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Corrida por serviço público é mau negócio ao Brasil

Por André Pontes
2 dez 2009, 17h19

Estima-se que, ao final deste ano, 10,4 milhões de brasileiros terão realizado concursos públicos, de acordo com dados da Associação Nacional de Proteção e Apoio ao Concurso (Anpac). Parte desses brasileiros busca realização profissional, mas também a conhecida estabilidade no emprego. O número de candidatos a uma vaga na hierarquia pública é recorde: 30% maior do que o medido em 2008. O crescimento, porém, preocupa, alerta o professor Fernando Dolabela. “Esse é um grande mal do nosso governo: incentivar o concurso público”, diz. “O país não pode encaminhar a sua nata intelectual para o serviço público inoperante.”

Dolabela é criador de uma metodologia adotada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Confederação Nacional da Indústria (CNI) e 400 instituições de ensino superior que pretende ensinar o cidadão a empreender – e não fazer concursos públicos. É autor também de livros sobre o tema, como o romance O Segredo de Luísa, que já vendeu mais de 200.000 cópias. Na entrevista a seguir, ele fala sobre a importância do espírito empreendedor para a felicidade dos indivíduos e para o futuro do Brasil.

Qual é a essência do empreendedorismo?

É a capacidade de gerar valor para os outros. É conceber o futuro e transformar isso em realidade. Principalmente através da inovação. Quando se fala em empreendedorismo econômico, nós estamos falando em dinheiro novo, dinheiro que não existia. Todos podemos ser empreendedores, não importa a área de ocupação. É uma atividade de valores crescentes, que modificam e melhoram a vida.

Qual a importância do empreendedorismo no desenvolvimento do país?

Não há desenvolvimento sem empreendedorismo. Tudo o que não for empreendedorismo é custo. O governo só gera custos, ele não produz nada. Não que ele não deva existir, isso é indiscutível. Mas o emprego público é só custo. Já a empresa é o local onde se gera riqueza. Ou seja, a capacidade de gerar valores materiais e não materiais é que move a economia. O Brasil criou o patamar para o salto de desenvolvimento, mas não podemos viver de commodities (produtos primários como minério de ferro, celulose, fumo e petróleo). Não podemos ter uma economia baseada em oferta de riqueza do solo. Se queremos chegar a níveis altos e ser um país de primeiro mundo, temos que inovar. E empreender é a única forma de combater a miséria.

O que falta para o Brasil dar o “salto” de que o senhor fala?

Estamos numa situação muito favorável, mas é como se estivéssemos distantes da utilização dessa fonte de riqueza. O Brasil precisa investir na capacidade de geração de empresas e criar milhões de pequenas companhias. Porque são as pequenas empresas que geram empregos e inovam. Elas têm que inovar, é o único jeito de sobreviverem. No primeiro semestre deste ano, as pequenas empresas geraram 450.000 empregos. Já as grandes demitiram 150.000 pessoas. Quem inova é o cara que saiu da faculdade ou aquele que tem seus 40 anos de idade e uma vivência em uma empresa, e com ousadia gera coisas novas. É isso que move a economia.

Mas o jovem inovador está indo para o serviço público.

Esse é um grande mal do nosso governo: incentivar o concurso público. O país não pode encaminhar a sua nata intelectual para o serviço público inoperante. Nos EUA, uma pesquisa apontou que 70% dos adolescentes americanos têm como heróis os empresários do Google, Microsoft e Yahoo!. Nossos jovens não têm heróis. O pai brasileiro vira para o filho e diz para ele prestar o concurso público, enquanto o correto seria incentivá-lo a abrir uma empresa. Os jovens querem o serviço público por estabilidade. Não quero com isso dizer que o serviço público não mereça os melhores cérebros do país. Merece, mas calma lá. Você pega um grande aluno de ciências da computação da USP, por exemplo: quando ele vê o salário elevado na Policia Federal, corre para prestar um concurso lá. Por que ele faz isso? Porque ele é mais preparado, ele sabe que vai passar. Ele presta a prova para o Tribunal de Contas sem nunca ter pensado em trabalhar com isso. Mas ele vai lá porque o salário é alto e ele nunca vai ser demitido.

Como romper esse modelo?

É preciso vontade, cultura. O pai deve incentivar o filho a abrir uma empresa. Além disso, o governo tem que mexer no sistema tributário: a pequena empresa é muito frágil e precisa de estímulos. Ela não pode enfrentar uma legislação trabalhista tão pesada e inflexível, por exemplo. Tem de ter oferta de crédito e de informação também: o pipoqueiro, um sujeito pobre, tem que ter as mesmas informações que o sujeito que acabou de sair da universidade. Ele tem que ter informação sobre mercado, sobre fonte de financiamento, perfil do cliente, tecnologia de gestão.

Nossos estudantes são ensinados a empreender?

Não. Qualquer um pode ser médico, assim como qualquer um pode ser empreendedor. Você desenvolve isso pela cultura. A pessoa aprende mesmo pelo hábito. E o empreendedorismo é a mesma coisa: aprende-se pelas relações humanas. O brasileiro não utiliza isso porque a escola e a família inibem.

Como podemos mudar essa cultura?

Na escola de base. Atualmente, na nossa sociedade, o estímulo maior é voltado para a formação de empregados. É preciso que haja uma mudança cultural. Eu trabalho com crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos. O aluno é convidado a gerar um conhecimento, e o professor é proibido de dar respostas, porque não existe resposta para temas que dizem respeito ao futuro. Empreendedorismo é desenvolver a capacidade de conceber o futuro e transformá-lo em realidade. Para isso não há resposta pronta.

Como incentivar uma criança a ser empreendedora?

O programa difere do ensino convencional. A escola lida com conhecimentos acadêmicos puros. No curso de empreendedorismo, lidamos com o conhecimento que existe da porta da rua para fora. O professor então transforma a sala de aula em ambiente de geração de conhecimento. E esse processo é provocado por duas perguntas: qual o seu sonho? Como transformá-lo em realidade? A primeira questão tem o objetivo de dizer ao aluno que o conhecimento serve para dar significado à vida e que ele, o estudante, é capaz de transformá-lo em riqueza e coisas práticas. A segunda quer mostrar que é preciso ter consciência que somente ele, o aluno, pode construir os caminhos para sua autonomia e sobrevivência. Os estudantes então desenvolvem autoconhecimento, liderança e capacidade de conhecer o ambiente de seus sonhos. E isso é a base.

Como começar uma empresa sem capital?

Geralmente, ela começa pequena. Com o dinheirinho do sogro, do FGTS, 150 reais daqui e 200 dali. Monta-se um pequeno negócio, que vai crescendo. E aí entram as melhorias. Um marceneiro, por exemplo: se ele comprar uma serra elétrica, ele pode multiplicar a produtividade por 15. É difícil, mas não impossível.

O governo não ajuda?

Pouco. Existe o Programa Primeira Empresa (Prime). Ele oferece 1,2 bilhão de reais, aplicados em três anos para estimular o nascimento e fortalecimento de 5.000 empresas inovadoras. Oferece até 120.000 reais como capital, desde que a empresa mostre capacidade e planejamento em dois anos. O programa oferece dinheiro para capacitação empresarial. Mas isso é muito pouco ainda.

Grande parcela das empresas brasileiras não dura cinco anos. Por quê?

A mortalidade é exagerada no Brasil porque as condições são adversas. É como se você fizesse uma plantação em uma área que não tem adubo, irrigação e terra adequada. Você não vai tirar nada dali. No Brasil, acontece o mesmo. Falta dinheiro, percepção e entendimento do mercado. Sobram a legislação trabalhista, que aumenta os custos terrivelmente, e a burocracia.

Como ser um empregado empreendedor?

O empregado empreendedor é o cara que inova, que leva ideias para o chefe. Não dá para o Steve Jobs [criador da Apple] inovar em tudo. Se ele não contar com os melhores colaboradores, está perdido. As nossas empresas tem uma hierarquia forte. E esse sistema de autoridade é ruim para o empreendedorismo. O ponto de decisão é mostrado pelo organograma, mas a inovação não pode respeitar esse modelo. O estagiário que entrou há um mês na empresa pode e deve dar ideias. Se você achar que a ideia só vem do chefe, a empresa só tem a perder. As empresas hoje tem que rever a estrutura piramidal e criar um ambiente favorável ao espírito empreendedor.

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