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Nos bancos privados, juros menores não são para todos

Grandes instituições anunciam cortes nas taxas para não perder clientes aos bancos públicos. Por outro lado, já seguram o crédito com mais restrições

Por Anna Carolina Rodrigues e Naiara Bertão
20 abr 2012, 07h42

Dez dias atrás, quando o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal, reuniu-se com o alto escalão do Ministério da Fazenda para discutir a possibilidade de baixar os juros, poucos apostavam num resultado contundente. Àquela altura as instituições financeiras de capital público faziam estardalhaço nos meios de comunicação para divulgar linhas de crédito mais baratas a famílias e pequenas empresas. O Banco do Brasil (BB) e a Caixa Econômica Federal (CEF) agiam a soldo do Palácio do Planalto, que, preocupado em estimular a economia, não pensou duas vezes em intimar os “seus” a serem indutores da redução dos chamados spreads (diferença entre o custo de captação e de empréstimo no setor).

Portugal, enquanto esteve reunido em Brasília, fez exigências – a maioria delas legítimas – para baixar os juros. O governo não cedeu e saiu reclamando. O ministro Guido Mantega chegou a afirmar que a Febraban queria jogar a redução das taxas na “conta do governo”. Este ambiente belicoso, dias depois, cedeu espaço a uma sucessão de anúncios das instituições privadas. Um a um, HSBC, Santander, Bradesco e, por último, Itaú passaram a anunciar juros mais amigáveis para não perder clientes à concorrência estatal. Porém, mesmo que o movimento tenha sido marcante, é possível dizer que os bancos privados valem-se mais do marketing que de quedas efetivas dos juros.

O site de VEJA apurou que muitos dos clientes dos bancos, assim que ficaram sabendo dos juros menores, tentaram, sem sucesso, negociar as taxas em suas agências. Em alguns casos, como no Santander, gerentes do segmento pessoa física nem estavam a par das reduções. “Tenho recebido seguidos e-mails de clientes perguntando sobre as novas taxas, mas nada mudou internamente. Continuamos fechando operações com os juros de sempre”, afirma uma gerente de uma das maiores agências do banco espanhol em São Paulo.

Temerosas de que seus clientes fossem bater à porta da concorrência, as instituições correram para anunciar quedas nos juros sem que existissem estudos prévios para um movimento mais agressivo. Como resultado, as “tais” taxas menores estão disponíveis apenas àqueles clientes com renda média-alta, baixíssimo endividamento, que já investem em fundos de investimento do banco e que possuem com eles um relacionamento antigo. No HSBC, por exemplo, não basta ter conta salário no banco e ser adimplente. Para ter acesso a um crédito mais barato, os clientes devem investir em produtos do banco, tais como fundos ou seguros; não podem ter nenhum contrato de financiamento ativo na instituição; e ainda precisam de um avalista que seja correntista – alguém com renda suficiente para eventualmente arcar, em caso de atraso, com as parcelas do empréstimo que o tomador inicial almeja.

Temor da concorrência – Na avaliação do ex-diretor do Banco Central, Carlos Thadeu de Freitas Gomes, os bancos privados estão utilizando mecanismos para evitar uma eventual sangria em sua base de clientes. “Eles vão baixar muito pouco o spread – só o suficiente para reter esse cliente de bom relacionamento”, afirma. O spread bancário médio no Brasil está em torno de 34%. No México, por exemplo, esse número é de 5%. Nos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a média é de 4%. “Há muito espaço para baixar esse spread“, acrescenta.

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As grandes preocupações dos bancos privados são a inadimplência – que ocorre quando o cliente atrasa ou simplesmente para de pagar uma dívida – e o mercado financeiro. É importante lembrar que uma carteira de maus pagadores tem de ser computada no balanço do banco, influenciando diretamente os resultados e os retornos que darão aos acionistas. “A intenção é reduzir os juros para não perder o cliente, mas, por outro lado, segurar o crédito por meio de restrições”, afirma um funcionário do Itaú que não quis ter seu nome revelado. Só em 2011, um ano de crescimento econômico tímido (2,7%), os bancos brasileiros lucraram 14,5% a mais que no ano anterior.

Política da boa vizinhança – Na avaliação do professor Keyler Carvalho, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), os bancos tentaram reduzir juros, mas apenas de linhas já de baixo risco, como consignado e veículos – estes financiamentos, aliás, por oferecerem maiores garantias, já possuem juros abaixo da média de mercado. No total, a redução real será pequena. “Eles atenderam ao pedido do Planalto com dois objetivos: agradar ao governo e não perder a clientela”, afirma. Segundo Carvalho, essa será, no entanto, uma oportunidade única para que as instituições financeiras melhorem sua relação com os clientes inadimplentes, que podem tentar renegociar suas dívidas aproveitando possíveis taxas reduzidas. “Para diminuir o nível de inadimplência, eles deverão tentar negociar aqueles contratos que seriam ‘irrecebíveis’ com as taxas praticadas anteriormente”, explica.

Enquanto se mostram adeptos da política de “boa vizinhança” com o Planalto, os bancos privados fazem lobby para obter maiores garantias e redução dos riscos. Murilo Portugal, da Febraban, já havia distribuído, na reunião com a Fazenda, uma lista com sugestões para baixar os spreads. Mas as discussões não pararam por aí. “Os bancos privados estão pedindo como moeda de troca pelas medidas o declínio dos compulsórios e dos impostos, além da regulamentação do Cadastro Positivo de Crédito, que, de fato, permitiriam expressiva queda dos custos dos empréstimos e, consequentemente, forte decréscimo das taxas de juros”, explica Roy Martelanc, professor de finanças da FEA-USP.

Especialistas ouvidos pelo site de VEJA são unânimes em afirmar que, nos últimos anos, o governo – por meio do Banco Central – vem tocando uma agenda para impulsionar a competição entre os bancos, associada a medidas para mitigação dos riscos, de olho na redução dos spreads. As principais ações foram a Lei de Falências, a alienação fiduciária, a instituição do patrimônio de afetação, a criação da portabilidade de cadastro e dívida, a migração de conta-salário, etc. Os efeitos, no entanto, ainda se mostravam tímidos. Ante a enorme demanda por crédito de pessoas físicas e jurídicas, os bancos, em situação confortável, faziam vista grossa a essas mudanças. E nada de reduzir margens.

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Foi preciso que os bancos públicos sacudissem o mercado para que começassem a se movimentar. Entre a estratégia de marketing e as quedas mas expressivas, contudo, há distância considerável. O momento, ao menos, é favorável porque os índices de inadimplência perdem fôlego e, na visão do mercado financeiro, devem mostrar queda no final do ano – o que abrirá espaço para que os bancos privados sejam mais audaciosos na hora de reduzir juros. Caberá, no entanto, ao governo fazer as reformas necessárias para tornar este processo ainda mais rápido.

Leia mais:

Leia mais: Só intimar o BB e a Caixa a reduzir juros não basta

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