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“As operadoras se descuidaram”

Presidente da Anatel avisa que novas punições às empresas de telefonia móvel não estão descartadas. E quer que lição sirva para outros segmentos do setor, como o de serviço de internet e de TV por assinatura

Por Gabriele Jimenez
16 set 2012, 16h35

“O que estamos dizendo às empresas é: se quiserem oferecer serviços de internet e de voz ilimitados, ou dar descontos e bônus agressivos, terão que investir na rede e na qualidade para dar contrapartida ao que oferecem”

À frente da Agência Nacional de Telecomunicações desde novembro de 2011, o economista João Rezende tem a missão de colocar o serviço de telefonia móvel de volta nos trilhos. Para isso, vem adotando medidas como a que, em julho, temporariamente proibiu Oi, Tim e Claro de vender chips nos estados onde receberam a pior avaliação dos usuários. Em entrevista a VEJA, Rezende apontou a falta de investimento em infraestrutura por parte das empresas como a causa principal dos problemas recorrentes na telefonia celular e ameaçou: ou elas investem em melhorias na qualidade de seu serviço ou sofrerão novas punições. Em tempo: o celular pessoal do presidente da Anatel é da nanica Sercomtel, operadora de Londrina com menos de 1% de participação do mercado. “Também enfrento problemas de sinal às vezes”, confessa.

O Brasil tinha 15 milhões de linhas telefônicas em 1995. Hoje tem 320 milhões. Estávamos preparados para um aumento dessa ordem?

No processo de privatização, a telefonia fixa foi universalizada e, hoje, apesar de problemas pontuais em uma ou outra região, ela é considerada satisfatória. No caso do serviço móvel, que nasceu com cerca de 3 milhões de celulares e hoje tem 256 milhões, o crescimento do número de usuários não foi acompanhado por um aumento nos investimentos. E esse descompasso trouxe problemas de qualidade.

Que problemas?

A ausência de sinal em alguns lugares e a ineficiência nos serviços de atendimento ao cliente, como os call centers, que não resolvem as queixas dos usuários. Todos nós já experimentamos um sentimento de frustração ao falar com um atendente que deveria ajudar, mas não o faz. Para se ter uma ideia, no ano passado a Anatel recebeu quase 6 milhões de chamados em seu call center. Isso acontece porque as pessoas não conseguem resolver seus problemas nas empresas, e, por isso, recorrem a nós. O problema principal é o alto índice de queda das chamadas. Foi esse o indicador que nos levou a tomar a decisão de punir as empresas há dois meses, quando paralisamos temporariamente a venda de chips. O tolerável é que esse problema ocorra a cada duas chamadas, dentre 100. Em alguns casos, como o da TIM, de cada 10 ligações, 7 não eram completadas. Isso é inaceitável.

A TIM fazia isso de propósito?

Ainda não sabemos e estamos aprofundando as investigações. Se elas indicarem que se tratava de uma ação proposital, teríamos um desvio de conduta absurdo.

Os problemas que o senhor cita não são problemas novos. Por que a Anatel só agiu agora?

Durante um ano, acompanhamos a deterioração dos serviços. A decisão de proibir as vendas não é uma medida fácil de ser tomada. Ficamos um mês discutindo qual seria o melhor caminho. Mas o serviço vinha piorando muito ao longo do último ano. Achamos que era a hora de agir.

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As empresas alegaram que a punição foi dura demais.

De fato. Mas tomamos essa medida porque ela tinha um caráter pedagógico. Poderíamos ter aplicado multas, e a Anatel faz isso desde que nasceu, mas achamos que essa era uma forma de deixar claro para as empresas que elas precisam focar em resolver os problemas e prestar um serviço de qualidade. A Anatel não quer fazer o papel de carrasca, mas não podemos nos omitir diante dos problemas. E as empresas não vinham cumprindo os cronogramas que estabelecíamos para a resolução dos problemas. Elas precisam compreender que têm responsabilidades com seus usuários. A Anatel emitiu um sinal que serve de aviso para outros segmentos do setor, como o serviço de rádio provido pela Nextel e as TVs por assinatura.

Mas as punições funcionam?

Veja o caso do Speedy em 2010: quando houve uma crise de qualidade, a venda foi paralisada pela Anatel. Com isso, houve uma melhora significativa no serviço prestado, que hoje já não é mais alvo de tantas reclamações. É evidente que os problemas não serão resolvidos num passe de mágica. E a cobrança do consumidor é importante – ninguém quer perder clientes. Nesse caso, a medida que tomamos mexeu com a imagem das empresas. E elas devem saber que as reclamações chegam à Anatel, que isso não ficará inerte. Em relação às quedas de chamadas, por exemplo, determinamos que, se sua ligação cair, você pode ligar de volta em até dois minutos sem pagar nada. Daremos um prazo para as empresas implantarem essa medida e vamos exigir que isso seja cumprido. Evidentemente, trata-se de uma medida paliativa. Nosso interesse é que a chamada não caia.

E o que está sendo feito para resolver esses problemas de uma vez por todas?

Antes de liberar a venda de novo exigimos um plano de investimentos de cada empresa. E a cada três meses faremos uma avaliação para saber se o nível da qualidade do serviço melhorou. Além disso, novas punições não estão descartadas, inclusive com uma nova paralização das vendas. Mas é evidente que esperamos que uma medida dessas não seja necessária novamente. A causa dos problemas é a falta de infraestrutura. As empresas precisam investir no aumento de suas redes. Estou me referindo à construção de torres de transmissão e de linhas de longa distância, por exemplo. Esse esforço é absolutamente necessário para que a base de assinantes de uma empresa cresça sem comprometer a qualidade do serviço. Fazer esses investimentos é responsabilidade das operadoras.

E por que elas não estão cumprindo com essa responsabilidade?

Elas alegam que há entraves burocráticos, como as legislações de alguns municípios, que criam regras complexas e acabam dificultando a construção de novas torres em seu território. Concordamos que essa questão deve ser discutida e a punição da Anatel suscitou debates sobre a necessidade de se criar uma legislação federal para a instalação de antenas – já há projetos no Congresso tramitando em relação a isso. Mas, do ponto de vista do órgão regulador, os investimentos têm que ser feitos de qualquer maneira, à medida que a base de assinantes cresce. É uma regra comum a qualquer setor do comércio. Se você tem um restaurante e passa a receber mais clientes, você precisa aumentar o número de mesas, funcionários e garçons. É uma coisa natural. As empresas se descuidaram nessa questão e a Anatel recolocou isso no centro do debate. Queremos que elas entendam que a eficiência não compreende só o retorno do acionista ou o número de linhas vendidas, mas também a qualidade de atendimento ao usuário.

As empresas de telefonia celular estão mentindo para o consumidor?

Eu não diria isso, mas elas não podem criar falsas expectativas, anunciando serviços que não conseguem prover. A Anatel não quer se intrometer na estratégia comercial das empresas. Isso seria um tipo de intervenção excessiva. Mas, o que estamos dizendo a elas é: se quiserem oferecer serviços de internet e de voz ilimitados, ou dar descontos e bônus agressivos, terão que investir na rede e na qualidade para dar contrapartida ao que oferecem.

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Elas estão vendendo mais do que podem aguentar?

Algumas empresas, às vezes localizadamente, às vezes generalizadamente, estão. Sabemos que há uma demanda crescente sobre o mercado de telecomunicação, principalmente por conta da expansão das classes C e D. Veja o caso das TVs por assinatura: hoje, temos 3 milhões de novos assinantes a cada ano. A expectativa é que 40 milhões de domicílios tenham essa tecnologia em casa nos próximos seis anos. No caso da telefonia móvel, hoje há apenas 70 milhões de celulares com internet – os outros 190 milhões ainda são clientes em potencial. Portanto, o mercado brasileiro é muito atrativo para investimentos. E é claro que queremos que o mercado cresça. Mas não sem qualidade. E estamos fiscalizando as empresas para saber se as melhorias ocorrerão de fato.

A Anatel tem ficais em número suficiente para essa tarefa?

Hoje temos 700 pessoas fazendo esse trabalho em todo o Brasil. Mas eu diria que precisamos muito mais de tecnologia do que de gente. Estamos investindo na modernização de nossos processos de fiscalização, pois temos metas a cumprir para a Copa do Mundo, como dar cobertura 4G às cidades da Copa. Aliás, vamos receber 175 milhões de reais do G-Copa para ajudar nessa questão.

Não é precipitado falar em tecnologia 4G quando ainda temos problemas graves com o 3G?

A obrigação da implantação do 4G é também uma forma de dizer às empresas que elas precisam resolver os problemas do 3G imediatamente. O compromisso inclui oferecer o 3G aos 1.200 municípios brasileiros que ainda não o tem. E acreditamos que a tecnologia 4G estará em funcionamento a tempo – essa é uma obrigação contratual que as operadoras têm com a Anatel. Caso a implantação não ocorra, podemos até executar a garantia do contrato, que chega perto de 7 bilhões de reais. Mas não acreditamos que isso será necessário. Esse é um mercado atrativo porque cada vez mais as pessoas querem usar aplicativos e acessar as redes sociais nos celulares. O Brasil tem um grupo de consumidores interessadíssimos em tecnologia. É um grupo de pessoas que pensa móvel. Ninguém sai de casa para o trabalho sem celular. As pessoas sequer se imaginam sem ele. E a chegada da internet trouxe um processo irreversível a esse mercado. Com a revolução tecnológica que se aproxima, o Brasil pode chegar a ter um bilhão de dispositivos móveis. Nesse cenário, carros e geladeiras terão chips. Há infindáveis aplicativos por vir. As empresas não querem nem podem ficar de fora.

Quanto é preciso investir para implantar novas tecnologias e sanar os problemas?

Considerando o setor de telecomunicações como um todo, as empresas precisem investir 380 bilhões de reais nos próximos dez anos para evitar que tenhamos crises recorrentes. O governo tem ajudado com desonerações para investimentos em redes novas. E a Anatel vai incentivar um maior compartilhamento de infraestrutura entre as operadoras de telefonia celular.

Como?

Criamos um plano que vai obrigar as empresas que detêm poder de mercado significativo a compartilhar sua infraestrutura com outras companhias – claro que não de graça. Vamos incentivar o compartilhamento de dutos, canaletas e postes, por exemplo. Isso daria mais eficiência às redes existentes.

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Essa medida não pode ser considerada injusta para as empresas mais bem equipadas?

Repito: isso não seria de graça. A empresa detentora da infraestrutura pode cobrar das que não detêm. Elas também poderiam fazer trocas: uma usaria a instalação da outra em uma região em troca de fazer o mesmo em outro local. Já existem empresas construindo linhas de transmissão de dados que vão de São Paulo a Manaus em conjunto. É importante que elas maximizem o uso de seus recursos, inclusive fazendo alguns investimentos consorciados. Em municípios onde há dificuldades de instalação, o ideal seria que as empresas construíssem, em consórcio, uma torre com várias antenas. Esse não é um caminho fácil, mas é necessário para que elas consigam preencher algumas lacunas. Não estamos falando de uma empresa doando para outra. O mais importante é que elas deixem de ser resistentes em relação a isso e passem a enxergar que essa medida pode ser a solução para muitos problemas.

Ter mais competidores também ajudaria?

Hoje temos cinco empresas de telefonia celular disputando clientes – há muitos outros países com menos. Mas é claro que há nações com serviços de telefonia melhores do que os nossos, como a Espanha e a França, por exemplo. Mas já temos uma competição saudável, o que não quer dizer que a Anatel não possa atrair novos investidores para o mercado no futuro, para atuar em outras frequências.

Quantos celulares o senhor possui?

Dois: um da Claro, que é corporativo, e um da Sercomtel, uma empresa de Londrina da qual fui presidente. Mas, como todo mundo, de vez em quando também enfrento problemas de sinal.

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