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Dilma mira o avanço, mas cai no protecionismo

Medidas do governo buscam proteger indústria e propiciar desenvolvimento; olhar mais atento revela que a economia só está ficando mais fechada

Por Naiara Infante Bertão e Talita Fernandes
21 out 2012, 14h39

O Brasil ocupa a sexta posição na lista de países que mais alteraram suas políticas tarifárias entre o final de 2008 até agora. O país fez 166 alterações em suas políticas no período, dentre as quais 67 são consideradas por analistas como protecionistas e outras 35 são suspeitas.

A crise econômica global não dá sinais de enfraquecimento. Num movimento de reação, diversas nações têm se tornado mais avessas ao livre comércio, levantando barreiras à entrada de importados na tentativa de evitar que avancem sobre seus mercados. O mundo também apresenta hoje distorções cambiais profundas. Além da moeda chinesa, que já se encontra desvalorizada artificialmente há décadas, as divisas dos Estados Unidos e da zona do euro perderam força graças a políticas monetárias frouxas. Por outro lado, nações emergentes e exportadoras de commodities, como o Brasil, viram suas moedas ganharem musculatura. O ambiente traz desafios, pois, de fato, o país tornou-se um mercado atraente aos fornecedores de outras nações. Preocupada em preservar empregos na indústria nacional e promover o avanço econômico, a presidente Dilma Rousseff pôs em prática, nos últimos dois anos, um conjunto de medidas, que, grosso modo, dificultam importações ou criam reservas de mercado a produtos nacionais (veja lista de ações). O problema, segundo analistas ouvidos pelo site de VEJA, é que essa política bem intencionada não se mostrou, nem deve se mostrar, eficiente em promover o desenvolvimento. Com isso, restarão aos brasileiros somentes as agruras de uma economia mais fechada.

Dados da Organização Mundial do Comércio (OMC) mostram que praticamente triplicou neste ano o número de reclamações de membros contra medidas protecionistas de outros países. São 23 em 2012 contra oito no ano passado e dezessete em 2010. O Brasil, apesar de não ter sido alvo ainda de nenhuma acusação formal de protecionismo, vem adotando, na visão de especialistas, uma postura cada vez mais fechada no mercado nacional, ainda que sem ferir as normas estabelecidas pelo órgão internacional (confira as regras da OMC).

“Existem medidas que são protecionistas, mas são legais, de acordo com a OMC. Elas estão dentro das regras do comércio internacional, como, por exemplo, o recente aumento do imposto de importação de cem produtos anunciado pelo Brasil”, diz Welber Barral, da consultoria BarralMJorge, referindo-se ao aumento de alíquota de importação de 12% para 25%, em média, para estimular a compra de produtos nacionais. Ele reconhece, porém, ser comum que em períodos de crise os países adotem posturas comerciais mais fechadas, podendo causar reclamações no órgão internacional. “Em um mercado mais competitivo, as nações querem proteger suas indústrias e também querem acabar com as barreiras que existem lá fora”, explica.

O ponto a ser destacado é que a lista de ações protecionistas de Dilma não para na lista dos cem produtos. Além dela, o governo brasileiro tem atuado, ainda que sempre legalmente, em outras frentes protecionistas, como o aumento de 30 pontos porcentuais do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para carros importados e a taxação de transações financeiras em dólar, com o aumento do IOF (veja lista de ações).

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Brasil já chama atenção – Para o professor de comércio exterior Simon Evenett, da Universidade de St. Gallen, na Suíça, as ações recentes da presidente Dilma e sua equipe têm chamado atenção do mercado internacional. Evenett é fundador do site Global Trade Alert, que compila um amplo banco de dados sobre o comércio mundial. “O Brasil não é o pior país protecionista do mundo, mas também está longe de ser inocente. O governo adotou muito mais medidas de fechamento de mercado neste ano. A mudança de postura é alarmante para os observadores internacionais”, explica. Como outros casos críticos de avanço do protecionismo, ele aponta a Rússia e a Argentina.

Evenett comenta que medidas como as adotadas pela presidente Dilma e sua par argentina, Cristina Kirchner, são prejudiciais ao livre comércio porque dificilmente são revertidas no curto prazo. Ao contrário. O mais comum é que durem décadas. São raras as medidas protecionistas adotadas temporariamente. “O fato de que todos os países estão enfrentando uma situação econômica difícil não é desculpa para o Brasil aumentar suas tarifas”, critica.

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Não existe uma definição clara do que é protecionismo na OMC (veja quadro). O órgão limita-se a definir alguns limites para medidas tarifárias e não-tarifárias que possam vir a ser aplicadas pelos governos. Suas principais funções são mediar a discussão das práticas de comércio global, supervisionar acordos firmados entre nações e ser ‘juíza’ em situações de conflito – através do famoso ‘sistema de resolução de controvérsias’.

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Ainda que o órgão não diga com clareza o que configuraria o protecionismo para além daquelas práticas que excedem suas normas, especialistas ouvidos pelo site de VEJA afirmam que qualquer medida que impeça ou crie barreiras para entrada ou comercialização de produtos estrangeiros num país pode ser considerada protecionista.

Ranking alarmente – Um levantamento do Global Trade Alert mostra que o Brasil ocupa a sexta posição na lista de países que mais alteraram suas políticas tarifárias do final de 2008 – estouro da crise nos Estados Unidos – até agora. Lideram o ranking Rússia (273 mudanças), Argentina (196) e Índia (172). O Brasil fez 166 alterações em suas políticas, dentre as quais 67 são consideradas por analistas como protecionistas e outras 35 são suspeitas.

“O governo brasileiro está entrando em uma zona de populismo econômico. Quando um setor reclama para as autoridades, o Planalto vai lá, faz uma concessão e o setor consegue proteção. Não decorre de uma política industrial. Com calçados e têxtil está sendo assim”, diz Evaldo Alves, professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP).

O problema dessas escolhas duvidosas, segundo o acadêmico, é que o país corre o risco de transformar os setores beneficiados em ineficientes porque há diminuição de concorrência – e é essa competição que leva as empresas a crescer e inovar. “A empresa não compete porque é um atleta, nem inova porque é bonitinho. Ela faz isso para sobreviver”, diz.

De olho – Com a economia mundial em crise, os olhares das grandes empresas voltam-se a países onde ainda há crescimento, a exemplo dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China). Prova disso foi o recente desentendimento entre os Estados Unidos e o Brasil, com direito a troca de farpas. Em setembro, o representante dos EUA para assuntos comerciais, Ron Kirk, encaminhou ao ministro de Relações Exteriores, Antônio Patriota, uma carta pedindo ao governo brasileiro que reconsidere seus planos “protecionistas” – uma reação clara ao anúncio de aumento do imposto de importação de até 100 produtos.

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O governo brasileiro reagiu. O Itamaraty veio a público dizer que não descumpriu nenhuma resolução da OMC, haja visto que manteve as taxas abaixo da alíquota-teto de 35%, acordada com o órgão. Não contente, integrantes do Palácio do Planalto têm atacado o que consideram protecionista por parte dos Estados Unidos e da União Europeia. Tanto o ministro da Fazenda, Guido Mantega, quanto a própria presidente acusaram o Federal Reserve (Fed) de injetar dinheiro em excesso no mercado por meio do quantative easing – política que, na prática, injeta dólares na economia – com o objetivo de forçar a desvalorização de sua moeda e deixar os produtos americanos mais baratos, protegendo, assim, suas exportações.

O professor Evennet – que no final de setembro publicou um artigo em seu site criticando a fala de Mantega – acredita que a medida do banco central americano não é protecionista, ainda que indiretamente tenha efeitos no Brasil. “Não acho que o Fed está adotando as medidas de quantative easing para prejudicar os outros países. Agora, o ministro da Fazenda tem razão ao afirmar que, ao jogar tanto dinheiro no mercado, o dólar tende a se desvalorizar em relação às outras moedas”.

Contudo, o suíço explica que o Brasil pode reverter esse quadro de outras formas e vê o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) como medida menos grave que o aumento das tarifas de importação. O ministro da Fazenda ameaçou, de fato, adotar novamente a taxação para controlar o valor do real. “O que o Brasil está fazendo é taxar a entrada de capital estrangeiro e isso é uma medida muito melhor do que colocar barreiras para a entrada de produtos”, afirmou.

Para o professor da FGV, nem essa medida teria bons efeitos. “A taxação do IOF não dá certo porque o Brasil é muito pequeno em comparação aos EUA. Os EUA, como país hegemônico, podem emitir mais moeda porque ela será amplamente aceita no mundo. O dólar vai se desvalorizar e o produto americano vai se tornar mais competitivo. Não adianta brigar contra isso”, explica. Ele defende, por outro lado, a adoção pelo Brasil de medidas que melhorem a produtividade da indústria. “Medidas como as do IOF podem resolver o problema no curto prazo, mas não vão adiantar nada no longo prazo”, completa.

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Soluções – Para o professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), Celso Grisi, a solução mais plausível para a indústria brasileira se tornar competitiva é por meio da redução de impostos e custos, como o de energia elétrica. “Muito da nossa competitividade vai embora por causa do governo. Com a redução de IPI pra automóveis, a indústria vendeu mais, mostrando o quanto o imposto interfere no consumo”, diz.

Grisi acrescenta que o Brasil ganharia mais definindo claramente setores estratégicos e criando condições para que se desenvolvam – com impostos menores, custos de investimento reduzidos, avanços em infraestrutura, etc. Ele cita como exemplo o setor têxtil, no qual o país tem competência para ser um grande player, mas está perdendo mercado para fabricantes asiáticos. Para o acadêmico, o governo poderia zerar a alíquota para que os empresários comprem maquinários modernos no exterior para atualizar seu parque industrial defasado; montar uma linha de financiamento de longo prazo e com juros mais baixos; colocar universidades e centros tecnológicos à disposição para treinar mão de obra; ou seja, montar um plano de estímulo interligado e, assim, ganhar produtividade e competitividade.

“O governo parece desarticulado, sem definição clara sobre as vocações produtivas brasileiras”, diz. Ele cita o exemplo do suco de laranja concentrado. O país é um forte player internacional no mercado desse produto, mas não tem uma rede própria de distribuição no exterior e nem marca nacional que esteja na mesa das pessoas. “Desperdiçamos uma grande chance de consolidar uma marca nacional”, destaca.

Se governo der o impulso, diz Grisi, os empresários assumirão estratégias de internacionalização e prepararão as empresas para serem grandes. “O Estado não pode proteger. Ele deve dar garantias para que a indústria dê seu ‘start‘ e depois deixá-la ao sabor do mercado. É preciso deixar a competição se impor”.

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Marcos Jank, ex-presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) e do Instituto Icone, também acredita que o Brasil precisa entender melhor qual sua especialidade e em que setor faz sentido estar presente. “Existe um mito de que o país tem de ser autossuficiente em tudo. É natural que o país seja superavitário em alguns pontos e deficitário em outros”, destaca.

Para o economista, o Brasil, com sua trajetória protecionista, está tomando medidas que até poderão estender a vida de algumas indústrias, mas não vão torná-las mais competitivas, nem levarão ao aumento de sua produtividade. Aos consumidores, infelizmente, restarão produtos mais caros e defasados tecnologicamente se as opções tomadas até agora não forem revertidas num segundo momento.

O protecionismo e a OMC

Para os especialistas, podem ser consideradas protecionistas quaisquer medidas que favorecem as atividades nacionais em detrimento da concorrência estrangeira. O oposto desta doutrina é o livre-comércio. Já a Organização Mundial do Comércio (OMC) limita-se a classificar como protecionista toda situação em que um país fere as regras de comércio internacional, levantando barreiras à entrada de produtos. Estas podem ser divididas em dois grandes grupos: tarifárias e não-tarifárias.

Tarifárias: Dizem respeito à imposição de alíquotas de importação. Cada país acorda individualmente com a OMC um porcentual-teto que poderá cobrar quando produtos estrangeiros entrarem em seu mercado. No caso brasileiro, essa alíquota de importação é de até 35% na maioria dos casos – há exceções para alguns produtos. Os países são livres, porém, para fazer acordos comerciais (a exemplo do Mercosul) em que privilegiam parceiros com tarifas menores.

Não-tarifárias: Referem-se a todas as restrições à entrada de mercadorias importadas por meio de exigências técnicas, sanitárias, ambientais, laborais, e de restrição de quantidade (cotas).

Além disso, um país é considerado protecionista quando:

– Discrimina uma nação (com exceção dos acordos comerciais já firmados entre países). Não é considerado protecionismo, porém, quando as medidas impostas pelo país são feitas para compensar práticas desleais de comércio, como o dumping, por exemplo – situação em que a empresa de determinada nação vende produtos no exterior a preços menores que no mercado local.

– Discrimina a comercialização de produtos importados, impedindo, por exemplo, que sejam livremente transacionados no país.

– Limita a transparência das informações sobre suas políticas comerciais e industriais.

– A OMC não tem regras claras sobre a manipulação do câmbio.

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