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Gripe, dengue e até aids: nova droga promete curar praticamente todas as infecções virais

Pesquisadores do MIT desenvolvem medicamento que age contra algo comum a todos os vírus que atacam células humanas: uma fita dupla de RNA. Embora promissora, a abordagem ainda passará por inúmeros testes

Por Tatiana Gerasimenko
Atualizado em 6 Maio 2016, 17h02 - Publicado em 29 ago 2011, 07h26

“Demonstramos que a DRACO pode curar ratos que receberam uma dose letal de influenza e agora estamos testando outras viroses com bons resultados. Ela também deve funcionar contra o HIV e o vírus da hepatite.” – Todd Rider, pesquisador do MIT

Poucos medicamentos funcionam contra os vírus. Os antivirais têm uma ação mais limitada do que antibióticos e antifúngicos e não agem sobre todos os tipos de infecções. Na maioria das vezes, limitam-se a impedir que os vírus consigam se reproduzir. Mas pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), nos Estados Unidos, acreditam ter dado um passo além: eles criaram uma droga, DRACO (sigla para Double-stranded RNA Activated Caspase Oligomerizers), capaz de identificar as células infectadas e matá-las, dando fim à infecção. A pesquisa, publicada no periódico científico especializado PLoS One, pode representar o fim de doenças como a gripe, dengue, hepatite C e até da aids.

Os pesquisadores testaram a droga em culturas de células de humanos e ratos infestadas por quinze tipos de viroses. A abordagem se mostrou eficaz em todos os casos – incluindo os altamente resistentes rinovírus (responsáveis por resfriados), influenza H1N1, vírus da pólio, vírus da dengue e outros tipos responsáveis por perigosas febres hemorrágicas. A equipe também conduziu testes com camundongos e obteve sucesso.

Glossário

  1. Antibiótico – Antibióticos são medicamentos usados para tratar infecções causadas por bactérias e outros micro-organismos. Originalmente, foram desenvolvidos com base em substâncias produzidas por organismos vivos que conseguiam inibir o crescimento de outros organismos. Atualmente a sua produção é sintética, ou seja, produzida em laboratório para imitar a estrutura bioquímica de antibióticos naturais. Eles atuam corrompendo certas estruturas da bactéria (parede celular, membrana plasmática) ou interferindo em processos fundamentais para o seu funcionamento (produção de proteínas, reprodução) – sem, no entanto, afetar as células do corpo. Mutações no código genético de bactérias podem torná-las resistentes a essas drogas.
  2. Antiviral – Vírus funcionam de forma muito diferente de outros organismos: para se reproduzirem, dependem do aparato de outros seres, pois são acelulares, constituídos basicamente por uma cápsula proteica e material genético. Parasitas obrigatórios, conseguem se reproduzir apenas invadindo e controlando os processos de uma célula hospedeira. Por essa razão, antivirais atuam sobre as estruturas celulares usadas pelo vírus para se replicar, matando a célula.
  3. Apoptose – É conhecida como ‘suicídio celular’. Ocorre de uma forma ordenada em todos os organismos para que a renovação celular ocorra, mas também como resposta a uma ameaça – seja uma infecção ou lesão do material genético. Para o corpo, é melhor que uma célula morra do que muitas células sejam corrompidas.
  4. Caspases – Proteínas responsáveis pelo processo de apoptose. Ficam dentro da célula de forma inativa e, ao se ligarem a determinadas enzimas, ativam outras caspases para bloquear mecanismos intracelulares fundamentais ao funcionamento da célula. Diante de uma ameaça, induzem a apoptose.
  5. RNA – Molécula conhecida como ácido ribonucleico, que consiste em uma longa fita composta por nucleotídeos. Está envolvida na transmissão do código genético, responsável pela produção de proteínas e manutenção de todos os processos do organismo. Em alguns seres, o DNA (ácido desoxirribonucleico) produz o RNA, que, por sua vez, faz a proteína. Mas muitos vírus, como o influenza e o vírus da hepatite C, são formados apenas por RNA.
  6. dsRNA – Longa fita dupla de RNA, parecido com o DNA. Forma o material genético de alguns vírus, ocupando o lugar do RNA fita simples. Se o vírus já não for formado por esse tipo de material, o dsRNA será feito com ajuda da célula hospedeira.

“Para os primeiros ensaios com animais, desejávamos escolher um vírus comum em humanos que seria letal em camundongos, por isso usamos o influenza H1N1”, explica o cientista Todd Rider, do Laboratório Lincoln, do MIT, responsável pelo trabalho. “Demonstramos que a DRACO pode curar ratos que receberam uma dose letal de influenza e agora estamos testando outras viroses com bons resultados. A DRACO deve também funcionar contra o HIV e o vírus da hepatite, mas estamos fazendo mais testes para demonstrar isso.”

Resistência – Antibióticos agem interferindo em processos que impedem as bactérias de se reproduzirem, mas não matam as células humanas. Em infecções virais, no entanto, essa tarefa é muito difícil: vírus se multiplicam injetando seu material genético dentro das células hospedeiras. A única forma de lutar contra eles é impedir a ação de algumas proteínas que estimulam o processo, na maioria das vezes causando a morte da célula infectada. Nem sempre, no entanto, drogas conseguem ‘localizar’ as células com material genético viral antes que a infecção se espalhe. Além disso, vírus podem sofrer mutações com grande frequência, aumentando sua resistência aos medicamentos.

“Há poucos medicamentos antivirais no momento, e os que existem geralmente se ligam a uma parte específica do vírus para bloqueá-lo”, diz Rider. O pesquisador explica que, como esses medicamentos existentes são feitos ‘sob medida’, basta que o vírus sofra ligeiras mutações para se tornar resistente à droga.

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Alvo – Para superar o problema, a equipe do MIT usou como alvo algo comum a todos os vírus que atacam células humanas: uma fita dupla de RNA (dsRNA – veja o glossário), constituído pelo material genético do agente infeccioso que será copiado em ambiente intracelular para a produção de um novo vírus. “A droga provoca a morte imediata de qualquer célula infectada que contenha o dsRNA viral, então deve ser bem mais difícil para o vírus ganhar resistência à droga”, afirma Rider.

Geralmente, algumas proteínas do corpo disparam mecanismos de alerta tão logo o processo de replicação viral seja identificado pelo organismo. Isso aciona o sistema imunológico. Contudo, nem sempre a resposta do corpo é ágil o suficiente para matar a célula infectada antes que novos vírus, replicados, infestem outras células. Para tornar o contra-ataque mais eficaz, os pesquisadores combinaram uma proteína que se liga ao dsRNA com outra proteína que induz rapidamente um processo conhecido como apoptose, a autodestruição da célula. Resultado: o código genético viral não é passado adiante. “Isso evita que o vírus se espalhe, causando menos mortes celulares do que a infecção”, diz Rider. (continue lendo a reportagem)

Veja como funciona o antiviral criado pela equipe do MIT:

Os experimentos realizados mostraram que a nova droga não é tóxica em onze diferentes tipos de células – incluindo células humanas do coração, rins, pulmão, fígado e coração e de ratos. Não encontrando infecção viral ao penetrar na célula do corpo, o medicamento não age. Entretanto, se encontrar o dsRNA do vírus, imediatamente leva ao “suicídio” da célula infectada.

Embora promissora, a abordagem ainda passará por inúmeros testes. “São necessários muitos anos para a realização de ensaios animais antes que testes com humanos comecem. Continuamos os experimentos com ratos e esperamos licenciar esta tecnologia com companhias farmacêuticas que possam conduzir ensaios com animais maiores, incluindo macacos. Se a droga for segura e eficaz em todos os animais dos ensaios, empresas farmacêuticas conduzirão testes clínicos com pessoas.”

Ricardo Diaz, professor associado do Departamento de Infectologia da Escola Paulista de Medicina, é cauteloso ao avaliar a extensão das aplicações da nova droga. “O que esse novo trabalho fez foi desenvolver uma estratégia que detecta e ao mesmo tempo ativa a caspase – que é a enzima responsável por acionar o mecanismo de apoptose, e isso é genial”, diz ele. “Mas em alguns casos, essa abordagem pode ser um pouco mais complicada: por exemplo, muitas células infectadas pelo HIV (vírus da aids) entram em latência, e isso impediria a detecção do vírus por esta estratégia.”

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Entrevista

Todd Rider, pesquisador do MIT

Em entrevista do site de VEJA, Rider explica como funciona a nova droga:

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Como a DRACO funciona? A DRACO penetra nas células do corpo. Se não encontra nenhuma infecção viral, não faz nada. Contudo, se encontra dsRNA viral, imediatamente faz com que a célula infectada cometa ‘suicídio’.

Por que usaram o vírus influenza nas experiências? Demonstramos que a DRACO funciona contra todas as quinze viroses testadas em células humanas e animais, incluindo todas provenientes do vírus da gripe comum (rinovírus) e o vírus da dengue hemorrágica. Para os primeiros ensaios com animais, desejávamos escolher um vírus comum em humanos que seria letal em ratos, por isso usamos o influenza H1N1 e demonstramos que a DRACO pode curar ratos que tinham recebido uma dose letal de influenza. Agora estamos testando outras viroses em ratos e tendo bons resultados também.

Esse medicamento tem o potencial de combater qualquer tipo de vírus, incluindo o HIV e vírus da hepatite C? Em princípio, a DRACO deve funcionar contra todas as viroses, e de fato funcionou contra todas as quinze viroses testadas até agora. O medicamento deve também funcionar contra o HIV e o vírus da hepatite, mas estamos fazendo mais testes para demonstrar isso.

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Todas as células infectadas por todos os tipos de viroses podem ser detectadas pela DRACO? Até onde eu sei, todas as viroses produzem RNA dupla fita (dsRNA) – e células humanas saudáveis não. A DRACO reconhece células que contenham o dsRNA viral e provoca a morte imediata essas células, pondo fim à infecção. Assim, deve ser eficaz contra todos os vírus.

Os vírus poderiam se tornar resistentes ao medicamento no futuro? Há poucas drogas antivirais no momento, e as que existem geralmente se ligam a uma parte específica do vírus para bloqueá-lo. Porque essas drogas existentes são muito específicas, é fácil para o vírus sofrer mutações e mudar ligeiramente a forma de suas partes de forma que a droga não mais se ligue a eles, fazendo com que esses vírus se tornem resistentes. Já a DRACO provoca a morte imediata de qualquer célula infectada que contenha o dsRNA viral, então deve ser bem mais difícil para os vírus ganhar resistência à DRACO.

Este medicamento poderia ter um impacto negativo no corpo se muitas células estiverem infectadas? A maioria das viroses mata as células hospedeiras infectadas e vai para outra célula. A DRACO mata aquelas inicialmente infectadas para parar a infecção e evitar que o vírus se espalhe para outras células. Por isso deve causar menos morte celular do que a infecção viral. Em nossos experimentos, a DRACO se mostrou não tóxica em onze diferentes tipos de células (incluindo humanas, do coração, pulmão, fígado, rim e outras) e em ratos.

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Há planos de realizar testes com humanos? Muitos anos são necessários para a realização de ensaios animais antes que testes com humanos comecem. Continuamos os experimentos com ratos e esperamos licenciar esta tecnologia com companhias farmacêuticas que possam conduzir ensaios com animais maiores, incluindo macacos. Se a DRACO for segura e eficaz em todos os animais dos ensaios, empresas farmacêuticas conduzirão testes clínicos com pessoas.

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