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Tecnologia facilita a vida de astrônomos amadores

De quebra, entusiastas fazem descobertas que ajudam a comunidade científica

Por Marco Túlio Pires
Atualizado em 6 Maio 2016, 17h07 - Publicado em 20 Maio 2011, 23h03

Nos anos 80, a astronomia era quase um fenômeno cultural. O espaço era pop. Filmes como E.T., de Steven Spielberg, levavam milhões aos cinemas, os ônibus espaciais – hoje à beira da aposentaria – eram novidade e o assunto da década era a passagem do cometa Halley, que visita o planeta apenas a cada 76 anos. Era quase obrigatório olhar para o céu.

Toda essa movimentação fez com que uma geração carregasse pelo resto da vida o entusiasmo pela astronomia, mesmo que apenas como um hobby, porém levado extremamente a sério. Pelo Brasil, se espalharam clubes de astronomia, mesmo quando telescópios tinham preços proibitivos e havia poucas ferramentas disponíveis para observar o universo. Mas agora, graças ao avanço da tecnologia, os astrônomos amadores têm um variado e poderoso conjunto de ferramentas à disposição. E com elas, em alguns casos, até ajudam a comunidade científica a descobrir novos cometas, planetas e galáxias.

Atualmente é possível adquirir, por 400 reais (veja tabela abaixo), um telescópio para iniciantes capaz de revelar detalhes das crateras da Lua e até os anéis de Saturno. Tirar fotos ou filmar corpos celestes, algo complicadíssimo há vinte anos, hoje pode ser feito com alguns toques na tela de um iPhone. Existe até um acessório que acopla o aparelho a um telescópio. Com o auxílio do GPS, os telescópios mais modernos contam com um sistema de alinhamento que compensa a rotação da Terra automaticamente, mantendo no campo de visão astros a bilhões de quilômetros de distância.

De posse dessas ferramentas, milhares de pessoas se reúnem em clubes de astronomia amadora transformando o quintal da própria casa em observatório espacial, muitas vezes construindo os próprios telescópios, para explorar as belezas do universo e ajudar nas descobertas da ciência.

Choro de emoção – A popularização dos telescópios teve a ajuda de dois avanços tecnológicos que favoreceram a superação de algumas dificuldades na hora de observar planetas. A primeira diz respeito à rotação da Terra. Quanto mais longe se focaliza um astro através das lentes de um telescópio fixo por um tripé, mais o movimento de rotação do nosso planeta vai atrapalhar o esforço de manter o corpo celeste na região visível do equipamento. Como um astro a bilhões de quilômetros da Terra está praticamente ‘parado’ no céu, o movimento do nosso planeta tira do campo de visão do equipamento o astro observado. Isso fez o então inexperiente astrônomo amador paulistano Eduardo Tavares trocar de telescópio quatro vezes pensando que o defeito estava no equipamento. “O vendedor da loja ainda me disse que era mesmo defeito de fabricação”, diz Tavares aos risos. “Só depois de muitos anos, ainda sem internet, descobri que a culpada era a Terra”, explica. Os iniciantes de hoje contam com um sistema automatizado que faz o telescópio seguir um astro no céu, compensando a rotação da Terra. Desse modo, nunca se perde o corpo de vista.

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A outra dificuldade superada é a localização dos astros no céu. Antes da internet e dos celulares a tarefa de identificar galáxias ou planetas não era fácil. Era preciso estudar mapas astronômicos e fazer cálculos complexos levando em conta a posição do observador, data e horário do dia. “Quando vi Saturno pela primeira vez chorei de emoção”, diz Tavares. O entusiasta demorou anos para encontrar o planeta. Atualmente, qualquer pessoa não leva mais do que alguns segundos para encontrar o mesmo planeta. Aplicativos para celular como o Star Walk, para iPhone, ou Stellarium, para computadores e celulares, identificam rapidamente os astros no céu. A maioria dos programas móveis utiliza o GPS do próprio aparelho para mostrar, em tempo real, quais astros estão à frente do usuário – basta olhar para a tela e o programa mostra uma versão digitalizada do céu com informações detalhadas de estrelas, planetas e até sondas espaciais que orbitam a Terra.

Geração Halley – Muitos que hoje são astrônomos amadores tiveram seu primeiro contato com o espaço em meados da década de 1980 e pertencem à chamada “geração Halley”. Com apenas 25 anos desde o primeiro voo espacial tripulado, a humanidade observava admirada, em 1986, à graciosa passagem do cometa Halley, que a cada 76 anos faz uma visita ao sistema solar. O evento espacial chamou a atenção de milhares de jovens. E muitos deles nunca mais perderam a curiosidade. Naquela época, bons telescópios custavam alguns milhares de dólares e raramente eram encontrados no Brasil. O “efeito Halley” e a dificuldade em conseguir telescópios fez surgir uma grande quantidade de clubes de astronomia espalhados pelo país.

Você sabia?

A evolução dos telescópios

O telescópio moderno foi aperfeiçoado pelo físico italiano Galileu Galilei no século XVII. O cientista desenvolveu uma versão melhorada do telescópio refrator (também chamado de luneta, utiliza um par de lentes para ampliar a visão) e conseguiu fazer as primeiras observações das luas de Júpiter e a confirmação empírica das fases de Vênus. Outros modelos de telescópios foram desenvolvidos posteriormente. Os mais difundidos usam os modelos do físico britânico Isaac Newton, e são chamados de refletores, por usarem um espelho para enxergar o espaço indiretamente, ao contrário do refrator. O mais famoso dos telescópios, o observatório espacial Hubble, utiliza um sistema hibrido com lentes e espelhos.

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Um deles foi fundado em 1986, justamente por causa do Halley. O Clube de Astronomia de Brasília (Casb) conta hoje com 100 sócios ativos e mais de 600 membros na lista de discussão. “Eu tinha apenas 12 anos quando vi o cometa passar. Até pensei em cursar astronomia”, diz o funcionário público Sandro Rosa, que apesar de não ter seguido a paixão da pré-adolescência profissionalmente, transformou-a em hobby. Hoje é presidente do Casb e organiza viagens ao Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros em Goiás, “um dos melhores lugares para se fazer observação espacial no Brasil”, garante. O clube também realiza expedições ao deserto do Atacama, lar dos maiores observatórios astronômicos do hemisfério sul, considerado um dos melhores locais para observação de corpos celestes do mundo.

Paixão profissional – A paixão pela astronomia transformou a vida do atleta e técnico paulista de levantamento de peso olímpico Roberto Fornaciari, 53 anos. Ele abandonou a carreira de 30 anos no esporte e se concentrou na fabricação artesanal de telescópios, ofício que exerce desde 1986. De tanto observar o céu, Fornaciari construiu um observatório no quintal de casa, seu lugar predileto para apreciar o espaço. “Construo telescópios de dia e os testo durante a noite”, diz. Com uma modesta oficina, o astrônomo amador recebe encomendas de amigos há 25 anos e hoje tira o próprio sustento fabricando telescópios. O artesão é membro do grupo paulista de astrônomos amadores chamado Aprendendo_Astronomia (o nome é grafado com o subilhado entre as palavras), que conta com 900 membros na lista de discussão.

Frutos do amadorismo – Astrônomos amadores já realizaram grandes feitos. Em 2009, o astrônomo amador australiano Anthony Wesley descobriu uma “cicatriz” no hemisfério sul de Júpiter, que nunca havia sido notada por astrônomos profissionais. Alguma coisa, possivelmente um meteoroide ou um cometa, atingiu o planeta e foi engolido pela atmosfera de amônia e metano deixando uma marca visível. A descoberta foi uma das mais importantes já feitas por astrônomos amadores.

Mesmo sem a posse de telescópios avançados, astrônomos amadores estão ajudando as agências espaciais a encontrar planetas fora do sistema solar. Qualquer pessoa pode acessar o site PlanetHunters.org, que surgiu em janeiro de 2011, para ajudar a analisar dados gerados pelo observatório espacial Kepler, um caçador de exoplanetas (planetas parecidos com a Terra) da agência espacial americana. Voluntários estudam gráficos originados a partir de imagens do telescópio da Nasa. Ele mede a luz emitida por uma estrela e possíveis interrupções, causada por planetas passando entre o telescópio e a estrela. Até agora, 50 planetas que passaram despercebidos pelos algoritmos da Nasa foram identificados por astrônomos amadores no site.

Os aficionados garantem que não é necessário muito dinheiro para se tornar um astrônomo amador (veja abaixo como montar um teslescópio em casa). Muitos clubes oferecem cursos gratuitos pela internet e promovem encontros regulares para observações. Mesmo aqueles que só querem experimentar, podem ser facilmente seduzidos, diz Fornaciari. “Basta mostrar o universo pelas lentes de um telescópio para despertar os efeitos mágicos da astronomia”. Wilton Costa, técnico em eletrônica e um dos diretores do Casb, concorda. “Nenhum desenho ou fotografia, por melhor que seja, causa a sensação de satisfação que se obtém ao contemplar o cosmo ao vivo”.

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