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Economia pós-crise

O crescente descontentamento dos estudantes de economia com os currículos universitários é importante porque a economia tem sido durante muito tempo a referência política do Ocidente.

Por Robert Skidelsky
6 jul 2014, 09h28

Na eleição do Parlamento Europeu do mês passado, os partidos eurocéticos e extremistas ganharam 25% do voto popular. As vitórias mais ressonantes se registraram na França, no Reino Unido e na Grécia. Esses resultados foram amplamente, e corretamente, interpretados como um sinal de desconexão entre uma elite arrogante europeia e os cidadãos comuns.

Mais inadvertidos, porque são menos óbvios de um ponto de vista político, são rumores intelectuais de hoje, cuja manifestação mais recente é o livro O Capital no século XXI (Capital in the Twenty-First Century) do economista francês Thomas Piketty – uma acusação fulminante à crescente desigualdade. Podemos estar testemunhando o começo do fim do consenso capitalista neoliberal que prevaleceu em todo o Ocidente desde os anos 1980 – e que para muitos, conduziu ao desastre econômico de 2008-2009.

Particularmente importante é o crescente descontentamento dos estudantes de economia com os currículos universitários. O descontentamento dos estudantes é importante porque a economia tem sido durante muito tempo a referência política do Ocidente.

Este descontentamento nasceu do “movimento economia pós-autista”, que começou em Paris em 2000 e se espalhou por Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia. A queixa principal dos seus adeptos era que a economia convencional ensinada aos estudantes se converteu em um ramo da matemática, desconectado da realidade.

A revolta fez pouco progresso nos anos da “Grande Moderação” da década de 2000, mas foi reavivada na sequência da crise de 2008. Dois importantes vínculos com a rede anterior são o economista norte-americano James Galbraith, filho de John Kenneth Galb e o economista britânico Ha-Joon Chang autor do Best-seller 23 coisas que não te contam sobre o capitalismo (23 Things They Don’t Tell You about Capitalism).

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Em um manifesto publicado em abril, estudantes de economia da Universidade de Manchester recomendaram uma abordagem “que começa com fenômenos econômicos e logo dá aos estudantes um conjunto de ferramentas para que avaliem de que diferentes pontos de vista podem explicá-lo”, em vez de modelos matemáticos baseados em pressupostos irreais. Significativamente, Andrew Haldane, diretor executivo para a estabilidade financeira no banco da Inglaterra, escreveu a introdução.

Os estudantes de Manchester argumentam que “o pensamento dentro da disciplina (teoria neoclássica) excluiu qualquer opinião divergente, e poderia dizer-se que a crise é, sem dúvida, o preço final desta exclusão. Abordagens alternativas, tais como a economia pós-keynesiana, marxista e austríaca (bem como muitos outros) ficaram marginalizadas. O mesmo pode ser dito da história da disciplina.” Como resultado, os estudantes têm pouca consciência dos limites da teoria neoclássica, muito menos alternativa para essa abordagem.

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O objetivo, de acordo com os alunos, deveria ser a “conectar as disciplinas dentro e fora da economia.” A economia não deveria ser dissociada de psicologia, da política, da história, da filosofia e assim por diante. Os alunos estão especialmente interessados em estudar questões como a desigualdade, o papel da ética e da justiça na economia (ao contrário do foco predominante na maximização do lucro) e as consequências econômicas das alterações climáticas.

A ideia é que esse tipo de intercâmbio intelectual ajudaria os alunos a melhor compreender os fenômenos econômicos recentes e melhorar a teoria econômica. Desde este ponto de vista, todos sairiam beneficiados com a reforma curricular.

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A mensagem mais profunda é que a economia convencional é, na verdade, uma ideologia- a ideologia do mercado livre. Suas ferramentas e suposições definem seus tópicos. Se assumirmos uma racionalidade perfeita e completa dos mercados, estamos impedidos de explorar as causas dos fracassos econômicos em grande escala. Infelizmente, tais suposições têm uma profunda influência na política.

A hipótese de mercados eficientes – a crença de que os mercados financeiros, em geral, avaliam os riscos de maneira correta – deu o argumento intelectual para uma ampla desregulamentação do sistema bancário na década de 1980 e 1990. Da mesma forma, as políticas de austeridade que Europa utilizou para combater a recessão a partir de 2010 basearam-se na ideia de que não havia mais recessão a combater.

Essas ideias foram adaptadas com as opiniões da oligarquia financeira. Mas as ferramentas da economia, como atualmente ensinadas, fornecem pequeno escopo para investigar os vínculos entre as ideias dos economistas e as estruturas de poder.

Os alunos “pós-crise” de hoje têm razão. Então o que é que mantem em funcionamento o aparato intelectual da economia convencional?

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Para começar, a pesquisa e o ensino de economia estão profundamente enraizados em uma estrutura institucional que, tal como acontece com qualquer movimento ideológico, recompensa a ortodoxia e penaliza a heresia. Os grandes clássicos da economia, de Smith até Ricardo e Veblen, não são ensinados na sala de aula. Os fundos para a investigação são atribuídos com base na publicação em revistas acadêmicas que defendem a perspectiva neoclássica. A publicação em tais revistas também é a base de qualquer promoção.

Além disso, tornou-se uma crença que qualquer movimento em direção a uma abordagem mais aberta ou “pluralista” na economia significa uma regressão aos modos de pensamento “pré-científicos”, bem como os resultados das eleições ao Parlamento Europeu ameaçam reviver um modo mais primitivo da política.

No entanto, as instituições e as ideologias não podem sobreviver por mero encantamento ou recordações dos horrores do passado. Eles têm que enfrentar o mundo contemporâneo da experiência vivida.

Por enquanto, o melhor que pode fazer a reforma curricular é lembrar os alunos que a economia não é uma ciência como a física, e que tem uma história muito mais rica do que pode ser encontrada nos livros padrões. Em seu livro A economia do bem e do mal, o economista tcheco, Tomáš Sedláček, mostra que o que chamamos de “economia” é apenas um fragmento formalizado de uma gama muito mais ampla de pensamento sobre a vida econômica, que vai desde o épico Sumério de Gilgamesh até a metamatemática de hoje.

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Com efeito, a economia convencional é uma destilação penosamente estreita da sabedoria histórica sobre os temas que aborda. Deveria aplicar-se a qualquer problema prático que possa resolver; mas suas ferramentas e suposições devem estar sempre em tensão criativa com outras crenças vinculadas ao bem-estar e florescimento humano. O que os alunos são ensinados hoje certamente não merece seu status imperial no pensamento social.

Robert Skidelsky é membro da Câmara dos Lordes britânica e professor emérito de Economia Política na Universidade de Warwick.

(Tradução: Roseli Honório)

© Project Syndicate, 2014

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