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Como reduzir a desigualdade de gênero na agricultura africana

Melinda Gates defende a adoção de políticas públicas no continente africano que ajudem as mulheres a reduzir sua carga de trabalho doméstico para que possam produzir mais no campo

Por Melinda Gates
30 mar 2014, 18h51

O Produto Interno Bruto (PIB) da África cresce mais rápido que o de qualquer outro continente. Quando se pensa sobre os motores que impulsionam esse crescimento, imagina-se as commodities como petróleo, ouro e cacau, ou talvez as indústrias, como bancos e telecomunicações. Eu imagino uma mulher chamada Joyce Sandir.

Joyce é uma agricultora que planta bananas, legumes e milho numa pequena propriedade na zona rural da Tanzânia. Quando a conheci, em 2012, ela havia acabado de colher a primeira safra de milho cujo cultivo havia sido especialmente adaptado ao clima local. Mesmo durante um ano de safra ruim que causou a perda de muitos legumes, sua plantação de milho floresceu. Sem isso, sua família teria corrido o risco de passar fome. Assim, o milho assegurou que o lar de Joyce tivesse o suficiente para alimentar os seus – e até mesmo um excedente que gerou renda para que ela pagasse as taxas da escola de seus filhos.

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Como mostra a história de Joyce, a agricultura é crucial para o futuro da África. Agricultores representam 70% da força de trabalho do continente. Eles são a base da economia e a chave para a expansão. Pesquisas mostram que o aumento da produtividade agrícola é a forma mais eficaz de reduzir a pobreza na África Subsaariana.

De fato, a agricultura oferece ao continente sua melhor oportunidade de transformar um círculo vicioso de pobreza num círculo virtuoso de desenvolvimento. É por isso que líderes e legisladores de todo o continente declararam que 2014 seria o Ano da Agricultura e da Segurança Alimentar na África.

A história de Joyce é relevante por outra razão. Ela é importante para o futuro da África não apenas porque é uma agricultora, mas também porque é mulher.

Na Fundação Gates, eu passo muito do meu tempo tentando entender as diversas formas que as mulheres e meninas conduzem o desenvolvimento adiante: investindo na nutrição de seus filhos, na saúde básica e na educação – e também pelo trabalho agrícola. O que estou aprendendo agora é que se a África quer colocar em prática uma transformação agrícola, os países do continente terão de remover uma de suas maiores barreiras que os atrasa: a desigualdade entre homens e mulheres.

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Essa diferença não está apenas no número de mulheres na agricultura. Na verdade, quase metade dos trabalhadores do campo africanos são mulheres. A discrepância está na produtividade. Em todo o continente, terras controladas por mulheres tendem a ser menos produtivas que aquelas controladas por homens.

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O mundo percebe essa diferença desde, pelo menos, 2011, mas os dados sobre suas causas ainda são limitados. Para nos ajudar a entender o problema, o Banco Mundial e a ONE Campaign recentemente fizeram uma análise sobre os desafios das trabalhadoras rurais.

Esse relatório evidencia um fato inegável logo de cara: a diferença de gênero é real e, em alguns casos, é extrema. Quando comparamos homens e mulheres com terras de tamanhos similares, em situações parecidas, a diferença de produtividade pode chegar a 66%, como ocorre em Niger, na Nigéria.

Anteriormente, especialistas acreditavam que as propriedades controladas por mulheres produziam menos porque elas tinham menos acesso a insumos como fertilizantes, água e mesmo informação. Mas nós sabemos que a história é muito mais complicada. Como novos dados em mãos, podemos ver que, surpreendentemente, a produtividade das áreas comandadas por mulheres continua baixa mesmo quando o acesso a insumos é similar. A razão para esse desequilíbrio varia entre os países, mas muitos deles impõem normais culturais que impedem as mulheres de alcançarem seu potencial.

Cito um exemplo. O relatório detectou que as mulheres enfrentam obstáculos para mobilizar força de trabalho para fazer a terra prosperar. Elas, no geral, têm mais responsabilidades que os homens no cuidado com filhos e com a casa, o que torna difícil encontrar tempo para se dedicar à agricultura como os homens, ou até mesmo supervisionar os empregados. Além disso, elas dispõem de menos renda para contratar trabalhadores.

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Felizmente, os novos dados não apenas mapeiam a complexidade e a profundidade do problema. Eles também apontam oportunidades concretas de desenvolver políticas de redução da desigualdade de gênero que ajudarão a destravar o potencial das agricultoras.

Em alguns lugares, isso pode significar ensinar os procedimentos agrícolas aos trabalhadores de uma forma que eles consigam transmitir a mensagem de maneira mais clara às mulheres, ou encorajá-los a visitar as propriedades em períodos em que provavelmente as mulheres estarão em casa. Em outros lugares, é preciso estimular o acesso das mulheres ao mercado ou introduzir técnicas de produtividade que as ajudem a tirar o máximo proveito da terra.

Isso pode implicar ainda em criar creches para as crianças, para que as trabalhadoras rurais tenham a opção de passar mais tempo no campo. Em todo caso, requererá das autoridades africanas o reconhecimento das mulheres do campo como parceiras econômicas essenciais que são.

Em junho, líderes de toda a África se encontrarão em Malabo, na Guiné Equatorial, para estabelecer uma agenda para políticas agrícolas na próxima década. Se o setor agrícola do continente quer cumprir sua promessa – e se o crescimento econômico quer ter chances de continuar – autoridades deveriam levar em conta as necessidades de agricultoras como Joyce. A história de sucesso dela pode – e deve – ser reproduzida pelo continente.

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Melinda Gates é co-presidente da Fundação Bill & Melinda Gates

© Project Syndicate, 2014

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