indústrias terão 24 horas para comunicar à agência sobre a necessidade de retirar um produto do mercado, caso haja algum tipo de problema. Caberá à fabricante do alimento que deverá elaborar e implementar um plano de recolhimento dos alimentos e bebidas.
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