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Adams admite: ‘pedaladas’ nunca foram tão frequentes como em 2014

Escalado para defender a presidente Dilma Rousseff em relação às irregularidades nas contas do governo, advogado-geral da União conta ao site de VEJA os principais argumentos que apresentará ao Tribunal de Contas da União (TCU)

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 18 jul 2015, 14h39

Ao longo da última semana, o advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, mal pisou em seu gabinete. Incumbido da difícil tarefa de explicar as irregularidades nas contas da presidente Dilma Rousseff de 2014, apontadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), Adams passou os últimos dias tentando convencer parlamentares de que não houve desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) nas chamadas “pedalada fiscais”. Reuniu-se com a presidente Dilma na segunda; falou a senadores e deputados na terça; discursou na CPI da Petrobras na quinta. Em entrevista concedida ao site de VEJA, o ministro até brincou que não estava sobrando tempo para fechar o texto de defesa da presidente, que deve ser entregue ao tribunal até o dia 22 julho (próxima quarta-feira).

Apesar de Adams se dizer “confiante” na aprovação das contas, o jogo está bem longe de estar ganho. Os votos dos ministros do TCU ainda estão no campo da incerteza. Mas, caso a reprovação se confirme, a presidente estaria diante de um fato inédito. E a oposição encontra aí uma possibilidade de argumento jurídico para dar respaldo a um processo por crime de responsabilidade e, por consequência, um pedido de impeachment.

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Ao site de VEJA, Adams explicou como será a estratégia da defesa: o argumento principal versa sobre a atuação do Tribunal em outros casos de pedaladas. Segundo o advogado-geral da União, o TCU não considerou tais manobras ilegais em anos anteriores. Por isso, dirá que não faz sentido rejeitá-las agora. E se houve mudança de jurisprudência, que ela passe, então, a valer a partir do próximo ano, quando o governo já estiver avisado. O ministro reconhece, contudo, que, no ano passado, elas ocorreram de forma mais intensa, mas refuta a interpretação de que configuram operações de crédito – a LRF veta empréstimos concedidos pelos bancos públicos à União.

Esta não é a primeiro caso incômodo que o governo passa para Adams resolver. Petista histórico, ele foi nomeado pelo seu xará, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ela está no cargo desde outubro de 2009, quando entrou no lugar de José Dias Toffoli, hoje ministro do STF. Foi ele o responsável por defender a Presidência na questão da compra de Pasadena, na construção da usina de Belo Monte em problemas envolvendo o Mais Médicos e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Em 2012, o seu cargo à frente da AGU foi contestado após a Operação Porto Seguro da Polícia Federal indiciar o número 2 da pasta, José Weber de Holanda, por suspeitas de ter recebido propina para produzir pareceres que beneficiavam empresários. Ele sempre negou as denúncias de envolvimento, que depois foram arquivadas pelo Ministério Público Federal (MPF).

Qual será o principal argumento da AGU para explicar as treze irregularidades? Trabalhamos basicamente com quatro blocos. O primeiro tem a ver com a questão dos repasses para os bancos públicos (as conhecidas “pedaladas”). Os pagamentos sempre se deram por prestação de serviços da Caixa. Nunca se cogitou envolver alguma operação de crédito. Tanto que a Caixa, nos últimos anos, vem adotando a mesma temática: a existência na execução de contrato de situações em que o saldo do depósito que a União faz não atende à própria despesa. Trata-se de um fluxo, no qual eu deposito num dia X e esse depósito adiantado é progressivamente reduzido pelos pagamentos que a Caixa faz. Em determinados períodos, ele pode ficar negativo, e a Caixa continua fazendo os pagamentos. É a mesma lógica de atividades do setor de serviços: a empresa contratada continua prestando o serviço para o qual foi contratada, mesmo sem o pagamento prévio. E por causa disso ela tem direito a uma remuneração. Até o TCU pratica isso. Eles (o TCU) têm o caso de uma contratação de serviço público, no qual a empresa contratada realizou o pagamento necessário por contra própria. E o TCU remunerou a empresa na ordem de 6% de juros capitalizados diários. É uma sistemática comum nos contratos de prestação de serviços.

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Emprestar dinheiro a juros é uma operação de crédito, como fez a Caixa ao pagar benefícios sociais. Neste caso, nós temos um fluxo de caixa que é duplamente remunerado, tanto a favor da União como a favor da Caixa. Esse fluxo só se estabelece porque a Caixa, ao receber o valor pactuado, acaba ganhando com isso. Depositamos 80 bilhões de reais na Caixa para o pagamento de benefícios sociais. No pior período, tivemos um “default” de 6% disso, algo em torno de 5 bilhões de reais. Como o valor foi reposto, o saldo médio do ano por dia desse depósito foi de 1,5 bilhão de reais positivo para a Caixa. Então, do ponto de vista financeiro, a Caixa não perdeu, porque ela tem sempre um saldo positivo. Operação de crédito seria, na verdade, se ela tivesse transferido capital para a União e o governo estivesse pagando juros para a Caixa, e não o contrário. Se eu oferecesse isso ao mercado, duvido que na mesma operação não vinha o Bradesco, o Itaú; todo mundo iria querer. Qual banco não quer um depósito a uma taxa extra de mercado que é baixíssima para receber 80 bilhões de reais da União, quase a custo zero. E a Caixa só recebe isso porque é um banco público.

O senhor diz que essas manobras acontecem há bastante tempo. Pode dar exemplos concretos? Identificamos operações desde maio de 2000, quando a LRF entrou em vigor. Por exemplo, naquele ano, a União deixou a Caixa em default (atraso) em 6,5% do que ela deveria ter pago. É quase a mesma coisa do que aconteceu em 2014, que foi (um atraso) de 6,95% (do que deveria ter sido depositado). Nessa sistemática, nós temos de trabalhar com o conceito. De fato, em 2014, tivemos um número maior de incidência, ao contrário de outros anos. Isso é fato, não vou negar. Mas também é fato que o conceito para caracterizar operação de crédito tem a ver com o entendimento de que, quando a Caixa paga em valores a descoberto – ou seja sem o depósito prévio -, ela está pagando com capital próprio. Portanto, está fazendo uma operação de crédito, o que vale para um, dois, 20 ou 30 dias. É como em um cheque especial, para usar a mesma palavra que o TCU deu. Mas nós não vemos isso, porque o resultado financeiro desse fluxo foi um saldo positivo para a Caixa.

Uma irregularidade deixa de ser irregularidade por ter sido cometida no passado? O que nós vemos é se essa sistemática de pagamento sempre existiu. Se está errada, não tem problema. Que venha o apontamento, nós alteramos a prática e não fazemos mais, como já fizemos em outras situações no passado. Agora, é diferente você penalizar algo que foi submetido a advertências prévias, que não ocorreram. O TCU já fez auditorias no Bolsa Família, no seguro desemprego, abono salarial, e na própria Caixa. Em todas essas auditorias, nunca viu irregularidades nos contratos. O TCU nunca viu problema. Ora, esse posicionamento em relação a esses contratos sinaliza que eles são regulares. Se eu olho o contrato e digo ‘isso regular’, significa que o cenário está correto. Então, não dá para criar agora um conceito de operação para justificar uma penalização específica.

Por que o TCU fez esses apontamentos só agora? Eu acho que por ter tido uma incidência maior, chamou atenção, o que fez com que o TCU revisitasse o tema. Não tem problema, é natural que isso aconteça, a revisitação. Mas não vou negar que o clima político não tenha interferido. Primeiro, porque ele existe e há um desejo de setores dos partidos que isso se traduza em uma condenação. Isso tem sido dito publicamente e gerado expectativa. E de certa maneira tenta influir no tribunal de contas.

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O senhor quer dizer que, se o tribunal recomendar a rejeição das contas, esta seria uma decisão política? O que eu acho é que o tribunal tem de explicar minimamente por que não está considerando e dialogando com a jurisprudência anterior. Se ele não dialogar com isso, ele está apontando a possibilidade de haver casuísmo por julgar isoladamente do resto.

O governo continua pedalando? Neste ano, não. Só em um ponto que nós temos discordância com o tribunal, no caso da equalização das taxas de juros do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que seria uma espécie de empréstimo à União e passível de contabilização como dívida, segundo o TCU. Nós entendemos que isso não é operação, mas subvenção econômica, prevista em lei e cuja forma de pagamento está prevista em lei. Nesse caso, o tribunal está desconsiderando a própria lei

O relator do processo, ministro Augusto Nardes, afirmou que as irregularidades só foram detectadas agora porque a estrutura do tribunal melhorou nos últimos anos. Como o senhor vê isso? Eu acho ótimo. Tudo bem. É importante evoluir e, se evoluiu, ótimo. Mas quando você vê um fato que você não viu, e que antes deu como regular, você muda para o futuro. Em relação a isso, nós não temos divergência. Isso é do jogo. Já aconteceu no passado. Acatamos as ressalvas, incorporamos-nas nas contas públicas, e pronto. Agora, outra coisa é: ‘agora eu mudei e vou rejeitar’.

A AGU pensa em recorrer ao Supremo se o TCU reprovar as contas? Não, não cogitamos nada nesse sentido. Chegou a haver esse debate. Mas eu acho que o tribunal está tendo a cautela e o cuidado de julgar isso de forma ponderada e imparcial. Portanto, eu não vejo elementos para fazer qualquer questionamento.

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A Presidência já espera uma derrota na aprovação das contas? Eu não espero derrota nenhuma. Estou absolutamente confiante na questão que nós estamos levantando. Existe muita especulação sobre a decisão do tribunal. Mas não tem nenhum fundamento. Eu tenho trabalhado muito e nós vamos entregar as informações. Depois, vamos conversar com os ministros. Aliás, já estamos conversando. E acreditamos que o tribunal vai tomar uma decisão adequada e equilibrada.

Mas o ministro relator já se pronunciou contrário à aprovação das contas com base no parecer. Ele [Augusto Nardes] expressou as questões associadas à área técnica. Ele mesmo, quando declarou seu voto, disse que não tinha condições de deliberar, porque ele não pode antecipar o voto. Evidentemente, eu credito que essa dimensão técnica será observada. Tenho confiança na competência técnica e no cuidado de que os ministros, inclusive o relator, têm sobre a matéria.

O filho do presidente do TCU, Aroldo Cedraz, foi citado na Operação Lava Jato como “facilitador” de negócios junto ao tribunal. Essa denúncia corrói a imagem do Tribunal justamente no momento de um julgamento crucial para o governo? Não acho isso. Eu não conheço e nem tenho nenhuma relação com o Tiago (Cedraz, filho do presidente do TCU). Mas conheço bem o Aroldo Cedraz. Sempre o tive como uma pessoa muita séria, responsável, assim como o ministro Raimundo Carreiro, que também foi citado. Eu acho que os dois terão plenas condições e deverão esclarecer todo e qualquer ponto que venham a ser chamados. Eu pessoalmente não vejo nenhum impedimento para que o tribunal julgue com toda qualidade o que tiver de julgar. Nós não podemos sair julgando as situações precipitadamente.

Mas já foram apresentadas algumas provas, como uma planilha que mostra que Cedraz recebeu dinheiro da UTC. E já se sabe que ele teve uma carreira ascendente justamente em casos envolvendo o tribunal. Isso não é estranho? Eu não vi nenhuma prova. Estou lidando com o que eu li no jornal, que existe uma delação, da qual eu não conheço e não li. Não sei. Então, eu vou aguardar.

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Como senhor avalia o fato de a oposição querer usar uma eventual reprovação das contas para fundamentar um pedido de impeachment? Isso não tem fundamento. O processo de reprovação das contas tem como consequência no máximo uma situação de inelegibilidade. Isso já esta previsto em lei. Agora, extrair do caso uma cassação, já é falso fundamento. Na questão dos atrasos nos repasses, o próprio tribunal de contas sequer viu qualquer envolvimento da presidente nesse caso. A presidente não teve participação no processo decisório. Eu não acredito que haja base. Por mais que esse processo tenha um fundamento político, o argumento técnico não se sustenta.

E se de fato o TCU recomendar a reprovação das contas. O que vocês vão fazer, quais vão ser os próximos passos? Tenho conversado bastante com o Congresso. Os argumentos têm sido compreendidos e, inclusive, bem aceitos. Eu acho que o tema hoje não está tão contaminado como esteve no passado. Hoje está bem mais claro. Por isso, tem de haver o debate técnico. A única forma de limpar esse processo é lidar com fatos, e os fatos estão aí. Eles mostram que não existe razoabilidade nessas versões radicais que têm sido vocalizadas.

O texto de argumentação da defesa já está pronto? Ainda estamos fechando. Está tudo tão corrido, que não tem dado tempo de trabalhar.

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