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A turnê europeia do renminbi

Para o economista da Universidade da Califórnia, em Berkeley, Barry Eichengreen, a tentativa da China de expandir a abrangência de sua moeda na Europa é louvável, porém, ainda insuficiente

Por Barry Eichengreen
25 jul 2014, 14h23

Responsáveis europeus e chineses fizeram dois anúncios notáveis nas últimas semanas. Em 18 de Junho, a segunda maior instituição financeira chinesa, o China Construction Bank, foi designada como o banco de compensação oficial para a moeda chinesa, o renminbi, em Londres. No dia seguinte, a sucursal de Frankfurt do Banco da China, o maior banco comercial do país, recebeu a mesma designação para a zona euro.

Ambas as declarações foram recebidas com entusiasmo. O Chanceler britânico George Osborne descreveu a criação de um banco de compensação em Londres como sendo de “extrema importância” para o futuro financeiro da cidade. Joachim Nagel, do Bundesbank, elogiou a declaração do Banco da China, declarando que representa “um marco no caminho para a criação de um centro de transação comercial do renminbi em Frankfurt”.

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Este tipo de declaração entusiasmada por parte de representantes europeus não é uma surpresa, dado o seu desespero por boas notícias, independentemente da procedência. Deveríamos, nós também, dar atenção a esse fato? Afinal de contas, os bancos, as empresas e até os cidadãos já podem adquirir renminbis com as suas libras e euros. Há muito tempo que várias instituições financeiras a nível local ou em Hong Kong estão prontas para prestar este serviço.

A única diferença é que os dois grandes bancos chineses terão a possibilidade de, no âmbito das respectivas operações comerciais em Londres e Frankfurt, adquirir renminbis na China quando os seus clientes estrangeiros assim o exigirem. O Banco Popular da China (PBOC) aplicará uma quota para este efeito. A disponibilização de renminbis aos clientes por parte dos restantes bancos está limitada à licitação da oferta fixa que circula offshore. Este fato aumenta os seus custos e limita a procura dos seus serviços.

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Desta forma, ao permitir que dois bancos de compensação possam ter acesso ao renminbi, as autoridades chinesas estão subsidiando efetivamente as suas operações de Londres e Frankfurt e incentivando a troca direta de libras esterlinas e de euros.

Mas não seria prudente a aposta, por parte de Londres e Frankfurt, num crescimento rápido das suas transações em renminbis. Na sua mais recente pesquisa sobre mercados cambiais, realizada em abril de 2013, o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) constatou que as transações renminbi‑dólar atingiram uma média de 113 bilhões de dólares por dia, enquanto as transações diretas de renminbi-euro totalizaram apenas 1 milhão de dólares, e as transações renminbi-libra esterlina registaram valores ainda mais baixos.

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Em termos práticos, quando os europeus querem comprar moeda chinesa, utilizam euros e libras para comprar dólares, utilizando depois esses dólares para comprar renminbis. Tal atitude reflete o fato de o mercado dos ativos denominados em dólares ser extraordinariamente vasto e líquido, o que limita os custos das transações. Em outras palavras, a prática europeia é demonstrativa do “privilégio exorbitante” do dólar como única moeda global verdadeira, livremente aceita pelos agentes de câmbio e investidores na China e em todo o mundo.

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Os responsáveis chineses estão provavelmente convencidos de que esta situação irá mudar ao longo do tempo. Quando os bancos oferecerem novos ativos denominados em renminbis, um número maior de clientes será atraído ao mercado, aumentando assim a liquidez e reduzindo os custos de transação associados à compra de renminbis em moedas europeias. O papel assimétrico do dólar será substituído. Nessa altura, o renminbi, o euro e a libra esterlina desempenharão um papel importante a nível internacional.

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Assim, a decisão de designar bancos de compensação para o renminbi em Londres e em Frankfurt constitui, sem dúvida, mais um passo por parte da China no sentido de promover o surgimento de um sistema monetário internacional com várias moedas globais, e não apenas uma. É um passo certo no sentido de garantir uma melhor adequação entre a nossa economia global multipolar e o respectivo sistema monetário e financeiro – e, por conseguinte, um passo no sentido de acabar com a dependência da economia mundial face ao dólar, que tem sido objeto de reclamação por parte dos responsáveis políticos europeus e chineses desde o início da crise financeira global, em 2008.

Contudo, é apenas um passo. Os mercados líquidos e profundos não são construídos em um dia. Em junho de 2013, quando o Banco Popular da China optou, inesperadamente, por uma política monetária mais rigorosa, as taxas de juros internas interbancárias dispararam para 25%. Consequentemente, mesmo que a quota permita que o banco de compensação offshore tenha acesso a financiamento na China, não garante que esse financiamento possa ser obtido a um preço razoável.

Além disso, se surgirem problemas financeiros na China, poderá verificar-se um aumento das saídas de capital. Os responsáveis chineses podem, então, ser forçados a restringir as quotas disponibilizadas aos bancos de compensação. A vítima nesta situação seria a liquidez de mercado.

Também podemos questionar qual será a dimensão do apetite dos investidores europeus por ativos financeiros denominados em renminbi. No passado, a procura relativa a tais ativos foi alimentada pela expectativa de que o renminbi continuaria a valorizar-se. Se o crescimento chinês diminuir, é bem possível que tais expectativas se dissolvam.

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Não há dúvida de que, com o tempo, o renminbi vai adquirir um papel internacional mais relevante. A tecnologia financeira do século XXI facilitará as transações diretas em relação a um conjunto de diferentes moedas, eliminando a necessidade e o hábito de se efetuarem quase todas as transações internacionais através do dólar. Em última análise, esta situação representará o fim do “privilégio exorbitante” norte-americano. Contudo, esta mudança não vai acontecer agora, tampouco no futuro próximo.

Barry Eichengreen é professor de Economia e Ciências Políticas da Universidade da Califórnia, em Berkeley

(Tradução: Roseli Honório)

​© Project Syndicate, 2014

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