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Bovespa paga o preço de sua exposição ao mundo

Com forte presença de empresas que exportam commodities e investidores estrangeiros, a bolsa brasileira reflete intensamente as oscilações internacionais

Por Beatriz Ferrari e Carolina Guerra
5 ago 2011, 11h15

Em uma quinta-feira marcada pelo pânico nos mercados financeiros, o índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa) registrou declínio de 5,72%. A abertura mais branda nesta sexta-feira, com alta de mais de 1% no início do pregão, não significa que o cenário é de calmaria – tanto que, pouco depois das 11 horas, o índice já caía. A oscilação da última quinta foi a segunda maior queda do mundo, atrás apenas da verificada no índice Merval (-6,01%), de Buenos Aires, e bem acima das baixas nas principais bolsas internacionais. No ano, o Ibovespa acumula perda de 23,8%, a mais elevada entre todas as praças financeiras. Mas se as expectativas para a economia brasileira são melhores que os cenários incertos previstos para Estados Unidos e Europa, por que a bolsa paulista está apanhando tanto? A resposta é que a Bovespa é bem mais internacional do que se supõe.

O Ibovespa tem em sua composição um peso muito maior de produtoras e exportadoras de commodities – itens básicos de origem agrícola ou mineral, como petróleo, ferro, soja, etc, que guardam estreita relação com os ciclos da economia global – do que os índices das bolsas dos países desenvolvidos. Enquanto quase metade da carteira da bolsa paulista é formada por empresas de commodities, no índice S&P 500, da Bolsa de Nova York, a proporção não é maior do que 20%.

“Como há uma perspectiva de desaquecimento mundial mais forte, por conta de risco de recessão nos EUA, os investidores começam a revisar a demanda por commodities para baixo. Assim, os papéis das produtoras destes bens começam a cair e puxar o índice geral para baixo”, diz Carlos Nunes, estrategista de renda varável do HSBC. De fato, só nesta quinta-feira, a ação preferencial da Vale, que responde por 11,6% do Ibovespa, cedeu 5,75%.

Outro fator, este bem brasileiro, intensifica esse movimento. Como os juros são altos no país, o mercado de renda fixa – que é composto por títulos privados e públicos, como aqueles negociados pelo Tesouro Direto – fica ainda mais atraente quando a bolsa despenca. Ou seja, uma alternativa para as ações está bem à mão – o que só acelera o declínio do Ibovespa.

“Se o investidor se sente desconfortável e não vê perspectiva na renda variável, acaba apostando na renda fixa”, diz Clodoir Vieira, economista da corretora Souza Barros. De acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), o Ima Geral – índice que mede a rentabilidade dos títulos públicos – ganhou 6,09% no ano.

Por fim, o desempenho ruim nesta quinta-feira foi aprofundado pelo que é conhecido no mercado como ‘efeito manada’. A saída de grandes investidores das bolsas, que já penaliza as ações, torna-se um incentivo a mais para que outros decidam vender seus papéis. Todos se movem, num ambiente de incerteza, para ativos considerados seguros, como os títulos do Tesouro americano (que até terça-feira, ironicamente, corriam o risco de dar calote), o ouro e o franco suíço.

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Perspectivas – Apesar da queda ininterrupta que já dura duas semanas, o índice da Bovespa está dentro do patamar que os analistas consideram sustentável, entre 50.000 e 55.000 pontos. Em outras palavras, a “correção” (movimento de queda) que hoje se verifica no país estaria com os dias contados. Poucos foram os especialistas ouvidos pelo site de VEJA que consideraram que as empresas brasileiras ainda estariam caras, como no ano passado. Já não há mais muita gordura para queimar.

Para Richard Wahba, executivo chefe do Banco Fator, a bolsa pode até se recuperar no curto prazo. “Assim que as empresas brasileiras começarem a divulgar seus resultados financeiros, elas poderão comprar suas próprias ações para a tesouraria. Como elas estão bastante capitalizadas, provavelmente vão fazer isso e esse movimento vai ajudar a sustentar a Bovespa”, prevê.

Fundamentos do Brasil – Fazer previsões para o médio prazo, no entanto, é mais complexo porque o cenário internacional é de grande incerteza. A questão é saber em que medida a ventania na Bolsa brasileira é sinal de que um furacão vindo do exterior se aproxima com potencial de causar estragos na “economia real”, e não apenas no setor financeiro.

Sobre a Bovespa é preciso fazer uma ressalva quanto à sua capacidade de ser uma bússola precisa da economia brasileira. Terceira maior do mundo, a bolsa paulista possuía capitalização (soma do valor de todas as companhias listadas) de 2,3 trilhões de reais em 2010. Pode parecer bastante, mas é um número tímido se comparado aos de outros mercados mais consolidados. Apenas uma das grandes bolsas americanas, a Nyse (Bolsa de Nova York), tinha dez vezes mais recursos no mesmo ano. A bolsa paulista tem apenas 384 empresas listadas, contra 2.836 companhias da Nyse – contabilizando nesta estatística apenas as corporações fundadas nos Estados Unidos. O Ibovespa reúne 61 empresas em sua carteira, com maior peso para produtoras de commodities. Já o S&P 500 conta com ações de 500 empresas americanas líderes em diversos segmentos. Por estes números, é possível inferir que o Ibovespa ainda não traduz com tanta precisão a realidade do país quanto se verifica com índices de nações que possuem mercados de capitais historicamente estabelecidos.

Ainda assim, a queda do Ibovespa pode ser, sim, considerada um indício da visão que investidores brasileiros e estrangeiros – que respondem por cerca de um terço da movimentação da Bovespa – têm sobre os fundamentos da economia nacional. “Nessas análises são levados em conta até mesmo índices de qualidade do sistema educacional e os níveis do gasto público, pontos fracos do Brasil”, diz Martin Walker, economista chefe da consultoria AT Kearney. Em outras palavras, a queda não deixa de embutir uma opinião sobre o grau de blindagem do país diante de uma crise que parece se aprofundar a cada minuto.

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Estamos preparados – Algumas características permitem inferir que o país possui condições para resistir a um forte abalo vindo do mercado externo, mas desde que, à semelhança do ocorrido em 2008, esse impacto não seja uma crise sem precedentes. A começar, o governo possui 348,5 bilhões de dólares em reservas internacionais – recursos que, em última instância, podem ser usados para turbinar a economia doméstica se esta desacelerar com força.

Outro ponto positivo é a relação de complementaridade que se formou entre a economia brasileira (exportadora de matérias-primas) e a chinesa (consumidora voraz desses produtos). A potência asiática, diante de uma eventual crise global, sofreria um abalo, mas é preciso lembrar que seu governo possui 3,2 trilhões de dólares em reservas – o que lhe confere a liderança internacional neste quesito – e costuma ser rápido em usá-las para salvar seu dinamismo. Foi graças a isso que os chineses continuaram a demandar produtos brasileiros em 2008 e 2009, ajudando a salvar o país de um tombo mais sério. A esperança é que, num momento em que EUA e Europa aprofundam sua política de restrição de gastos, empurrando para baixo a demanda mundial, a China possa contrabalançar esse recuo.

Por fim, ainda que o setor externo – composto do universo de empresas estrangeiras que compram produtos brasileiros, como minérios, produtos agrícolas, etc – tenha importância fundamental para o país, o PIB brasileiro é sustentado mesmo pelo ramo de serviços. Em resumo, uma abrupta queda das exportações, causada por uma recessão global, teria impacto direto naquela parcela da economia ligada à indústria ou à agricultura, cerca 30% do PIB. O restante seria afetado, mas de forma indireta. São os serviços que vem garantindo, nos últimos dez anos, a expansão do emprego e vem aumentando progressivamente sua participação no PIB. Os economistas argumentam, inclusive, que há um círculo virtuoso neste segmento. Seu próprio dinamismo interno acaba por gerar empregos e garantir aumento da renda, que, por sua vez, realimenta a expansão do próprio segmento.

Há boas razões para crer, portanto, que o país pode passar por mais uma turbulência sem que tenha de amargar fase de profundo desemprego e recessão. Os sinais apontam mais na direção de uma desaceleração do crescimento nacional – isto se as turbulências se resumirem à volatilidade nas bolsas e um crescimento pífio no mundo. Contudo, uma eventual quebra de uma grande economia europeia, como Espanha ou Itália, poderia arrastar toda a Europa para uma forte turbulência, com risco de desintegração da zona do euro. Os Estados Unidos, já com prognóstico de recessão, afundariam junto. Seria um cataclismo. Esperar um cenário róseo para o Brasil nestas condições seria, no mínimo, inocente.

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