A saga por um ferro de passar na Black Friday
Na Casas Bahia do centro de São Paulo, foi preciso organizar até 'reunião de cúpula' para acalmar os ânimos dos clientes que ficaram sem o produto
A gerência abriu as portas às 6h da manhã. Escaldada, a equipe que comanda a unidade da Casas Bahia na Praça Ramos, no centro de São Paulo, sabia que seria melhor antecipar a abertura da loja, prevista originalmente para 7h, a enfrentar eventual tumulto de consumidores impacientes. A loja é um tradicional ponto de peregrinação de quem tenta aproveitar as promoções da Black Friday, data de descontos do varejo organizada anualmente no mês de novembro. Em edições anteriores, os consumidores chegaram a colocar as portas da loja abaixo.
O chamariz da vez era um ferro de passar roupa à vapor, da marca Black & Decker, que estava à venda por 9,90 reais. O movimento na loja nos primeiros momentos de abertura foi tranquilo, com clientes apenas circulando pelos corredores. Mas foi questão de tempo para que o ferro de passar se esgotasse. A ajudante geral Zilda – ela informou apenas seu primeiro nome – comprou dois e pagou em dinheiro. O casal Ana Paula e Péricles comprou quatro. Eles vão usar os ferros para presentear familiares e entregar a quem eles tirarem nas rodadas de amigo secreto de fim de ano. Eles levaram ainda duas torradeiras e duas cafeterias. Pagaram à vista no cartão de crédito.
A loja, de dois andares, teve durante toda a manhã um movimento fraco no piso superior, onde fica a seção de móveis. O movimento maior era no térreo, de eletrônicos, eletrodomésticos – e do esgotado ferro de passar. “Como é que eles fazem propaganda de celular e ferro se já não tem mais?”, indagou, com revolta, a consumidora Rosemeire, mais uma que, na pressa de tentar levar algo, não informou seu sobrenome ao site de VEJA.
Paulo César, que foi caçar barganhas, perdeu a paciência. “Eles colocam algumas promoções só para chamar atenção”, diz o vendedor, que foi à loja em busca de um micro-ondas, uma televisão e – claro – de um ferro de passar, mas que saiu de mãos abanando. “As lojas fazem comercial em televisão para o povo vir e acaba o estoque.”
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Sem ferro e sem esmalte – “Eu deixei de fazer as unhas para comprar esse ferro”, lamentou Sonia Sila de Almeida. “Cheguei aqui e não tem mais.” A técnica de enfermagem deixou sua casa em Itaquera, na zona leste da cidade, para tentar, no Centro, comprar o ferro anunciado na TV. Não foi dessa vez – e ela ainda perdeu a sessão de manicure. A auxiliar de limpeza Marilene Leite chegou à loja às 6h45 para comprar o ferro antes de ir trabalhar. Ela teve sorte, mas não saiu sem se queixar. “Eu até queria comprar mais, mas só tenho dinheiro para o ferro”, disse. A massoterapeuta Marly Girotto se sentiu lesada. “Uma mentira dessas desencoraja a gente”, afirmou.
Milena Napolitano contou ao site de VEJA que a unidade do Tatuapé, na zona leste da capital, também não tinha mais o produto. Se o produto está em falta na loja, raciocinou ela, é obrigação da gerência repor o produto em falta. E foi o que aconteceu – não sem antes uma “reunião de cúpula” da loja com os queixosos.
Marcelo Domingos de Souza, gerente regional da Casas Bahia, convocou o grupo – havia cerca de quinze mulheres reclamando da falta do produto – para a sala da supervisão da loja, localizada no décimo andar do prédio. No caminho para o elevador, era possível ouvir frases como “isso é desrespeito com a gente” e “não é possível uma coisa dessas”.
Acomodadas em uma mesa comprida de reunião, o gerente serviu uma bandeja com fatias de bolo e duas garrafas geladas de água. Depois de tranquilizar as clientes, Souza conseguiu reverter a situação e anotar os CPFs de quem queria comprar o produto. (Oficialmente, a loja só permitia a compra de um produto promocional por CPF). Foi preciso prometer às consumidoras a venda do ferro tradicional – de 39 reais – ao preço promocional de 9,90 reais. Ainda assim, ouviu-se queixas por não haver mais o modelo à vapor, que só deve estar disponível na loja no dia 2 de dezembro – quando, possivelmente, a saga chegará ao fim.