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Método de “fazer chover” não tem comprovação científica, afirmam especialistas

Técnica contratada pela Sabesp por 4,47 milhões de reais já foi testada no Nordeste brasileiro e abandonada porque sua eficácia não foi comprovada

Por Juliana Santos
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h14 - Publicado em 12 fev 2014, 18h49

O verão quente e seco de São Paulo causou preocupações com o abastecimento de água do Estado. Os principais reservatórios, entre eles o Sistema Cantareira, que abastece boa parte da capital, estão com o mais baixo índice de reserva da história: 19,6%. As próximas chuvas intensas na região estão previstas para acontecer apenas em março.

Para tentar amenizar o problema, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) decidiu investir 4,47 milhões de reais na semeadura de nuvens, técnica utilizada com objetivo de induzir chuvas artificiais, no Sistema Cantareira. A empresa ModClima foi contratada para o serviço, mas, após cinco tentativas, foram registradas apenas duas precipitações – insuficientes para elevar o nível dos reservatórios.

Falta de evidências – O uso do bombardeio de nuvens para provocar chuvas está longe de ser uma solução ideal para o problema. De acordo com os especialistas ouvidos pelo site de VEJA, trata-se de uma técnica controversa na comunidade científica, porque sua eficácia não foi atestada. “A nucleação artificial [o bombardeio ou semeadura das nuvens] é objeto de discussão e estudo. Pesquisas ainda não compravam sua eficácia”, afirma Raul Teixeira, pesquisador do núcleo de meteorologia da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme).

O processo consiste em pulverizar água nas nuvens com uso de um avião, para incentivar a produção da chuva. As nuvens são monitoradas com um radar, e aquelas que já apresentam propensão à chuva são os alvos escolhidos – um dos fatores que torna difícil avaliar se a técnica realmente ajuda, ou se a chuva que se segue é um processo natural.

“Uma tempestade considerada modesta em São Paulo produz cerca de 800 milhões de litros de água, sem nenhum auxílio. Uma nuvem pequena, individual, não alivia muito os reservatórios. Seria preciso mudar a condição de alta pressão atmosférica em que nos encontramos”, afirma Augusto Filho, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo. Ele explica que nuvens maiores, capazes de provocar chuvas mais intensas, não podem ser escolhidas para receber a pulverização porque são perigosas para serem sobrevoadas.

“Um avião com 5 ou 6 metros é muito pequeno dentro de uma nuvem de 10 quilômetros. A área borrifada é ínfima”, afirma Filho. “Se a gente soubesse o momento exato de pulverizar água, seriam necessárias muitas aeronaves para cobrir uma área maior e provocar algum efeito.”

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Segundo o pesquisador, a escassez de chuva está sendo causada por um sistema de alta pressão, que faz com que o ar seja comprimido e afunde, se aquecendo. Além disso, o ar seco é mais pesado, e inibe a formação de nuvens. “Essas anomalias acontecem a cada dez ou quinze anos. A última foi em 1998. Agora que essa situação já perdura cerca de três semanas, a tendência é enfraquecer.”

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Em busca de provas – Um estudo feito em 2010 em Israel, país que tradicionalmente faz uso de técnicas de indução de chuvas, analisou dados sobre pulverização de nuvens durante um período de 50 anos e concluiu que o mecanismo não é eficiente. Cientistas da Universidade de Tel Aviv compararam períodos com ou sem bombardeio de nuvens, assim como a quantidade de chuvas nas proximidades do bombardeio, e concluíram que a precipitação ocorria ao acaso, como consequência das mudanças climáticas naturais, e não por causa da interferência humana.

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“Nos Estados Unidos, em algumas montanhas da Califórnia e do Wyoming, cientistas tentaram incrementar a precipitação na região para aumentar o nível de alguns reservatórios hídricos. Eles não provaram que o método atingiu o objetivo”, diz Raul Teixeira.

Experiência nacional – No Brasil, as tentativas de induzir chuva artificialmente tiveram início como uma tentativa de diminuir os efeitos da seca no semiárido, por volta da década de 1950. No Ceará, em 1972, foi criada a Funceme, cuja principal atividade era “bombardear as nuvens e fazer chover”. O órgão recebeu um grande investimento governamental e adquiriu três aviões para os experimentos. Em 1994, o programa foi desativado devido ao alto custo de operação e à questionável eficácia do processo.

No ano 2000, uma das aeronaves foi transferida para a Universidade Estadual do Ceará (Uece), para ser utilizado em pesquisas. Segundo Emerson da Silva, coordenador da pós-graduação em ciências físicas aplicadas da universidade, o grupo pretende realizar novos experimentos para testar a eficiência da semeadura de nuvens, mas o projeto foi adiado momentaneamente por problemas operacionais com o avião, que está em manutenção.

Procurada pela reportagem, a Sabesp não quis comentar o caso. Em nota divulgada à imprensa, a companhia afirma que “nos anos de 2003 e 2004, quando também ocorreu problema de estiagem, a Sabesp utilizou essa tecnologia [de indução de chuvas] com bons resultados”.

O professor Augusto Filho, cuja pesquisa envolve monitoramento e previsão de chuvas, realizou um estudo sobre o impacto da semeadura de nuvens no Sistema Cantareira, entre 2003 e 2004. O trabalho foi apresentado no XVI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, em novembro de 2005, e concluiu que o processo foi incipiente. “Análises adicionais indicaram que as nuvens selecionadas já estavam no estágio de precipitação”, escreveu o pesquisador no artigo.

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Para ele, um melhor planejamento de longo prazo do abastecimento de água e a geração de energia são necessários para evitar que a necessidade de recorrer a técnicas caras e sem comprovação científica, além de o desenvolvimento de um programa de conscientização da população para evitar o desperdício de água.

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