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Brasil já perdeu — na prática — seu grau de investimento

Risco país e nível de endividamento bruto superam o de nações sem grau de investimento na escala da S&P, como Rússia e Turquia

Por Luís Lima e Eduardo Gonçalves
31 jul 2015, 15h53

Há alguns meses, o Brasil compartilha das mesmas mazelas macroeconômicas de países que deixaram de possuir o grau de investimento conferido pelas agências de classificação de risco, como Rússia, Turquia e Portugal. São elas: alto endividamento, incapacidade para gerar superávit primário (a economia para pagar juros da dívida), baixo nível de investimento, gastos públicos excessivos e inflação acima da meta. A isso se soma a instabilidade política, que adia a implementação do ajuste fiscal e, consequentemente, o processo de retomada econômica. Nesta terça-feira, uma das agências, a Standard and Poor’s (S&P), revisou para baixo a perspectiva da nota de crédito do país e deixou o Brasil a um passo de perder o selo de confiança. O castigo deve vir no começo do ano que vem.

Na prática, contudo, o rebaixamento já chegou. Como a reação do mercado é captada antes que a das agências, o risco de rebaixamento já vem sendo precificado há meses. “O que está em jogo é quanto de juros o Brasil precisa pagar a mais para que as pessoas comprem seus ativos. O que se sabe é que esse valor não é diferente do cobrado para países sem grau de investimento”, diz Alexandre Schwartsman, economista e ex-diretor do Banco Central (BC).

No clube dos rebaixados
No clube dos rebaixados (VEJA)

Para João Augusto de Castro Neves, diretor para América Latina da consultoria Eurasia, alguns efeitos dessa precificação são a oscilação no câmbio e a queda nos investimentos do país. “No segundo semestre, a volatilidade deve se acentuar. No horizonte, temos a continuidade das investigações da Operação Lava Jato, dúvidas sobre o impeachment, além da aprovação de ‘bombas’ fiscais por parte do Congresso”, diz. O dólar se valorizou 26% de janeiro a julho, enquanto os investimentos medidos pela Formação Bruta de Capital Fixo recuaram 6,9%, segundo os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes ao primeiro trimestre do ano na comparação com 2014.

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Não à toa, um levantamento recente do Bank of America Merrill Lynch mostra que o Brasil é o país emergente com maior risco de perder o grau de investimento. Segundo a pesquisa, realizada antes da decisão da S&P, 65% dos gestores ouvidos apostavam que o rebaixamento pode ocorrer nos próximos dois anos. Em outros emergentes, como África do Sul e Indonésia, os porcentuais são menores, de 55% e 20%, respectivamente. No caso da Turquia, que ainda tem grau de investimento nas escalas da Fitch e da Moody’s, a chance de perda do selo de bom pagador é de 50%.

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Consequências – A perda do grau de investimento pode trazer inúmeras consequências negativas nos próximos meses. Segundo analistas, deve haver impacto na volatilidade dos mercados de câmbio e ações, bem como a dificuldade para empresas públicas e, sobretudo, privadas obterem financiamento. Ou seja, o Brasil tende a estender a pecha de mercado arriscado às empresas mais expostas à dívida do governo – e, em última instância, até mesmo àquelas que não suscitam qualquer suspeita. “O custo de captação de recursos aumenta e, com ele, a possibilidade de um ajuste mais célere, o que alarga o horizonte da retomada. O impacto é significativo, ainda que não seja uma volta aos anos 1980”, explica Castro Neves, da Eurasia. Sem o grau de investimento, empresas e pessoas físicas terão de pagar juros maiores, o que também pode levar a cortes de investimento e empregos.

No mercado de capitais, onde as empresas se financiam, o efeito deve ser o adiamento de emissões de títulos de renda fixa e uma maior dificuldade para venda de ações previstas para este ano. No câmbio, o efeito deve ser uma maior desvalorização do real, que pode pressionar a já elevada inflação no país, que atinge o dobro da meta no acumulado em doze meses. O presidente da Austin Ratings, Erivelto Rodrigues, atenta para o risco de uma fuga de recursos estrangeiros do país. “Grandes investidores institucionais estrangeiros – como fundos de pensão e investimento – não podem aplicar dinheiro em países em grau especulativo. Este é um dos principais motivos que levam o Brasil a tentar reverter o atual cenário”, diz. Em 2015, o investimento estrangeiro direto, que mede a entrada de recursos no país para ser aplicado ao setor produtivo, recuou 32% no primeiro semestre deste ano, em relação a 2014, a 31 bilhões de dólares.

Apesar de a questão fiscal ser o principal fator de rebaixamento, é o setor privado que deverá ser mais afetado, na avaliação de Thomas Trebat, diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Columbia. Ele aponta que o setor público tem fontes alternativas de financiamento, enquanto o Brasil não possui um mercado de capitais suficientemente desenvolvido para financiar empresas privadas. “O governo ainda capta recursos no mercado doméstico, há muitos investidores dispostos a correr risco, e o país tem quase 400 bilhões de dólares de reservas internacionais”, explica. Indiretamente, no entanto, o governo também é afetado, já que, em tempos de ajuste, conta com o setor privado para alavancar a taxa de investimento e a capacidade produtiva do país.

Na visão dos analistas, o viés negativo por parte da S&P pegou o mercado de surpresa. Isso porque eles esperavam um movimento inicial da Moody’s, que visitou o Brasil recentemente, e o mantém em um degrau acima da S&P. Na escala da Moody’s, o rating do Brasil é Baa2, com perspectiva negativa, dois degraus acima do grau especulativo. Para a Fitch, o rating do Brasil é BBB, com perspectiva negativa, e também dois degraus acima do grau especulativo. Segundo os analistas, a maior probabilidade é de que essas agências sigam a S&P e reduzam a nota para o último degrau antes do ingresso para grau especulativo.

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O governo – e apenas ele – se diz confiante que o país não será rebaixado. Apesar de os números dizerem o contrário, integrantes do Palácio do Planalto contam com a revisão da meta fiscal, de 1,1% para 0,15% do PIB, para injetar uma dose de credibilidade no plano de voo para reorganizar as contas. Para os analistas, no entanto, trata-se de missão quase impossível em um cenário político hostil, com tensões entre partidos da base aliada retardando o ajuste fiscal, e os desdobramentos da Lava Jato tragando o governo para o centro do turbilhão de corrupção. A falta de coesão política, aliás, foi citada pela S&P como explicação para a mudança da perspectiva da nota para o campo negativo. Ao mesmo tempo, a agência considera os esforços atuais da equipe econômica para reverter o quadro, dando-lhe um voto de confiança mesmo que os indicadores digam o contrário. Prova de que a agência não olha apenas para os números, e sim para todo o contexto, na hora de decidir a nota. Fossem apenas os números, o grau estaria perdido.

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