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A ‘lição’ de Guido Mantega aos economistas: ‘tripé econômico não é tudo’

Às vésperas de sua saída do governo, ministro vai à Fundação Getulio Vargas, seu antigo reduto acadêmico, e resume seu legado: desempenho do Brasil é razoável e país só não cresce mais porque falta crédito

Por Ana Clara Costa e Luís Lima
15 set 2014, 14h04

Mantega: ‘O desmame seria botar a indústria para concorrer mais com os estrangeiros. Isso seria trágico, pois a concorrência já é muito agressiva, com muitos subsídios lá fora’

O ministro da Fazenda Guido Mantega pode ser acusado de tudo, menos de ser uma ovelha desleal. Ao participar do 11º Fórum Econômico da Fundação Getulio Vargas (FGV) na manhã desta segunda-feira, que contou com a presença dos principais economistas do país, o ministro nem sequer ficou ruborizado ao discursar sobre sua gestão e transformar a deterioração estrutural da economia brasileira que se deu nos últimos anos em exemplo de legado vitorioso. O ministro, prestes a deixar a Esplanada, desferiu frases sobre a economia brasileira que criaram certa atmosfera de perplexidade entre os presentes, mesmo naqueles adeptos da escola desenvolvimentista – da qual o ministro sempre foi entusiasta. Ele poderia ter usado a ocasião, onde representantes do PIB e da academia se reuniam para discutir os rumos da economia, para fazer um exercício de autocrítica e reconhecer ao menos alguns dos deslizes praticados. Afinal, como antigo professor da FGV e futuro palestrante, o ministro há de querer garantir seu sustento quando deixar o governo. Porém, o que se ouviu por ali causou certo espanto. Mantega se mostrou fiel, até o último instante, à doutrina implementada desde a entrada de Dilma Rousseff na Presidência. E falou com tranquilidade sobre ter deixado para segundo plano as bases do tripé que garantia a estabilidade da economia. “Muitas pessoas acham que o tripé é tudo. Mas é apenas uma parte da questão. É necessário, mas não suficiente. Há maneiras diferentes de praticar o tripé”, disse o ministro.

No dia em que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) cortou a previsão de crescimento da economia brasileira de 1,8% para 0,3% e afirmou que o país crescerá menos que países emergentes e desenvolvidos (mesmo os que foram atingidos pela crise internacional), o ministro voltou a afirmar que a desaceleração da economia é culpa da turbulência internacional. Sem economizar em autoelogio, Mantega afirmou que a condução da política econômica foi coerente e, somente por isso, o país não sucumbiu ao longo dos últimos anos. Mantega também culpou a crise externa pela inflação acima da meta e disse que a economia só não cresce mais porque os bancos estão represando crédito. Nas entrelinhas, reconhece-se a interferência do governo na liberação do depósito compulsório dos bancos pelo Banco Central nos últimos meses. “Está faltando crédito para o consumo. Mas ele já começou a voltar nesse segundo semestre. O BC já começou a liberar mais crédito e, com isso, temos possibilidade de recuperação do consumo”, afirmou o ministro.

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Ainda sobre o BC, o ministro seguiu a cartilha de sua chefe e criticou o debate sobre dar independência ao órgão. “Não dá para ter BC independente só com o regime de meta inflacionária. O BC independente também precisa olhar para emprego e crescimento. Teria de acabar com o regime de metas. Independência você dá ao governo, ao Congresso. Um grupo de iluminados que não foi votado pela população pode decidir sem dialogar com representantes máximos do povo. Isso é complicado. Poderia ter situação em que haveria um choque entre o BC e o executivo. Prefiro a autonomia operacional”, disse Mantega, que, inclusive, sabe muito bem dos choques que podem surgir quando BC e Fazenda divergem. Durante sua gestão no Ministério da Fazenda, ficaram notórias suas desavenças com o então presidente do BC, Henrique Meirelles.

Se Dilma ganhar – O ministro deu ainda mais detalhes sobre como seria a política econômica caso Dilma se reeleja. Continuam: subsídios do Tesouro ao BNDES; crédito farto do BNDES às empresas; política de conteúdo nacional para a indústria; política de compras governamentais para estimular a indústria; intervenção do BC no câmbio ‘para conter volatilidade’ e manutenção das desonerações à indústria. Mantega negou qualquer possibilidade de ‘desmame’. “O desmame seria botar a indústria para concorrer mais com os estrangeiros. Isso seria trágico, pois a concorrência já é muito agressiva, com muitos subsídios lá fora”, afirmou o ministro.

Sobre a meta de inflação, Mantega não soube detalhar o que será feito, caso Dilma se reeleja, para controlar a inflação em ano de reajustes necessários. Mantega só soube afirmar que não haverá ‘tarifaço’ e também sinalizou que uma política de aumento de juros pode não ser bem aceita pela mandatária. Uma das frases do ministro sobre o tema merece ser reproduzida em toda a sua complexidade: “Para atingir o centro da meta, teria de elevar mais fortemente os juros, ou choque fiscal, fazendo um superávit fiscal muito grande. Não sei bem o que vai acontecer com a meta”.

Ao sintetizar o viés de sua gestão, disse ainda: “O que nós fizemos é de uma determinada visão. Evito qualificar, rotular. Mas, no passado, ela seria keynesiana. Outra visão seria neoliberal, conservadora. É difícil rotular”.

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O outro lado – Se, durante o evento, o ministro assinou embaixo de tudo o que foi feito em favor da indústria ao longo de sua gestão na pasta da Fazenda, o outro lado se mostrou bastante insatisfeito com o resultado – o que mostra uma completa desconexão entre o que o governo acha e o que o empresariado realmente necessita. “Existe uma divergência entre os números que nos são apresentados e a realidade. Os números não refletem o cotidiano da produção e do emprego, o que nos causa agonia e nos torna pessimistas em relação aos dias de hoje. Não estou falando só da indústria, mas de todos os outros setores de forma geral. Este desconforto está presente em todos eles. A indústria só antecipou este quadro. O desconforto e descontentamento estão presentes em tudo. Angustia-nos a perspectiva de recessão, de falta de emprego”, afirmou o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Benjamin Steinbruch.

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