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Malária ou aids? Guerra civil ou violência doméstica? Quais deveriam ser as metas para um mundo melhor?

O dinamarquês Bjorn Lomborg reuniu os melhores economistas do mundo para estabelecer, de forma prática e matemática, os dezenove desafios que a ONU deveria estabelecer para moldar o planeta até 2030

Por Raquel Beer Atualizado em 9 Maio 2016, 14h46 - Publicado em 6 Maio 2015, 13h58

O que faria se tivesse 2,5 trilhões de dólares para resolver os problemas de desenvolvimento do mundo pelos próximos quinze anos? Essa é a difícil missão que negociadores dos 193 países-membros da ONU terão que resolver em setembro, quando acontecerá em Nova York um encontro para decidir as metas globais para o período 2016-2030.

A proposta atual da ONU, que continuará a ser negociada até se chegar ao documento final, conta com numerosas 169 metas. A título de comparação, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, estabelecidos também pela organização em 2000, limitavam-se a dezoito causas, como estabelecer a igualdade entre os sexos e erradicar a pobreza.

Para estudar quais das diversas metas mereciam ser priorizadas, o economista dinamarquês Bjorn Lomborg, eleito uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista americana TIME e uma das 50 pessoas que poderiam salvar o mundo pelo jornal inglês The Guardian, decidiu levar o assunto a sua consultoria, a Copenhagen Consensus. Os mais de cem economistas que fazem parte do grupo, entre os quais estão sete laureados Nobel, chegaram a dezenove objetivos que deveriam ser privilegiados por terem grande eficácia mesmo com pouco investimento.

A conclusão do trabalho virou o livro The Nobel Laurets guide to the smartests targets for the world 2016-2030 (O guia dos laureados Nobel para as metas mais inteligentes para o mundo 2016-2030, em tradução livre para o português). No Brasil nesta semana para divulgar a obra e suas ideias, Bjorn conversou com o site de VEJA e explicou a sua já polêmica metodologia.

Em seu livro, o senhor defende que a ONU deveria se focar em dezenove metas em vez das 169 que constam no documento atual. Como julgar as que valem mais a pena? Primeiro, quero esclarecer que todas as 169 metas são bem intencionadas, querem fazer o bem. Mas o ponto é que enquanto algumas atingiriam milhares de pessoas, outras teriam um efeito mínimo e distante. Idealmente, todos deveriam estar bem alimentados e educados, ninguém deveria estar doente e não deveria existir destruição ambiental. No mundo real, porém, apesar de querermos, não conseguiremos resolver todas essas questões nas próximas cinco décadas. O que estamos tentando dizer é: uma vez que não conseguiremos fazer tudo ao mesmo tempo, não deveríamos priorizar as metas com mais eficiência e com maior alcance primeiro? Uma maneira muito eficaz e terrivelmente perturbadora de explicar nossa linha de raciocínio é pensar do ponto de vista da saúde: nós estimamos que, para salvar uma pessoa que tem malária, se gasta 1 000 dólares. Para uma pessoa que tem aids, o valor é dez vezes maior. Se você tivesse esses 10 000 dólares, preferiria salvar uma ou dez pessoas? É um dos problemas mais diabólicos, faz com que nos sintamos mal, mas é preciso priorizar. Fazer de tudo um pouco é apenas uma maneira ineficaz de nos sentir melhor e esquecer esse dilema moral.

Por que economistas são as pessoas mais aptas a definir quais problemas são mais importantes que outros? Quando o assunto é investir dinheiro, não se deve perguntar a um médico ou a um climatologista; os economistas são as pessoas certas para definir quais são as apostas. Nós reunimos os melhores do mundo para conferir valores a cada um desses problemas. Nós analisamos um por um, com os seus impactos econômicos, sociais (como o número de vítimas) e ambientais (como consequente degradação de ambientes) de cada uma dessas medidas. Depois, definimos quanto se ganharia caso aquela questão fosse erradicada. Dou um exemplo: se acabássemos com a desnutrição, as crianças bem alimentadas teriam um desenvolvimento completo do cérebro, ficariam mais tempo nas escolas, se tornariam adultos mais participativos da sociedade, provavelmente tendo menos filhos, com mais dinheiro para dar-lhes uma vida decente, o que resultaria também em menos pessoas desempregadas. É um ciclo virtuoso que, pelas nossas estimativas, renderia 45 reais para cada um real investido agora na questão. É preciso destacar que também convidamos ONGs e órgãos da ONU para participar. Até tentamos envolver empresários. Mas esses não se convenceram.

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Atribuir valores monetários de retorno de investimento para problemas humanos, como violência doméstica e desnutrição infantil, é a melhor forma de avaliá-los? É como o preço de um produto do supermercado. Só porque aquele produto é barato, não quer dizer que você vai escolhê-lo. Mesmo tendo à disposição espinafre, um alimento acessível e nutritivo, há quem opte pelo caviar, muito mais caro e talvez não tão benéfico para a saúde. Mas mesmo que essa não seja a única informação a ser levada em conta na hora de tomar uma decisão, ela é extremamente importante. Quanto a traduzir os problemas a valores, não é tarefa simples unir tantas variantes em um número final, mas recorremos a vários economistas para ter certeza que nossa estimativa é confiável. Além disso, se atribuirmos a todas as metas valores da mesma medida, elas podem ser comparadas e avaliadas de forma objetiva. De outra maneira, acabaríamos com uma lista imensa de fatores diferentes que dificultariam o processo de tomada de decisão.

Quais seriam as metas eficientes e de grande alcance, então? Uma delas, como disse, é a desnutrição infantil. Uma outra seria a contracepção para mulheres, que é um investimento incrível porque dá às mulheres o poder de decisão de ter filhos apenas quando elas quiserem, o que provavelmente significaria menos crianças no mundo e pais com mais recursos financeiros para lhes dar uma boa educação. Estimamos que para cada real gasto com essa questão, o retorno será de 120 reais. Também há exemplos de outras áreas, como a perda de corais. Seria preciso investir 3 bilhões de dólares para lidar com esse problema, impedindo, por exemplo, que pescadores os destruam. Mas valeria a pena, porque a conservação resultaria em mais peixes e mais turismo, ou seja, para cada real investido, se ganharia 24 reais. Outro exemplo é o comércio livre, que sozinho tiraria 160 milhões de pessoas da pobreza e faria todo mundo no planeta 10% mais rico até 2030. Então, estimamos que cada real gasto renda 2 000.

O senhor defende a bandeira de se escolher melhor as batalhas há algum tempo. Em sua apresentação no TED há dez anos, por exemplo, a luta contra a aids aparecia como prioridade número 1, mas o senhor acabou de nos contar que o combate da malária passou a valer mais a pena. Que outras mudanças ocorreram? Em 2005, estávamos quase tendo uma pandemia global da aids, a doença não estava contida, havia muitas pessoas doentes que não recebiam tratamento, mesmo que básico e barato, como um exame de sangue ou ser informado sobre a transmissão do vírus entre mãe e filho. Hoje, tudo isso já foi feito e o que sobrou é essencialmente a parte cara, por isso a doença caiu no nosso ranking. Mas, fora isso, tivemos poucas mudanças, porque o que tentamos enfatizar é que são justamente essas coisas velhas e chatas que ainda são importantes. Se olharmos para 2014, qual foi a doença de que mais se falou? Sem dúvida, o ebola, que matou 20 mil pessoas ao todo. A tuberculose mata 1,3 milhão no mundo a cada ano, mas se falou em ebola porque era algo novo e assustador. Na realidade, porém, são os problemas velhos e chatos que ainda são extremamente importantes.

O que o senhor quer dizer com “problemas velhos e chatos”? Um outro exemplo foi uma descoberta que fizemos na última década, que foi parar nesse ranking, mas foi simplesmente erro nosso não tê-la percebido antes. Falo da poluição do ar interior de casas, o maior problema ambiental do mundo, que mata 4,3 milhões de pessoas a cada ano — só no Brasil, são 20 000 –, basicamente porque quase metade das pessoas do planeta cozinha e se mantém aquecida utilizando combustíveis sujos, como madeira. Morar nessas casas extremamente poluídas é o equivalente a fumar dois maços de cigarro todo dia, por isso é tão perigoso e deveríamos fazer algo a respeito, apesar de poucas pessoas saberem do problema. Outro exemplo: no quesito violência, jornais divulgam conflitos no Iraque ou das FARC, na Colômbia, que são realmente importantes. Nós estimamos que o custo com guerras civis ou de situações similares é de 160 bilhões de dólares por ano. Mas um problema de violência muito maior é o contra mulheres e crianças. Nós estimamos que 305 milhões de mulheres são agredidas por seus parceiros a cada ano, e se colocarmos um valor nisso, o prejuízo seria da ordem de 4 trilhões de dólares. Entre as crianças, 280 milhões são agredidas a cada mês por pais, resultando em um prejuízo para a sociedade de 3,5 trilhões de dólares, o equivalente a 9% do PIB global. Mas é mais interessante mostrar bombardeamento na Síria, com ótimo apelo visual. Nós somos os defensores dessas questões anônimas e não tão atraentes, queremos que as pessoas percebam que há grandes problemas dos quais não falamos muito, e que os problemas que mais divulgamos podem não ser os mais importantes se quisermos ajudar a humanidade de fato.

Quais seriam as questões que não são tão relevantes, mas têm grande destaque? Além do caso do ebola e de conflitos pontuais, um bom exemplo de apostas com pequena escala de retorno seria as mudanças climáticas. Vejamos a Alemanha, a maior incentivadora de energia solar do planeta. Se olharmos para os subsídios que ela deu, foi um investimento de 130 bilhões de dólares, e o efeito de todo esse trabalho será adiar o aquecimento global no final do século em 37 horas. Gastar esse dinheiro para ter um impacto mínimo daqui quase um século não é um bom investimento. A própria ONU fez uma pesquisa com 7 milhões de pessoas no mundo todo, perguntando ‘o que é mais importante para você?’. Entre dezesseis itens, educação, saúde, empregos, governos honestos e comida ocuparam os primeiros lugares, enquanto que as mudanças climáticas ficaram em último posto. A ONU não deve ter gostado desse resultado, é uma pesquisa inconveniente, mas precisamos ao menos reconhecer que é isso que as pessoas preferem ao redor do mundo.

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Mas no caso das mudanças climáticas, os maiores efeitos serão sentidos no futuro. Descartar essa questão não seria deixar de fazer planos a longo prazo, e até ser um pouco conformista? Investir em nutrição definitivamente não é pensar a curto prazo, porque os custos acontecem agora, mas os ganhos só vão chegar daqui a 30, 40 anos, e este também é o caso de se priorizar a educação. A questão é pensar em quanto custa cada coisa frente aos benefícios que trará. Não estou dizendo que combater as mudanças climáticas não é importante, mas as políticas atuais que só se focam na redução de emissões fazem muito pouco a preços elevados. O presidente americano Barack Obama prometeu 3 bilhões de dólares para o Fundo Verde do Clima e se essa quantia for investida em mitigação o corte de CO2 vai conseguir adiar o aquecimento em 2 horas. Com esse dinheiro, porém, você também poderia salvar 3 milhões de pessoas com malária ou 67 milhões de crianças desnutridas. Isso conta a historia resumidamente. Um bom investimento nessa área ambiental seria em tecnologias verdes, que pelas nossas estimativas deve render onze dólares por dólar investido. Só duas coisas cortam emissões: recessão ou trocar carvão por fontes menos poluentes. Precisamos baratear as renováveis, com suas baterias, e a tecnologia de captura de carbono, só então as pessoas trocarão uma pela outra. Não há segredo. Não estamos dizendo que o aquecimento global não é importante, estamos dizendo que é preciso abordar essa questão pelo lado do custo/benefício, e não pelo apelo de deixar a consciência tranquila. O que me preocupa é que muitas vezes acabamos nos focando no ‘politicamente correto’, como na questão do clima, e não nas nossas reais oportunidades de fazer o bem com o maior alcance possível.

O encontro em Nova York para definir as novas metas vai acontecer em setembro e apenas três meses depois está agendado para Paris a Cúpula do Clima que deve definir o acordo que substituirá o Protocolo de Quioto. A proximidade dos eventos colocará pressão sobre os negociadores para defender medidas ambientais? Com certeza há uma jogada politica aí, mas essa poderia ser uma maneira de criar uma diferenciação. A conversa sobre o desenvolvimento será em setembro, e aquela sobre o clima, em dezembro. O problema é que a conversa sobre o clima é tão forte que tem uma influência tremenda nas decisões de setembro, apesar de 7,5 milhões de pessoas terem dito a ONU que prefeririam investir em uma série de outras coisas em detrimento às mudanças climáticas. A minha impressão é que estamos deliberadamente dizendo ‘todos vocês, pessoas pobres, me desculpem, mas vocês não se importam com as coisas certas e nós vamos contar para vocês quais são elas’. É um tanto pretencioso.

Ainda há tempo de negociação suficiente para se diminuir o número de metas? Os negociadores são muito bons, são caras espertos. Com certeza eles entendem a necessidade de restringir esse número, e acredito que muitos deles concordam conosco pessoalmente. Mas esse não é o trabalho que eles foram enviados à ONU para fazer. Os negociadores do Brasil precisam conseguir passar as cinco prioridades do país, assim como todos os outros com as suas respectivas nações. O resultado é que todo mundo concorda com todas as metas para que sejam incluídas. Quando converso com presidentes ou com a equipe diplomática dos países, eles sempre concordam que é necessário ter menos metas, contanto que os objetivos deles não sejam cortados. Mas não é a pequena bolha que acontecerá em Nova York que ditará como o Brasil e outras nações vão implementar essas metas. Aí está a oportunidade. Espero que os brasileiros mostrem que preferem gastar o seu dinheiro com prioridades cuidadosamente selecionadas e então se lembrem de nós. Não há como fugir desse fracasso que acontece em câmera lenta, a provável aceitação das 169 metas da ONU. Mas quando a festa acabar e a ressaca chegar, será hora de pensar em um plano B, e o plano B pode ser os dezenove objetivos selecionados por nossos laureados com o Nobel.

O papa Francisco tentou recentemente vincular os valores religiosos à preocupação com as mudanças climáticas. O que você acha disso? Todos nós somos humanos e, independentemente da religião, precisamos ter a responsabilidade de ajudar o outro e o meio ambiente. Não seria preciso ter sequer dezenove metas, só uma seria necessário. Fazer um mundo melhor. Mas espero que o Papa não diga somente as coisas que façam com que as pessoas se sintam bem, ou aquelas que estão em destaque na mídia, como painéis solares e ebola. Mas, sim, as que nos ajude a encarar coisas que parecem chatas, como poluição do ar interno, o maior problema ambiental do mundo. Ou a tuberculose, que apesar do que muitos pensam, não é um problema que resolvemos há cem anos. A boa notícia é que podemos lidar com essas questões de um jeito barato.

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