Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Dilma fala em robustez fiscal – mas, na verdade, tortura números

Embora tente mostrar credibilidade por meio de discurso, o governo vem antecipando dividendos e créditos de empresas para engordar as contas públicas

Por Talita Fernandes
18 jul 2013, 07h25

Às vésperas do anúncio de um novo corte orçamentário, que tem como um dos principais objetivos garantir o cumprimento da meta de superávit primário, de 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB), a presidente Dilma Rousseff insiste em dizer que o país tem robustez fiscal e que a economia tem ganhado um viés pessimista que não lhe convém. Contudo, os números mostram exatamente o contrário. Devido a uma política fiscal expansionista, as contas se deterioraram e o governo tem usado manobras pouco transparentes para conseguir cumprir a meta de superávit. Trata-se da perniciosa tarefa de torturar os números até que eles mostrem o que o governo, de fato, quer mostrar.

Em reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), realizada na manhã de quarta-feira, a presidente afirmou que a situação está “sob controle, especialmente quanto às contas públicas e à inflação. “É incorreto falar em descontrole da inflação ou das despesas do governo. É desrespeito aos dados, à lógica, para dizer o mínimo. A informação parcial, da forma como muitas vezes é explorada, confunde a opinião pública e visa criar um ambiente de pessimismo que não interessa a nenhum de nós”, disse Dilma.

Se as contas estivessem tão saudáveis como insiste a presidente em seu discurso, o governo não precisaria anunciar um novo contingenciamento de Orçamento para conseguir chegar ao final do ano com algum superávit. O anúncio do corte de gastos está previsto para a próxima segunda-feira – e a expectativa é de que cerca de 15 bilhões de reais sejam contingenciados. O objetivo é tentar resgatar alguma credibilidade fiscal, melhorar as contas públicas e, consequentemente, a inflação.

O superávit primário consiste no saldo positivo da diferença entre a receita do setor público consolidado (formado pelos governos federal, estadual e municipal, Previdência Social e empresas estatais) e suas despesas. Essa economia é usada para o pagamento dos juros da dívida pública. Ou seja, quanto mais o governo “economiza” em gastos, mais ele paga juros e menor fica a dívida. A deterioração da meta pode, então, fazer com que a redução do endividamento fique comprometida – e pior, pare de cair. O que faz o governo ao usar a chamada “contabilidade criativa” é fazer com que a economia para pagar os juros seja um mero efeito contábil, e não um esforço fiscal real. Assim, os números mostram aquilo que a equipe econômica deseja – e deixam de representar a realidade.

Leia também:

Dividido, governo avalia até desistir de cortes no Orçamento

Tesouro diz que não vai explicar nova operação entre BNDES e Itaipu

Dilma diz que pessimismo é mais intenso que a realidade

Tortura dos números – A presidente Dilma não inventou a contabilidade criativa, mas vem sendo uma usuária extrema dessa técnica, desde que passou a chancelar inúmeros artifícios contábeis determinados pelo Ministério da Fazenda para engordar a conta do superávit sem que ajustes severos nos gastos públicos sejam feitos.

Continua após a publicidade

Por meio de decretos e medidas provisórias, o governo vem usando o Tesouro Nacional e as empresas públicas para melhorar as contas. Apenas neste ano, foram quatro medidas provisórias (MP) e um decreto para garantir manobras fiscais que já envolvem, pelo menos, a Caixa Econômica Federal, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a usina de Itaipu. (Confira lista de manobras).

Para garantir a melhoria nas contas, o governo sangra o caixa de órgãos estatais por meio da antecipação de dividendos, como fez com o BNDES, e dá títulos da dívida pública (emitidas pelo Tesouro) em troca. Dessa forma, a União embolsa a receita com dividendos e o gasto com a emissão de títulos fica para o futuro, já que aparece em forma de títulos da dívida mobiliária, com vencimento para os próximos anos. Com isso, a receita da União aumenta, facilitando o cumprimento da meta.

Uma outra manobra feita este ano foi a antecipação de créditos da usina de Itaipu. Este ano, o governo autorizou duas ações que utilizaram créditos da usina antecipadamente. Uma delas, de 511 milhões de reais em créditos para o BNDES e outra de 1,4 bilhão de reais, autorizada em 11 de junho pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Para compensar o adiantamento desse montante, o pagamento poderá ser feito com títulos públicos ou por ações de empresas de sociedade anônima que estão na carteira do BNDES. Essas medidas foram autorizadas pelas MPs 600, de dezembro de 2012, e 615, de maio deste ano. (Veja lista)

A utilização do BNDES para essas transações tem prejudicado o banco de fomento. Dados extraídos do Tesouro Nacional e apresentados pelo economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria, mostram que o repasse de dividendos do BNDES para a União vem crescendo muito nos últimos anos. O valor repassado passou de 923,6 milhões de reais em 2007 para 12,93 bilhões de reais em 2012.

Continua após a publicidade

Leia ainda: Eletrobras contrai dívida bilionária para pagar dividendos à União

Patrimônio do BNDES recua 38% em dois anos

Augustin muda discurso e pede controle de gastos para conter inflação

De acordo com um levantamento feito pela ONG Contas Abertas com base no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), bancos públicos e estatais anteciparam 3,8 bilhões de reais à União apenas em junho. Os repasses à Caixa Econômica Federal (1,2 bilhão de reais), ao Banco do Brasil (409,8 milhões de reais), ao BNDES (1,98 bilhão de reais) e à Eletrobras (195,5 milhões de reais), entre outras instituições, foram feitos entre os dias 27 e 28 de junho, os dois últimos dias úteis de junho para garantir o superávit do mês.

Continua após a publicidade

Petrobras – Apesar de não ser considerada uma medida ilegítima por analistas, a adoção recente de uma nova medida contábil pela Petrobras pode ajudar ainda mais as contas do governo. Com o dólar avançando frente ao real, a empresa divulgou na última semana a adoção de uma nova política de hedge – uma operação que permite que empresas exportadoras posterguem os efeitos da variação cambial. Tal política é aplicada no Brasil por algumas multinacionais, mas não era prática comum na Petrobras.

Ao reduzir o impacto cambial na dívida em dólar da empresa, a medida também viabiliza o pagamento de dividendos ao Tesouro Nacional. “Trata-se de uma medida legítima. Mas a Petrobras nunca precisou dela antes. E se agora está precisando desses artifícios para conseguir bancar a defasagem e os dividendos ao Tesouro, é porque as coisas realmente não vão bem”, afirma Adriano Pires, especialista do setor de óleo e gás e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie).

Leia mais:

Fazenda faz mais manobras para cumprir meta fiscal

Continua após a publicidade

Governo autoriza aumento do capital da Infraero

Arno Augustin: o soldado de que Dilma precisa

Abatimentos – Outra medida alvo de críticas de especialistas é o abatimento das desonerações e dos gastos com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Esses abatimentos consistem em contabilizar a renúncia fiscal com os setores desonerados e os gastos com o PAC e o Minha Casa Minha Vida como investimentos, e não como despesas. Desta forma, o esforço fiscal exigido do governo fica ainda menor. Em decreto publicado em maio pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e pela Fazenda, o governo prevê um abatimento de 45 bilhões de reais de investimentos e desonerações.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.