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Emergentes são deixados à própria sorte

Professor da universidade de Columbia afirma que cooperação multilateral precisa ser retomada para impedir que mais efeitos das políticas monetárias dos Estados Unidos e da Europa afetem os emergentes

Por José Antonio Ocampo
16 mar 2014, 13h21

Há uma semelhança notável entre a declaração do presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, depois da mais recente reunião entre o Conselho Diretivo da instituição e a presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Janet Yellen, em seu primeiro depoimento ao Congresso: ambos alegaram que tomaram suas decisões levando em conta apenas as condições de suas próprias economias. Em outras palavras, os países emergentes, agora sujeitos a efeitos colaterais de políticas monetárias de países desenvolvidos, foram deixados à própria sorte.

Isto confirma o que as autoridades de economias emergentes já sabiam. Em 2010 – após anúncio Fed de uma terceira rodada de afrouxamento quantitativo (ou quantitative easing) – o ministro da Fazenda brasileiro, Guido Mantega, acusou os países desenvolvidos de empreender uma “guerra cambial” global. Afinal de contas, as economias em desenvolvimento, também chamadas economias avançadas, estavam induzindo grandes fluxos de capital para os mercados emergentes importantes, valorizando suas moedas e prejudicando a sua competitividade internacional – um fenômeno que a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, mais tarde chamou de “tsunami de capital”.

O impacto da retirada de estímulos monetários dos países desenvolvidos tem sido igualmente intenso. Desde maio passado, quando o Fed anunciou sua intenção em reduzir suas compras de ativos, os capitais tornaram-se menos acessíveis e mais caros para as economias emergentes – um fenômeno que tem sido particularmente difícil para países que dependem de financiamento internacional por conta de seu elevado déficit em conta corrente. Em resposta, o presidente do banco central indiano, Raghuram Rajan, chamou de “egoísta”, as políticas de países avançados – e afirmou que a “cooperação monetária internacional foi rompida”.

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As economias emergentes, sem dúvida, têm seus próprios problemas a serem resolvidos. Mas não se pode negar que esses países são vítimas das políticas monetárias dos países ricos, que aumentaram a volatilidade dos fluxos de capital nas últimas três décadas. A partir da base de dados do World Economic Outlook 2011, do Fundo Monetário Internacional (FMI), a volatilidade do capital tem aumentado em todo o mundo – e é maior em economias emergentes do que em desenvolvidas. Os ciclos de expansão e contração são basicamente determinados por distúrbios gerados nas economias desenvolvidas, entretanto, também são fundamentais nos ciclos de negócios dos mercados emergentes.

Do mesmo modo, os efeitos das políticas monetárias dos países desenvolvidos não estão limitadas à turbulência financeira. Os países em desenvolvimento também estão sofrendo os efeitos dos desequilíbrios externos dos desenvolvidos – particularmente o superávit em conta corrente da zona do euro.

Nos últimos anos, as economias deficitárias da periferia da zona euro – e, mais recentemente, Itália – tiveram de fazer ajustes externos importantes, enquanto a Alemanha e a Holanda mantiveram grandes excedentes de pagamento. Como resultado, o ajuste recaiu sobre as economias emergentes, que se envolveram em déficits externos crescentes para compensar, a nível mundial, o superávit da zona euro.

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Tais repercussões eram precisamente o que se queria evitar com a cooperação política internacional – em particular com o “processo de avaliação mútua” que o G-20 estabeleceu em 2009. O FMI criou um sistema bastante elaborado de vigilância multilateral das políticas macroeconômicas dos países desenvolvidos, incluindo o Relatório Consolidado de Supervisão Multilateral (CMSR), e os “relatórios de contaminação” (spillover reports) das cinco economias mais importantes (EUA, Reino Unido, a zona euro, Japão e China) e os “relatórios do setor externo” para avaliar os desequilíbrios globais de pagamentos.

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Mas este sistema de cooperação provou ser totalmente ineficaz em impedir os efeitos de contaminação provenientes de economias desenvolvidas – especialmente porque o Fed e o BCE simplesmente o ignoram. Dado que o dólar norte-americano e o euro são as duas principais moedas de reserva internacional, os desdobramentos de contágio são a “nova normalidade”.

Além disso, a lei de dotações orçamentárias, de 1,1 trilhão de dólares, aprovada pelo Congresso norte-americano no mês passado, não incluiu qualquer recurso necessário para recapitalizar o FMI, o principal instrumento de cooperação monetária internacional. Essa decisão representa mais um revés para as reformas do FMI orientadas a aumentar a influência das economias emergentes.

Tendo em conta os benefícios que a prosperidade das economias emergentes tem para a economia mundial – tal como se fez evidente através da rápida recuperação após a recente crise mundial – é do interesse de todos mudar o status quo. O G-20 e o Comitê Monetário e Financeiro Internacional deveriam trabalhar juntos para alinhar a retórica com a realidade da cooperação política macroeconômica. Por isso, as recentes declarações Draghi e Yellen devem ser tratadas como marco zero.

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(Trdução: Roseli Honório)

José Antonio Ocampo é professor na Universidade de Columbia, ex-subsecretário-geral de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas e ex-ministro das finanças da Colômbia

© Project Syndicate, 2014

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