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Cientistas passam o chapéu

Diante das dificuldades para arrecadar verbas, cientistas de todo o mundo apelam para sites de financiamento coletivo. O fenômeno já dá frutos no Brasil, que em breve deve ganhar um canal exclusivo para o financiamento da ciência

Por Guilherme Rosa
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h19 - Publicado em 17 jun 2013, 08h51

O mexilhão dourado é um molusco originário da China, mas que se espalha como uma praga pelos rios da América do Sul. Transportado por acaso para o outro lado do mundo no casco de navios comerciais, ele é uma espécie invasora particularmente danosa para os ecossistemas e tecnologias locais. Entopem tubulações em usinas hidrelétricas e, por serem difíceis de digerir, matam peixes por onde passam.

Pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro acompanham, desde 2007, sua disseminação pelo Brasil. A invasão começou pelo sul, vinda da Argentina, e subiu em direção ao interior do país. Ela já chegou aos rios do Pantanal, onde foi momentaneamente freada pelos grandes períodos de seca na região. O que mais preocupa os cientistas é a possibilidade de os moluscos superarem a barreira que separa os rios pantaneiros da bacia amazônica – o que seria um desastre de grandes proporções. “O mexilhão é chamado de engenheiro de ecossistemas, por sua capacidade de modificar o meio ambiente. Até hoje não sabemos como combatê-lo. Temos que estudá-lo mais, para conseguir desenvolver uma estratégia de controle”, diz Mauro Rebelo, biólogo do Laboratório de Biologia Molecular Ambiental do Instituto de Biofísica (IBCCF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para entender melhor a espécie, os pesquisadores pretendem começar uma análise do genoma do animal.

Em vez de buscar financiamento pelas vias tradicionais, no entanto, os cientistas da UFRJ apelaram para um site de crowdfunding, uma espécie de vaquinha virtual. Eles colocaram seu projeto de pesquisa – o Genoma de Mexilhão Dourado – na internet, pedindo doações para que pessoas de todo o país e do mundo os ajudassem a tocar o projeto. Na última quarta-feira, depois de sessenta dias divulgando a ideia, os pesquisadores coletaram mais de 40.000 reais, o necessário para que a pesquisa seguisse em frente.

Esse é o primeiro caso de um projeto científico brasileiro que buscou apoio no financiamento coletivo, mas o fenômeno já é comum no resto do mundo. Diante da dificuldade em conseguir financiamento público, os cientistas têm tentado cortar o caminho dessa via burocrática e pedir o dinheiro, diretamente, para o público. Para isso, eles usam sites como Kickstarter, o Indiegogo e, no caso brasileiro, o Catarse para passar o chapéu. Eles explicam sua pesquisa, estipulam o valor necessário e esperam as doações começarem a cair. Se o valor pedido for atingido, todo o dinheiro é transferido para os cientistas, que, aí sim, começam o seu trabalho.

Ciência colaborativa – O crowdfunding é um fenômeno típico da era da internet, que permite a pessoas de todos os cantos do mundo se unirem para ajudar qualquer tipo de projeto, seja qual for seu interesse. Ele já ajudou a financiar músicos em início de carreira, diretores de filmes consagrados, instituições de caridade, tratamento médicos e organizações políticas. Inicialmente, os cientistas entraram tímidos nesse nicho, mas hoje já existem sites dedicados exclusivamente ao financiamento coletivo de pesquisas. É o caso do Fundageek, Science Donnors e, o mais bem sucedido, Microryza.

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Fundado por dois cientistas em abril de 2012, o Microryza já ajudou a financiar cerca de trinta pesquisas, levantando mais de 250.000 dólares. Hoje, o site hospeda projetos que estudam desde o porte de armas nos Estados Unidos e as origens do riso, ao desenvolvimento de biocombustíveis a partir de bactérias. Segundo os organizadores, seu objetivo final, um pouco mais audacioso, é financiar pesquisas que levem à cura do câncer, ao desenvolvimento de energias alternativas e a missões humanas em outros planetas.

A ideia surgiu depois que seus fundadores, o bioquímico Denny Luan e a bióloga Cindy Wu, enfrentaram dificuldades para financiar uma de suas pesquisas. “Nós já havíamos ajudado a desenvolver uma terapia para a bactéria do Antraz, que agora está sendo estudada pelo exército dos Estados Unidos. Mas tivemos problemas quando resolvemos aplicar a mesma estratégia de pesquisa em um novo tipo de bactéria – algo que ninguém havia tentado antes”, disse Denny Luan, em entrevista ao site de VEJA.

Quando buscaram os professores para traçar alguma estratégia de financiamento, ouviram como resposta que seria impossível juntar o dinheiro: eles eram muito jovens e sua pesquisa, muito arriscada. “Hoje em dia, a atmosfera de financiamento é muito desencorajadora para cientistas em qualquer ponto de sua carreira. Os mais jovens estão entrando em um ambiente cada vez mais competitivo, e mesmo professores experientes estão lutando para manter seu ritmo de pesquisas com cada vez menos recursos”, afirmou Luan. Percebendo essa necessidade acadêmica e farejando uma oportunidade de negócios, os dois pesquisadores largaram a carreira científica e fundaram o Microryza – eles ficam com 5% do dinheiro de cada projeto aprovado.

Por enquanto o site só aceita a inscrição de pesquisadores americanos e canadenses, mas planeja expandir seus horizontes em breve. Até porque, a realidade na América do Norte não é muito diferente do Brasil. Segundo Mauro Rebelo, um dos motivos que levou sua orientanda Marcela Uliano a buscar o crowdfunding foi justamente a dificuldade de pesquisadores novos conseguirem acesso aos limitados recursos que o país disponibiliza para a ciência. “Os pesquisadores estabelecidos têm um currículo maior e ganham todos os projetos. O jovem pesquisador sofre para ser financiado, e pode conseguir mais dinheiro pelo crowdfunding do que pelos meios tradicionais”, afirma o pesquisador.

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Divulgação – Outro motivo citado pelos pesquisadores para buscar o financiamento coletivo é a possibilidade de se aproximar do público leigo. As vias tradicionais incentivam o isolamento dos cientistas, que se trancam em laboratórios, preenchendo relatórios e editais, sem precisar se mostrar para a sociedade. No crowdfunding, eles precisam explicar sua pesquisa, convencer as pessoas de que o projeto vale a pena e, depois de conseguir o financiamento, prestar contas de cada passo do seu estudo. “Nesse caso, os pesquisadores têm que dar a cara a tapa. Eles têm que mostrar que a ciência está próxima do dia a dia das pessoas, que ela pode resolver problemas de suas vidas”, afirma Rebelo.

As últimas iniciativas têm mostrado que, se a divulgação for feita corretamente, o dinheiro acaba aparecendo. Pesquisadores americanos já conseguiram financiar o desenvolvimento de plantas que brilham no escuro, o lançamento de um satélite pessoal e o transporte de um esqueleto de Triceratops até um centro de pesquisa, entre muitos outros. O sucesso do Genoma do Mexilhão Dourado demonstrou que esse fenômeno também pode dar certo no Brasil. “Algumas pessoas doaram dez reais, enquanto outras doaram 1.500. Nós mostramos que o brasileiro não só gosta, mas quer participar da ciência”, diz o pesquisador.

Agora, Mauro Rebelo pretende ajudar a desenvolver um canal exclusivo para o financiamento coletivo de pesquisas biotecnológicas brasileiras, onde deve ajudar outros cientistas a lançar seus projetos e convencer o público a doar dinheiro. “O crowdfunding não é uma via substituta de financiamento – não se faz ciência de alto nível sem apoio governamental, em nenhum lugar do mundo. Ele é uma alternativa; principalmente para o jovem pesquisador. Nossa intenção é construir essa nova via.”

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