Capital estrangeiro não anula necessidade de ajuste fiscal
Dependência de investimentos externos acaba deixando país vulnerável a crises
O Banco Central divulgou nesta terça-feira uma série de recordes de investimentos feitos por estrangeiros no Brasil em sua nota sobre o setor externo. Os mais expressivos são os aportes que chegaram via compra de ações de empresas na bolsa de valores e os investimentos estrangeiros diretos (IED) – de 37 bilhões de dólares e 48,5 bilhões de dólares, respectivamente.
Enquanto países europeus agonizam para atrair capital externo, como é o caso da Grécia, Irlanda e Portugal, o Brasil desfruta uma posição confortável – com boas perspectivas de crescimento, taxa de juros atrativa para o investidor estrangeiro e um mercado de capitais bem regulado e pouco volátil.
A grande questão é que, juntamente com tais aportes, o país vem acumulando, ano após ano, um expressivo déficit em conta corrente (saldo negativo nas transações com outros países) que chegou, em dezembro de 2010, a 47 bilhões de dólares – ou 2,28% do Produto Interno Bruto (PIB). Na avaliação dos economistas ouvidos pelo site de VEJA, a esquizofrenia representada pelo aumento de investimentos, ao mesmo tempo em que cresce o déficit em conta corrente, se explica pelo fato de o Brasil ser um país que investe mais do que poupa.
Tais investimentos são financiados, em grande parte, pelo setor privado e – como se pode comprovar – pelo investidor estrangeiro. No mês de dezembro, cerca de 15 bilhões de dólares chegaram ao país por meio de investimento direto – compra de participação em empresas fechadas ou investimento direto em projetos de infraestrutura. Desse total, 8 bilhões de dólares foram direcionados ao setor de óleo e gás. Se os prazos para a extração do pré-sal se mantiverem, assim como a viabilidade de suas reservas, o Brasil poderá continuar contando com aportes externos volumosos. “Em um horizonte de curto prazo, tudo bem. Mas o que acontecerá quando esse capital sair do país? O Brasil precisa encontrar uma forma de financiar seus investimentos”, afirma Guilherme Mercês, economista da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).
Para atingir essa autosuficiência, a receita é aquela velha conhecida dos economistas discípulos do liberalismo econômico: poupança interna – popularmente chamada de corte de gastos públicos. E isso significa que, enquanto o governo não cumprir essa tarefa, os dólares que entram pela via dos estrangeiros ajudam a financiar o crescimento do país. Qualquer medida que impeça a entrada desses recursos – como sugerido pelas alas mais radicais – acabará provocando efeitos negativos para a economia real.
Para se ter uma ideia da necessidade desses recursos, o índice de poupança privada chega a 15% do PIB. Já a poupança externa (os investimentos extrangeiros ou emissão de títulos da dívida externa) acumula algo em torno de 3% do PIB. Enquanto isso, a poupança interna (ou economia do governo) tem déficit nominal que chega a 2,7% do PIB. Ou seja: não há poupança, e sim gastos superiores à arrecadação. “Enquanto acumularmos déficit no setor público, fica difícil o real ceder e a nossa indústria continuará pouco competitiva”, diz Carlos Thadeu de Freitas Lopes, ex-diretor do Banco Central.
O fato talvez mais preocupante é que o país poderá não suportar novamente um aumento de quase 80% no déficit em conta corrente, semelhante ao que ocorreu em 2010 (quando o número passou de 1,52% para 2,28% do PIB). Além disso, analistas já avaliam a posição dos países da América Latina como sendo mais vulnerável a possíveis crises do que em 2008. Sendo assim, uma fuga de capital estrangeiro nos dias de hoje poderia prejudicar mais do que o previsto a solidez da economia nacional. As perspectivas, infelizmente, são de que o déficit cresça ainda mais, o que torna urgente uma ação de arrocho fiscal do governo. Segundo Octavio de Barros, economista-chefe do Bradesco, o déficit em conta corrente deverá encerrar 2011 em 3% do PIB.
A grande contradição desta conta está no fato de justamente os investimentos estrangeiros considerados especulativos (ações ou títulos de curto prazo) serem vistos, atualmente, como os financiadores do crescimento do país. O dinheiro que entrava e saía, ao sabor do apetite dos traders, transformava o mercado brasileiro em uma montanha-russa freqüentada por bravos. Hoje, sua presença é tão constante e cumulativa que ajuda a transformar o real em moeda forte. Vilões transformados em heróis até o próximo vento soprar na direção contrária.