BRICs se impõem e G20 começa dividido
Alinhamento de países emergentes é obstáculo para plano dos Estados Unidos de pressionar a China (e seu câmbio artificial)
Desde a primeira semana do ano, lideranças têm se movimentado para unir forças em nome de um denominador comum: o bem individual de cada nação
Na noite desta sexta-feira, os ministros das finanças e presidentes de bancos centrais das vinte nações mais ricas do mundo (que representam 85% da economia mundial) reuniram-se em um jantar no Hotel Marigny, em Paris, para dar início, oficialmente, ao encontro do G20.
O jantar teve papel protocolar, pois as cartas já estavam marcadas. Desde a primeira semana do ano, lideranças têm se movimentado para unir forças em nome de um denominador comum: o bem individual de cada nação. Teoricamente, buscam-se soluções comuns para resolver os problemas que afligem a economia mundial. No entanto, tal objetivo é irreal, já que, na prática, cada país vive um momento econômico distinto e assimila os efeitos tardios da crise financeira de maneira diferente.
Como um consenso total é inatingível, os governos decidiram agir em blocos. Os Estados Unidos foram pioneiros neste processo. Em sua visita ao Brasil no final de janeiro, o Secretário do Tesouro americano, Timothy Geithner, encontrou-se com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e a presidente Dilma Rousseff para pedir apoio em seu embate velado com a China (e seu câmbio artificial). Após os acontecimentos desta sexta-feira, o único consenso é que Geithner fracassou.
Horas antes do jantar parisiense, os líderes dos países do BRIC – acompanhados de seu novo membro, a África do Sul – reuniram-se em um luxuoso hotel da capital francesa para confabular. O objetivo era obter um posicionamento alinhado e consistente a ser exibido no jantar e nos seminários do dia seguinte. A tomar pelas palavras de Mantega, a missão foi cumprida. “O bloco está caminhando para um consenso”, afirmou. Os três pontos de concordância foram: a criação de indicadores econômicos que apontem os desequilíbrios; a oposição ao controle dos preços dos alimentos; e a criação de uma cesta de moedas com mais influência do dinheiro emergente e menos dólares.
Segundo o ministro brasileiro, todos concordam que é preciso estabelecer um indicador que mostre a disparidade entre as economias – mas o problema é que ainda não se sabe qual. Mantega sugere que seja a conta de bens e serviços. Já os americanos preferem o saldo da balança comercial – algo que a China jamais concordaria, tendo em vista o colosso que representam suas exportações.
Já a ideia de fixar limites para os preços das commodities foi novamente execrada pelas comitivas chinesa e brasileira – que comandaram o tom do encontro dos BRICs. O ministro Mantega chegou, até mesmo, a lançar indiretas para a França e os Estados Unidos. “A questão básica é que os países avançados ainda não conseguiram se recuperar da crise. Aí ficam usando artifícios para querer controlar e diminuir a exportação do outro”, afirmou o ministro, que acredita que a alta dos preços resulta de um excesso de liquidez provocado por políticas monetárias. Mantega não chegou a falar, categoricamente, em ‘quantitative easing’ – a política norte-americana de recomprar títulos do Tesouro e injetar dólares na economia -, mas deu seu recado.
O aperfeiçoamento de uma cesta de moedas composta por divisas de vários países, sobretudo o yuan da China, parece ser o ponto em que maior consenso há – não só com os BRICs, mas também entre os próprios Estados Unidos e a França. Em um discurso proferido no palácio do Eliseu antes do jantar no Marigny, o presidente francês Nicolas Sarkozy alertou que a questão das moedas é mais relevante do que tentar encontrar indicadores de desequilíbrio econômico. “Não podemos desvirtuar o foco. O preço das commodities e a reforma monetária internacional são as principais questões que devem ser tratadas”, disse.
Sarkozy agradeceu publicamente ao governo chinês por ter convidado a França para ir até Shenzen no final de março para participar de palestras sobre o tema cambial, e ainda reiterou: “a emersão de novas potências econômicas conduzirá inevitavelmente à emersão de novas moedas internacionais. E é essencial para mim que, em 2011, entremos todos em um acordo sobre um programa de trabalho e a realização de reformas concretas nesse sentido”, disse. Diante do atual cenário – que mais parece uma briga em escala microscópica de ‘aliados’ e ‘eixo’ -, o acordo que Sarkozy tanto almeja não chegou até Paris.