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Corrida eleitoral ressuscita promessa de reforma tributária

Dilma, Serra e Marina voltam a falar na 'reforma das reformas'. Mas especialistas não esperam mais do que um ou outro remendo. Motivos: o alto custo político e a ainda baixa mobilização da sociedade

Por Daniel Jelin e Derick Almeida
10 set 2010, 19h41

O tucano José Serra é o mais incisivo: diz que vai “peitar” a reforma tributária. A petista Dilma Rousseff promete defender uma reforma tributária “ampla”, que chamou a “reforma das reformas”. E a verde Marina Silva fala em convocar uma Constituinte para esta e outras grandes revisões. É bom que os candidatos mostrem empenho para desfazer a bagunça dos impostos no Brasil. Mas as declarações devem ser vistas com muita reserva e alguma suspeita. Quem acompanha de perto o tema não vê chance de sucesso para uma reforma tributária “ampla” tão cedo. O custo político é altíssimo – basta lembrar que nem Lula, do alto de sua popularidade, arriscou-se a sofrer esse desgaste. Além disso, historicamente, iniciativas de reforma tributária terminaram por aumentar a carga, não reduzi-la; e fazê-la ainda mais complexa, não menos.

“Desde a Constituição de 1988, tudo o que tivemos foram remendos tributários, e sempre para aumentar a arrecadação”, diz Mary Elbe Queiroz, presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e professora da Universidade Federal de Pernambuco. Para a advogada, não haverá reforma tributária antes da própria reforma do estado. “Sem conter o gasto público, não tem como reduzir a receita.” A expectativa cai ainda mais diante de propostas de campanha extremamente vagas e desconexas. “Os candidatos têm que dizer o que eles entendem por reforma tributária e como pretendem fazê-la”, diz Mary Elbe.

Serra e Marina já se pronunciaram firmemente a favor da redução da carga tributária. Dilma, não. A candidata petista considerou “razoável” o peso dos impostos no país, embora fale em desonerar investimentos, exportações e, em particular, o setor energético. Não custa lembrar: a carga dos impostos no Brasil é a mais alta entre os países emergentes, é maior que a do Japão e dos Estados Unidos e só perde para o bem-estar social europeu, onde o imposto é alto, mas a contrapartida do governo, altíssima.

Clique na imagem abaixo para conhecer a evolução da carga tributária no Brasil

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O que une as três candidaturas é, não a redução da carga, mas sua simplificação. Mas isto tampouco é fácil. Tome-se por exemplo um dos vários defeitos da tributação à brasileira: a cobrança de vários impostos e contribuições sobre a mesma base, multiplicando os custos com recolhimento e apuração. É o caso, por exemplo, do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), que incidem ambos sobre o lucro. Bastaria unificá-los, correto? Bem, ocorre que o IR, sendo um “imposto”, é repartido pela União com estados e municípios, e a CSLL, sendo uma “contribuição social”, pode ficar toda com o governo federal – aliás, não é à toa que sempre que o governo fala em novo tributo, surge uma “contribuição”, como a CMPF e a CSS, e quando há alguma chance de reduzir a carga, mira-se um “imposto”, como aconteceu em 2009 com o IPI.

Para o industrial Carlos Schneider, o assunto ainda não permite otimismo. “Só com mobilização nacional”, diz. É a bandeira do Movimento Brasil Eficiente, do qual Schneider é um dos coordenadores. Para ele, o Congresso só reagirá ao tema se pressionado, não pelo presidente, mas pela opinião pública. Alguns sinais se percebem. É sintomático que a grande derrota de Lula no Congresso tenha sido a tentativa de prorrogar a CPMF e, mais tarde, ressuscitá-la com o nome de CSS.

Janela – O cientista político Rafael Cortez também não enxerga espaço para uma reforma no próximo governo – apenas mudanças pontuais, na melhor das hipóteses. Além da difícil negociação, ele aponta um entrave estrutural: “A Constituição de 88 incluiu uma série de direitos sociais que dão pouca margem para a redução da carga tributária”. O impasse só pode ser superado se o governo cortar gordura e, como aponta Schneider, “fizer mais com menos”. Mas Cortez vê uma janela de oportunidade no horizonte próximo: o pré-sal, uma nova fonte de receita que poderia compensar eventuais perdas de arrecadação. “Uma liderança competente pode aproveitar esse fórum de discussão para casar as questões”, diz.

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Confira algumas promessas dos candidatos para a área tributária:

Implementar a Nota Fiscal Brasileira

A promessa do tucano José Serra é inspirada na Nota Fiscal Paulista, que devolve 30% do ICMS aos consumidores. A iniciativa é saudada pelos especialistas. “Só o efeito didático já é interessante”, diz Carlos Schneider, do Movimento Brasil Eficiente. “Obriga muitos estabelecimentos a operar dentro da legalidade.” Para Mary Elbe Queiroz, presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário, a nota eletrônica move um círculo virtuoso: reduz a carga sobre o consumidor, mas sem prejuízo para a arrecadação, uma vez que ajuda a combater a sonegação.

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Eliminar PIS/Cofins do saneamento básico

Essa proposta Serra promete já para o primeiro dia de seu eventual governo. Schneider elogia. “O Brasil precisa parar de tributar investimento”, diz Schneider. “Saneamento é serviço básico.” Mary Elbe também aplaude a iniciativa. “PIS e Cofins pesam muito”, informa. “Mas o candidato precisa dizer como vai compensar a queda na arrecadação”. Para além da questão tributária, vale lembrar que o saneamento básico estacionou no país, e a taxa até regrediu um pouco: hoje, 59,1% das residências, contam com serviço de rede coletora ou por fossa séptica, segundo a recém-divulgada Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, contra 59,3% no ano anterior.

Convocar uma Constituinte para as reformas tributária, política e fiscal

Enquanto Serra e Dilma falam em bancar a reforma tributária, Marina promete convocar uma Constituinte específica para ela. É questão polêmica. O cientista político Rafael Cortez questiona a legitimidade desta proposta. A Constituição já prevê um rito bastante claro para alterações de seu texto, bastando que haja consenso – e não há por que supor que um outro fórum suspenda o conflito, não apenas entre governo e oposição, mas também entre União, estados, municípios, entidades de classe, empregados, empregadores, aposentados etc e etc.

Regulamentar a Emenda 29

É, como a própria promessa da reforma tributária, um consenso apenas aparente. Dilma, Serra e Marina apoiam a regulamentação da emenda que eleva a 10% da receita federal os investimentos da União em saúde. Mas falta decidir de onde sairá o dinheiro – é aí que o consenso se desfaz. O tema se arrasta há 10 anos no Congresso.

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Transparência

Serra propõe explicitar o peso dos tributos sobre o preço final dos produtos, e Marina fala em um sistema tributário transparente. É uma forma de conscientizar o consumidor, o que Schneider aplaude. É o que permitiria reconhecer a mão pesada do estado – e questioná-la. Schneider pondera que, na hora de gastar, o estado deveria ter a mesma eficiência que já tem na hora de arrecadar.

Desonerações

Dilma e Serra prometem reduzir a tributação sobre investimentos. Dilma e Marina falam em desonerar também a folha de pagamentos. Serra diz que vai reduzir a tributação sobre o que chama de cesta básica ampliada – uma série de produtos consumidos pelas classes média e baixa . São promessas bem-vindas. Contudo, os candidatos têm de explicar como compensarão a perda de arrecadação. Em 2009, para reagir à crise econômica mundial, o governo reduziu a cobrança do IPI, a indústria vendeu mais, mas a arrecadação caiu 25 bilhões de reais. Se o governo cortar gordura, como Marina e Serra defendem, é factível.

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