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Empresários também choram. Muitas vezes, lágrimas de crocodilo

O empresariado tem razão em reclamar da massacrante carga tributária brasileira. Já quanto ao câmbio, sobram exageros

Por Derick Almeida
9 Maio 2011, 07h38

Os industriais brasileiros acostumaram-se, nos últimos anos, a vociferar contra as deficiências da economia doméstica e determinadas políticas adotadas pelo governo. Carga tributária asfixiante, juros altos, burocracia excessiva, infraestrutura precária, financiamentos escassos e, mais recentemente, a desvalorização do dólar. Estes são alguns dos itens que são alvo de críticas freqüentes e que também servem de embasamento aos ‘lobbies’ do setor em Brasília em busca de medidas de salvamento – desonerações, linhas de crédito mais baratas, protecionismo, etc.

Mas em que medida as reclamações dos empresários são defensáveis? Quanto há de pertinência e de exagero em cada pleito? Economistas ouvidos pelo site de VEJA analisam os argumentos apresentados pelo setor industrial.

Reclamações e mais reclamações

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*Os porcentuais foram definidos com base em pesos para pertinência e exagero atribuídos pelos especialistas

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1. Carga tributária (100% pertinente, nenhum exagero)

Em 2010, a carga tributária no Brasil atingiu 35,13% do Produto Interno Bruto, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). O valor é comparável, conforme dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), aos de países europeus de elevado padrão de desenvolvimento, como Alemanha e Luxemburgo. O problema é que, diferentemente destas nações, o Brasil arca com impostos massacrantes sem a contrapartida de bons serviços públicos e infraestrutura adequada.

A indústria é, de fato, bastante prejudicada pela incidência de impostos que, não bastasse serem altos, incidem nas diferentes etapas da produção de um bem. Em outras palavras, o setor é tributado várias vezes (tributação em cascata). O resultado é o encarecimento do produto final, que prejudica o consumidor e tira sua competitividade no mercado internacional.

Este é, disparado, o maior problema da economia brasileira na opinião unânime dos economistas Fábio Kanczuk, da Universidade de São Paulo (USP); Rogério Mori, da Fundação Getúlio Vargas (FGV); e Flávio Castelo Branco, da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “Acredito que a indústria reclame até pouco deste problema”, ressaltou Kanczuk.

2. Burocracia (77% pertinente, 23% de exagero)

Equipe de funcionários no arquivo de notas fiscais da metalúrgica Termomecânica.
Equipe de funcionários no arquivo de notas fiscais da metalúrgica Termomecânica. (VEJA)

Os departamentos administrativos das empresas no Brasil são inchados se comparados aos de outros países. A explicação é bastante intuitiva: é preciso pessoal para resolver todo tipo de pendência burocrática que atormenta as companhias, como a obtenção de autorizações, licenças, alvarás, etc. Começar um novo negócio no país, por exemplo, leva 120 dias, segundo o relatório Doing Business, do Banco Mundial. No restante da América Latina e Caribe, este prazo cai para 56 dias.

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Uma boa parte do inferno burocrático brasileiro recai, uma vez mais, sobre os impostos. Não bastasse ser onerosa, a estrutura tributária brasileira é extremamente complexa. Os tributos pagos pelas companhias no país perfazem dez no total, o que é inferior ao verificado nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No entanto, as empresas brasileiras perdem 2.600 horas para resolver as pendências referentes a esses tributos, um tempo 13 vezes maior que nas nações da OCDE.

“A crítica da indústria é pertinente neste caso. Os impostos são muitos e há a necessidade de as empresas armarem toda uma estrutura para cuidar disso, o que aumenta a ineficiência produtiva”, afirmou Rogério Mori, economista da Fundação Getúlio Vargas. Mesmo não tão urgente quanto a questão tributária, o Brasil ainda não se empenhou em uma reforma para unificar processos burocráticos.

3. Infraestrutura precária (90% pertinente, 10% de exagero)

Rodovias: depois do fracasso do leilão da BR-262, governo decide rever concessões
Rodovias: depois do fracasso do leilão da BR-262, governo decide rever concessões (VEJA)

Com portos saturados, caos aéreo e estradas deterioradas, a indústria vive um martírio para ter acesso a algo fundamental: o transporte de seus produtos a um prazo e um custo adequado. A ausência de uma boa infraestrutura é sinônimo de perda de tempo e fretes elevados – ambos também encarecem o produto final e deprimem a competitividade nacional.

Para os economistas ouvidos pelo site de VEJA, este é o segundo maior problema do empresariado nacional, só sendo superado pela carga tributária. “A infraestrutura no Brasil é péssima. Esta é uma questão que teria solução se o governo concedesse à iniciativa privada parte significativa do seus investimentos. Como todas as responsabilidades se concentram no setor público, dificilmente ele consegue cumprir suas obrigações”, comenta Fábio Kanczuk, economista da Universidade de São Paulo (USP).

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4. Câmbio valorizado (37% pertinente, 63% de exagero)

notas de dólares
notas de dólares (VEJA)

A despeito dos esforços do Planalto para conter a queda da moeda americana, os resultados têm sido pífios. Sustentada em parte por um movimento estrutural, ligado à própria depreciação que sofre no cenário internacional, a moeda americana segue em declínio – para desespero de alguns empresários que têm de conviver com levas de importados e com a falta de competitividade no exterior. Ainda que o real volte a se desvalorizar um pouco, os economistas sustentam que muito dificilmente será uma divisa depreciada. Em outras palavras, a moeda forte é uma realidade que veio para ficar.

A despeito da argumentação nacionalista do empresariado local, que dá margem a pedidos de proteção e ‘pacotes de bondades’, o quadro atual está longe de ser totalmente desfavorável a quem produz no país. O mesmo câmbio deprimido que permite a vinda dos importados – e beneficia diretamente o consumidor – dá um certo alívio à vida das empresas. É que o preço para adquirir no exterior tecnologia, máquinas, programas, serviços especializados e mesmo insumos básicos igualmente se reduz. Abre-se, portanto, uma grande oportunidade para as empresas investirem a um custo menor e, assim, tornarem-se efetivamente mais competitivas. Este mesmo processo de perda de valor do dólar, aliás, também tem amortecido as pressões inflacionárias hoje existentes no cenário mundial.

“A preocupação do governo com a indústria deve existir, mas, nesta questão, não há o que fazer para conter a desvalorização do dólar. Se houvesse maneira de contornar a situação, a Suíça, por exemplo, já teria chegado a uma solução, pois também sofre do mesmo problema. É mais fácil colocar a culpa no câmbio, já que as reformas econômicas estão longe da realidade”, critica José Julio Senna, ex-diretor do Banco Central e sócio da MCM Consultores.

5. Financiamento de longo prazo (80% pertinente, 20% de exagero)

Banco BNDES no Rio de Janeiro
Banco BNDES no Rio de Janeiro (VEJA)
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O investimento em inovação, expansão de capacidade e melhoria dos processos de qualidade é parte fundamental do dia-a-dia de uma indústria competitiva. No planejamento de uma empresa, contudo, nem sempre o mais acertado é sacrificar o caixa para bancar estas despesas. Como os investimentos, em geral, dão retorno muito no longo prazo, as companhias precisam ter acesso a linhas de financiamento igualmente longas e a um custo que não seja proibitivo.

No Brasil, esta condição é especialmente complicada. Apenas o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) oferece crédito com estas características a taxas atrativas aos investidores, de 6% ao ano – isto porque são subsidiadas pelo governo. Os bancos privados – longe de conseguirem ofertar crédito a juros tão baixos pela simples razão de que, sem apoio, têm de captar no mercado a uma taxa que, no mínimo, é a Selic (12% ao ano) – têm dificuldade para crescer neste mercado. A concorrência do BNDES acaba por praticamente excluí-los.

As empresas, reféns dos empréstimos do banco de fomento estatal, ficam sujeitas às suas arbitrariedades. Afinal, não existe clareza alguma nos critérios que levam o BNDES a emprestar bilhões a um setor e negar financiamento a outros.

6. Encargos e rigidez do mercado de trabalho (63% pertinente, 37% de exagero)

carteiras de trabalho
carteiras de trabalho (VEJA)

Além dos salários, as empresas brasileiras pagam elevados encargos trabalhistas por cada funcionário contratado conforme as regras da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Nesta condição são muitos os direitos do empregado, como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), INSS, férias remuneradas, 13º salário, etc.

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A intenção da lei de dar condições mínimas de sobrevivência e proteger o trabalhador é louvável, mas também tem seu preço. No Brasil, segundo o relatório Doing Business do Banco Mundial, 40,9% do lucro das empresas é direcionado ao pagamento dos encargos da folha salarial, enquanto a média latino-americana está em 14,7%. A elevada despesa é fator adicional a pressionar os custos e reduzir a competitividade, o que, em último instância, é limitador do próprio aumento do emprego.

Adicionalmente, os procedimentos de contratação e demissão são, como quase tudo no Brasil, burocráticos. A lei impede ainda a contratação de trabalhadores no mercado formal em esquemas mais flexíveis, o que não significa eliminar por completo proteções básicas, como a Previdência Social. Contudo, ao vetar alternativas, acaba por criar uma elite com muitos direitos e alijar milhões de pessoas ao mercado de trabalho informal.

Os economistas ouvidos pelo site de VEJA expressaram-se a favor da crítica da indústria contra essas deficiências. “O mercado brasileiro não é apenas rígido, mas onerado excessivamente”, apontou Rogério Mori, economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

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