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Projeto 1.000 Genomas publica maior levantamento de variações do DNA já realizado

Diferenças no encadeamento dos genes de mais de mil pessoas ao redor do mundo foram estudadas. Resultados podem trazer avanços para a medicina

Por Ricardo Carvalho
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h25 - Publicado em 31 out 2012, 21h30

Quando o assunto é genética, trocar um ‘T’ por um ‘A’ pode significar muita coisa. Nosso genoma é formado por cerca de bilhões de cadeias de nucleotídeos, aquelas trincas construídas por combinações das letras A-T e C-G entrelaçadas na dupla-hélice do DNA. A forma como as milhões de trincas de nucleotídeos se constroem e se encaixam é responsável por definir todas as nossas características, da cor dos cabelos ao tamanho do nariz. Mas e se uma ínfima parte dessa complexa engenharia também estiver relacionada com a predisposição ao desenvolvimento de uma doença rara? Essa relação é bastante aceita na comunidade científica há alguns anos. Só que a falta de uma ampla base de dados com os inúmeros encaixes e variações de nucleotídeos possíveis sempre representou um desafio, principalmente pelo tempo – e custo – que um estudo costumava demandar no passado.

Opinião do especialista

Lygia Veiga

Professora do departamento de Genética e Biologia Evolutiva da Universidade de São Paulo (USP).

Não existe apenas um genoma humano, cada um de nós tem um diferente. Essas pequenas diferenças é que fazem que cada pessoa seja única, definindo a altura, cor do cabelo, etc. Tudo isso está codificado em pequenas variações. E parte dessas diferenças está relacionada com a nossa saúde, podendo estar ligada a algumas doenças genéticas.

A pesquisa também tem essa aplicação mais pragmática, já que essas variações raras determinam se uma pessoa pode desenvolver ou não um determinado quadro clínico. O trabalho servirá como referência e nos permitirá saber se uma variação rara é causadora de uma doença ou se a mutação acontece normalmente.

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Esta pesquisa pegou o DNA de pessoas de várias populações e fez um catálogo de variações. Como a tecnologia para se sequenciar um genoma tem um custo muitas vezes menor do que antigamente, podemos montar um catálogo muito mais completo das variações entre diferentes pessoas.

São obstáculos que, aos poucos, têm sido superados. Um artigo publicado nesta quarta-feira na revista científica Nature traz um dos maiores levantamentos das variações do genoma já realizado. Assinado por uma centena de autores, o estudo mapeou o DNA de 1.092 pessoas de 14 grupos populacionais ao redor do mundo, comparando a composição do genoma de cada um e identificando dezenas de milhões de diferentes encaixes. No total, foram encontrados 38 milhões casos de polimorfismos de nucleotídeo único [SNP, em inglês, indicado quando apenas uma letra é alterada (exemplo: ATTACG vira ATTACC)], 1,4 milhão de indels (inserção ou deleção de um único nucleotídeo) e 14.000 deleções de mais de uma letra. O estudo faz parte da segunda etapa do 1.000 Genomes Project. Os 1.092 participantes foram separados em quatro grupos ancestrais: europeus, africanos, asiáticos do extremo oriente e americanos. O objetivo dessa divisão era facilitar a caça por variantes ainda não conhecidas, que pudessem ter sido causadas por milhões de anos de evolução. “Antes, um outro estudo com mais de 1.000 pessoas já tinha sido realizado, mas elas eram de uma mesma região. Com gente de vários grupos étnicos, o número de diferenças encontradas é muito maior”, afirma a geneticista Mayana Zatz, do departamento de Genética e Biologia Evolutiva da Universidade de São Paulo (USP) e colunista do site de VEJA. Ninguém é igual – As variações foram catalogadas de acordo com a frequência com a qual se manifestavam nos testes: as vistas em mais de 5% das amostras foram consideradas “comuns”; as que apareceram entre 0,5% e 5% das pessoas foram colocadas numa cesta chamada “pouco frequentes” e as só observadas em até 0,5% dos exemplares foram catalogadas como “raras”. A comparação de resultados conseguiu flagrar cerca de 98% das variações genéticas raras que ocorrem em pelo menos 1% da população. “Ficam de fora as variações raríssimas, que acontecem, por exemplo, apenas em uma família. Não daria para identificá-las analisando casos aleatoriamente”, diz a professora Lygia Veiga, também do departamento de Genética e Biologia Evolutiva da USP. O surpreendente é que parte considerável das variantes raras encontradas tinham funções negativas, alterando ou inibindo o funcionamento de proteínas que estão relacionadas a doenças genéticas. Só que os participantes eram pessoas saudáveis, o que indica que outras mutações podem existir que anulam eventuais enfermidades. “Diversos fatores permitem que as pessoas sobrevivam com tantos erros no genoma”, disse ao site de VEJA Aravinda Chakravarti, da escola de Medicina do hospital Johns Hopkins e um dos autores do artigo. “Às vezes a mutação é encontrada ao lado de um componente que inibe a doença.” De acordo com ele, estudos futuros que detalhem os reais efeitos que essas mutações raras causam no organismo poderão significar avanços para a medicina. “No nível da genética, vai nos dar uma base de comparação. Se vamos estudar certos quadros clínicos, precisamos comparar a estrutura genética de pessoas enfermas com a de indivíduos portadores dos mesmos genes negativos, mas que por alguma razão não estão com problemas de saúde”, explica. Diversidade étnica – Mayana Zatz pretende realizar um experimento semelhante na cidade de São Paulo. Ela está em busca de pessoas saudáveis com mais de 80 anos para realizar o mapeamento genético e buscar por variações. “A amostra precisa ser de pessoas mais velhas, e sem quadro clínico, porque isso significa que doenças genéticas associadas a alguma mutação dos genes não se manifestaram”, diz a geneticista. Mayana pretende montar um banco de dados dessa população para poder comparar as variações genéticas encontradas. “Vamos supor que encontremos uma pessoa que tem um gene que destrói uma proteína, mas que não apresenta quadro clínico. Isso sugere que algum outro gene está compensando a ausência daquela proteína. Se a gente conseguir descobrir o que inibe, abriremos novos caminhos.” Ela aposta numa característica particular da cidade para encontrar um grande número de variantes. “São Paulo agrupa, num mesmo lugar, inúmeros grupos étnicos.”

“Vamos entender a história das populações humanas em detalhes nunca antes vistos”

Aravinda Chakravarti

Médico da Escola de Medicina do Hospital Johns Hopkins e um dos autores do artigo

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Qual a maior contribuição que o estudo traz?

Este estudo é a evolução natural do nosso entendimento da variação (genética) em humanos e como isto se relaciona aos nossos fenótipos (como o genótipo se relaciona com o ambiente), incluindo doenças. Este projeto não apenas desenvolveu a técnica e os métodos computacionais para a obtenção de um grande número de sequências de genoma humano com começou estudos para interpretar o significado das variações que ocorrem entre as pessoas. O aspecto mais importante (da pesquisa) é quantificar o nosso conhecimento sobre a variação de sequências do genoma humano; isso partindo de indivíduos aleatórios de diversas linhagens, de modo que uma variação específica de uma doença (como hipertensão) possa ser identificada. Dessa forma, esse conhecimento nos está dando o material bruto para que possamos entender a história das populações humanas em detalhes nunca antes visto.

Por que coletar dados de grupos étnicos diferentes?

Estudos genéticos similares nos últimos 30 anos jogaram luz em diversos aspectos da evolução humana e migrações, mas os detalhes da história ainda precisam ser descobertos. Está claro que as variações (no genoma) em qualquer população depende do seu passado e da sua atual demografia. O tamanho da população e a história migratória são dois parâmetros-chave.

Como o material coletados nos bancos de dados poderia contribuir para a medicina, por exemplo?

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De muitas formas. Por exemplo: se um indivíduo tem uma mutação em um gene que está relacionada com uma determinada doença, estudar seu código genético pode os dar evidência direta se esta pessoa está protegida ou não daquela doença.

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