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Interferência da ANP impacta ação e prejudica minoritário

À demora e à indefinição do processo de capitalização se somam as declarações 'indesejáveis' do diretor da ANP, Haroldo Lima

Por Benedito Sverberi
12 ago 2010, 08h27

A elevação ao máximo do preço do barril, como quer Lima, é a senha para que muitos minoritários fiquem impedidos de participar do negócio. Avançará sobre as ‘sobras’ a União, cujo interesse é tornar a Petrobras um pouco mais estatal

A demora no processo de capitalização da Petrobras e as dúvidas que envolvem a cessão de barris de reservas do pré-sal da União para a estatal estão entre os principais motivos para a queda das ações da companhia neste ano. Desde dezembro até o fechamento desta quarta-feira, o declínio das ações ordinárias foi de 24%, enquanto as preferenciais cederam 25% (entenda por que os papéis estão perdendo valor). Ou seja, prejuízo para o acionista minoritário

Nos últimos dias, as ações sofreram com a polêmica em torno do valor do barril pertencente às reservas que o governo transferirá para a Petrobras, no processo conhecido por ‘cessão onerosa’. O nome, um tanto enquanto estranho, esconde uma operação até que relativamente simples: o Tesouro, em vez de usar dinheiro (que não possui) para subscrever as ações da estatal em seu processo de capitalização, decidiu usar um ativo – no caso, 5 bilhões de barris de petróleo enterrados numa camada ultra profunda. Logo, saber o valor desta commodity é essencial para se ter idéia do quanto o governo poderá abocanhar dos papéis da Petrobras. Endividada, a empresa precisa urgentemente dos recursos que virão desta operação para tocar seu ambicioso plano de investimentos para exploração do pré-sal, que prevê gastos de 224 bilhões de dólares entre 2010 e 2014.

Como a estatal está impedida legalmente de se pronunciar sobre o assunto e tem cumprido a norma à risca, não há nada que a Comissão de Valores de Mobiliários (CVM) possa fazer. Isto porque lhe cabe somente fiscalizar e punir as companhias de capital aberto. O problema é que o protagonista de toda esse imbróglio é uma autoridade pública: o próprio diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP), Haroldo Lima. Neste caso, as únicas sanções que poderia sofrer são ou de natureza administrativa ou judicial. Ambas improváveis.

O consultor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura, critica a forma com que o governo tem conduzido essa questão. “O grande problema é que a discussão deixou de ser técnica para ganhar forte viés político – assim como tem ocorrido com todo o debate relativo ao novo marco regulatório do setor petrolífero”, dispara. Ele estranha a atuação do diretor-geral da ANP. Ao declarar que considera barato o preço do barril entre 5 e 6 dólares – valor que tem sido consensual entre os economistas -, Haroldo Lima, critica o especialista, interfere no negócio. “Sua fala pode influenciar o trabalho da consultoria Gaffney, Cline & Associates, que contratou para avaliar o valor do petróleo de forma independente”.

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Ao que tudo indica, a ANP torce para que a União amplie significativamente sua participação no capital da Petrobras. Na hipótese de o valor do barril girar em torno do esperado pelos analistas, acredita-se que grande parte dos minoritários conseguirá acompanhar o valor da subscrição das ações. Contudo, a elevação ao máximo do preço do barril, como quer Lima, é a senha para que muitos minoritários fiquem impedidos de participar do negócio. Avançará sobre as ‘sobras’ a União, cujo interesse explícito é tornar a Petrobras um pouco mais estatal. A companhia seria beneficiada também, pois embolsaria maior quantidade de recursos financeiros, além da enorme reserva de petróleo. Já ao minoritário restaria observar sua participação na empresa minguar.

Na opinião do especialista Adriano Pires, o encerramento ou não dessa discussão guarda íntima relação com o cenário eleitoral. “Trata-se de uma questão complexa. Se ficar definido que o barril vale 5 ou 6 dólares, muitos acusarão o governo na campanha de ‘entregar’ as riquezas do pré-sal. Se o preço for mais alto, haverá reclamações de que pôs em prática um plano para reestatizar a Petrobras”, analisa. Ele aponta que, se o governo perceber que a ex-ministra Dilma Rousseff tem chance de perder a eleição ou que o pleito vai para um disputado segundo turno, haverá forte pressão para realizar a capitalização a todo custo até setembro. Se as sinalizações forem na direção de uma vitória petista, a finalização do processo ficará para depois das eleições.

A escolha de Haroldo Lima para a diretoria-geral da ANP por si só já denotaria, na visão de Pires, uma perda de qualidade da agência. “Toda agência reguladora, enquanto órgão eminentemente técnico, tem de ser tocada por técnicos”, esclarece. O diretor-geral, que participou de movimentos revolucionários armados, é afiliado ao PC do B e está na carreira política há três décadas.

Aspectos legais – Ante a observação de que as defesas de Lima são prejudiciais aos interesses dos acionistas minoritários, a Lei abre espaço para o questionamento de seu comportamento e até a imposição de sanções legais. Explica o diretor da Sundfeld Advogados, Carlos Ari Sundfeld: “Toda autoridade publica tem o dever de exercer o seu cargo conforme as regras e princípios aplicáveis a ele. Deve estar também atenta às conseqüências de suas ações e opiniões no exercício de sua função”.

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Caso fique comprovado que está agindo de forma imprudente, ele pode sofrer um processo administrativo. Isso poderia lhe render desde uma advertência até uma demissão. “Provar essa conduta, contudo, é complicado”, pondera. Quem tem a competência para isso é o Poder Executivo, que, no caso, é representado pelo próprio presidente da República. A propósito, cabe lembrar que o próprio presidente Lula escolheu Lima para o cargo.

Em situações mais graves, explica Sundfeld, o diretor poderia ser alvo de uma ação judicial por improbidade administrativa, que poderia ser feita pelo próprio Ministério Público ou por outra parte que se sentisse lesada. “A Lei nº 8429, de 1992, é bastante abrangente. Mesmo que se verifique omissão da Presidência da República na parte administrativa, nada impede que uma sanção seja imposta pelo Judiciário”, explica.

Para o consultor Adriano Pires, contudo, esse episódio, marcado por um silêncio generalizado ante a atuação do diretor da ANP, é revelador do poder da estatal pretrolífera. “Se algo interessa à Petrobras, a maioria das autarquias se esconde”, afirma. Ele acredita que, se o mesmo episódio envolvesse o interesse de uma empresa privada qualquer, alguém já teria vindo a público fazer algum tipo de questionamento.

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