Corrida eleitoral ressuscita promessa de reforma tributária
Dilma, Serra e Marina voltam a falar na 'reforma das reformas'. Mas especialistas não esperam mais do que um ou outro remendo. Motivos: o alto custo político e a ainda baixa mobilização da sociedade
O tucano José Serra é o mais incisivo: diz que vai “peitar” a reforma tributária. A petista Dilma Rousseff promete defender uma reforma tributária “ampla”, que chamou a “reforma das reformas”. E a verde Marina Silva fala em convocar uma Constituinte para esta e outras grandes revisões. É bom que os candidatos mostrem empenho para desfazer a bagunça dos impostos no Brasil. Mas as declarações devem ser vistas com muita reserva e alguma suspeita. Quem acompanha de perto o tema não vê chance de sucesso para uma reforma tributária “ampla” tão cedo. O custo político é altíssimo – basta lembrar que nem Lula, do alto de sua popularidade, arriscou-se a sofrer esse desgaste. Além disso, historicamente, iniciativas de reforma tributária terminaram por aumentar a carga, não reduzi-la; e fazê-la ainda mais complexa, não menos.
“Desde a Constituição de 1988, tudo o que tivemos foram remendos tributários, e sempre para aumentar a arrecadação”, diz Mary Elbe Queiroz, presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e professora da Universidade Federal de Pernambuco. Para a advogada, não haverá reforma tributária antes da própria reforma do estado. “Sem conter o gasto público, não tem como reduzir a receita.” A expectativa cai ainda mais diante de propostas de campanha extremamente vagas e desconexas. “Os candidatos têm que dizer o que eles entendem por reforma tributária e como pretendem fazê-la”, diz Mary Elbe.
Serra e Marina já se pronunciaram firmemente a favor da redução da carga tributária. Dilma, não. A candidata petista considerou “razoável” o peso dos impostos no país, embora fale em desonerar investimentos, exportações e, em particular, o setor energético. Não custa lembrar: a carga dos impostos no Brasil é a mais alta entre os países emergentes, é maior que a do Japão e dos Estados Unidos e só perde para o bem-estar social europeu, onde o imposto é alto, mas a contrapartida do governo, altíssima.
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O que une as três candidaturas é, não a redução da carga, mas sua simplificação. Mas isto tampouco é fácil. Tome-se por exemplo um dos vários defeitos da tributação à brasileira: a cobrança de vários impostos e contribuições sobre a mesma base, multiplicando os custos com recolhimento e apuração. É o caso, por exemplo, do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), que incidem ambos sobre o lucro. Bastaria unificá-los, correto? Bem, ocorre que o IR, sendo um “imposto”, é repartido pela União com estados e municípios, e a CSLL, sendo uma “contribuição social”, pode ficar toda com o governo federal – aliás, não é à toa que sempre que o governo fala em novo tributo, surge uma “contribuição”, como a CMPF e a CSS, e quando há alguma chance de reduzir a carga, mira-se um “imposto”, como aconteceu em 2009 com o IPI.
Para o industrial Carlos Schneider, o assunto ainda não permite otimismo. “Só com mobilização nacional”, diz. É a bandeira do Movimento Brasil Eficiente, do qual Schneider é um dos coordenadores. Para ele, o Congresso só reagirá ao tema se pressionado, não pelo presidente, mas pela opinião pública. Alguns sinais se percebem. É sintomático que a grande derrota de Lula no Congresso tenha sido a tentativa de prorrogar a CPMF e, mais tarde, ressuscitá-la com o nome de CSS.
Janela – O cientista político Rafael Cortez também não enxerga espaço para uma reforma no próximo governo – apenas mudanças pontuais, na melhor das hipóteses. Além da difícil negociação, ele aponta um entrave estrutural: “A Constituição de 88 incluiu uma série de direitos sociais que dão pouca margem para a redução da carga tributária”. O impasse só pode ser superado se o governo cortar gordura e, como aponta Schneider, “fizer mais com menos”. Mas Cortez vê uma janela de oportunidade no horizonte próximo: o pré-sal, uma nova fonte de receita que poderia compensar eventuais perdas de arrecadação. “Uma liderança competente pode aproveitar esse fórum de discussão para casar as questões”, diz.
Confira algumas promessas dos candidatos para a área tributária:
Implementar a Nota Fiscal Brasileira
A promessa do tucano José Serra é inspirada na Nota Fiscal Paulista, que devolve 30% do ICMS aos consumidores. A iniciativa é saudada pelos especialistas. “Só o efeito didático já é interessante”, diz Carlos Schneider, do Movimento Brasil Eficiente. “Obriga muitos estabelecimentos a operar dentro da legalidade.” Para Mary Elbe Queiroz, presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário, a nota eletrônica move um círculo virtuoso: reduz a carga sobre o consumidor, mas sem prejuízo para a arrecadação, uma vez que ajuda a combater a sonegação.
Eliminar PIS/Cofins do saneamento básico
Essa proposta Serra promete já para o primeiro dia de seu eventual governo. Schneider elogia. “O Brasil precisa parar de tributar investimento”, diz Schneider. “Saneamento é serviço básico.” Mary Elbe também aplaude a iniciativa. “PIS e Cofins pesam muito”, informa. “Mas o candidato precisa dizer como vai compensar a queda na arrecadação”. Para além da questão tributária, vale lembrar que o saneamento básico estacionou no país, e a taxa até regrediu um pouco: hoje, 59,1% das residências, contam com serviço de rede coletora ou por fossa séptica, segundo a recém-divulgada Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, contra 59,3% no ano anterior.
Convocar uma Constituinte para as reformas tributária, política e fiscal
Enquanto Serra e Dilma falam em bancar a reforma tributária, Marina promete convocar uma Constituinte específica para ela. É questão polêmica. O cientista político Rafael Cortez questiona a legitimidade desta proposta. A Constituição já prevê um rito bastante claro para alterações de seu texto, bastando que haja consenso – e não há por que supor que um outro fórum suspenda o conflito, não apenas entre governo e oposição, mas também entre União, estados, municípios, entidades de classe, empregados, empregadores, aposentados etc e etc.
Regulamentar a Emenda 29
É, como a própria promessa da reforma tributária, um consenso apenas aparente. Dilma, Serra e Marina apoiam a regulamentação da emenda que eleva a 10% da receita federal os investimentos da União em saúde. Mas falta decidir de onde sairá o dinheiro – é aí que o consenso se desfaz. O tema se arrasta há 10 anos no Congresso.
Transparência
Serra propõe explicitar o peso dos tributos sobre o preço final dos produtos, e Marina fala em um sistema tributário transparente. É uma forma de conscientizar o consumidor, o que Schneider aplaude. É o que permitiria reconhecer a mão pesada do estado – e questioná-la. Schneider pondera que, na hora de gastar, o estado deveria ter a mesma eficiência que já tem na hora de arrecadar.
Desonerações
Dilma e Serra prometem reduzir a tributação sobre investimentos. Dilma e Marina falam em desonerar também a folha de pagamentos. Serra diz que vai reduzir a tributação sobre o que chama de cesta básica ampliada – uma série de produtos consumidos pelas classes média e baixa . São promessas bem-vindas. Contudo, os candidatos têm de explicar como compensarão a perda de arrecadação. Em 2009, para reagir à crise econômica mundial, o governo reduziu a cobrança do IPI, a indústria vendeu mais, mas a arrecadação caiu 25 bilhões de reais. Se o governo cortar gordura, como Marina e Serra defendem, é factível.