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Laboratório de Nicolelis faz macacos controlarem o movimento de dois braços virtuais só com o pensamento

Capacidade de mover dois membros virtuais ao mesmo tempo deve ajudar no desenvolvimento de novas interfaces cérebro-máquina, como o exoesqueleto que o neurocientista pretende demonstrar na abertura da Copa do Mundo

Por Guilherme Rosa
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h16 - Publicado em 6 nov 2013, 17h30

Em um novo estudo divulgado nesta quarta-feira, pesquisadores descrevem como conseguiram fazer com que macacos aprendessem a usar apenas a mente para controlar o movimento de duas mãos virtuais, exibidas na tela de um computador. O feito foi atingido por uma equipe de cientistas liderada pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, na Universidade Duke, nos Estados Unidos. Eles conseguiram, pela primeira vez, registrar a atividade cerebral dos animais de forma tão detalhada que eles foram capazes de controlar, não apenas um, mas dois braços.

CONHEÇA A PESQUISA

Título original: A Brain-Machine Interface Enables Bimanual Arm Movements in Monkeys

Onde foi divulgada: periódico Science Translational Medicine

Quem fez: Miguel Nicolelis, entre outros pesquisadores

Instituição: Universidade Duke, nos Estados Unidos, entre outras

Dados de amostragem: Dois macacos rhesus, que tiveram quase 500 neurônios analisados pelos cientistas

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Resultado: Os macacos aprenderam a controlar o movimento de dois braços virtuais apenas com seu pensamento

Os movimentos bimanuais, como o ato de digitar em um teclado ou abrir uma lata, são fundamentais na rotina humana, mas, até agora, os cientistas não haviam conseguido registrar a atividade cerebral responsável por eles. Em pesquisas anteriores, Nicolelis já havia criado interfaces cérebro-máquina-cérebro que permitiram a um macaco mover e sentir uma mão na tela de um computador. Mas o procedimento para fazer com que o animal mova dois membros ao mesmo tempo é mais complicado.

Segundo o cientista, a atividade cerebral responsável pelo movimento bimanual não corresponde à simples soma do movimento de ambas as mãos – ela é muito mais complexa. “Em nossa pesquisa, descobrimos que o cérebro faz a computação desse movimento de uma maneira não linear. Ou seja, não bastava somar os sinais das duas mãos”, diz o Miguel Nicolelis, em entrevista ao site de VEJA. “Para desenvolver um modelo que levasse em consideração o movimento simultâneo dos dois braços, tivemos que registrar a atividade de quase 500 neurônios – o maior número analisado em qualquer estudo publicado até agora.”

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Exoesqueleto – A pesquisa, publicada na revista Science Translational Medicine, é parte importante do Projeto Andar de Novo, no qual Nicolelis pretende construir um exoesqueleto que poderá ser operado por tetraplégicos apenas com seu pensamento. O cientista quer fazer a primeira demonstração do equipamento durante a cerimônia de abertura da Copa do Mundo, no ano que vem. Para o exoesqueleto funcionar, no entanto, é necessário que os voluntários sejam capazes de controlar o movimento de vários membros ao mesmo tempo.

Saiba mais

INTERFACE CÉREBRO-MÁQUINA-CÉREBRO

São sensores capazes de captar a atividade elétrica dos neurônios, decodificá-la, remetê-la a artefatos robóticos e depois de volta para o cérebro por meio de sinais visuais, táteis ou elétricos. Na prática, as ICMCs transformam os pensamentos em comandos digitais que as máquinas podem entender.

No novo experimento, os pesquisadores analisaram a atividade de quase 500 neurônios espalhados por diferentes áreas dos dois hemisférios cerebrais de uma dupla de macacos rhesus. Os animais foram colocados de frente a uma tela de computador, na qual podiam enxergar os braços e mãos de um avatar de macaco. A partir de um algoritmo, os cientistas transformaram a atividade elétrica captada em seus cérebros em comandos para controlar os membros virtuais.

Durante o período de treinamento, os animais foram encorajados a colocar essas mãos virtuais dentro de alvos quadrados que apareciam na tela. Depois de alguns instantes em contato com os quadrados, estes desapareciam, e surgiam dois círculos, para os quais os macacos deveriam mover novamente suas mãos. A cada vez que realizavam o movimento de maneira correta, ganhavam um gole de suco como prêmio.

Conforme o tempo passava – e os macacos aprendiam a controlar as mãos virtuais -, os cientistas observaram que o próprio cérebro dos animais estava se alterando. Segundo Nicolelis, isso confirma os resultados de um experimento anterior de sua equipe, que havia mostrado que o cérebro é capaz de integrar objetos externos à imagem que tem de seu próprio corpo. “Nesse caso, o avatar passou a fazer parte da representação de corpo criada pelo cérebro do animal. O macaco literalmente assimilou os braços artificiais como se fossem seus”, diz Nicolelis.

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Centro de Neuroenenharia de Duke

avatar ()

Após o treinamento, o cérebro dos macacos assimilou os braços do avatar virtual como se fizessem parte de seu corpo real

Sem as mãos – Ao fim do estudo, os dois macacos tinham se tornado capazes de controlar de forma satisfatória o movimento conjunto das duas mãos virtuais. E eles podiam fazer isso enquanto estavam parados, sem que os movimentos na tela do computador fossem acompanhados por movimentos de suas mãos reais – usando apenas seu cérebro.

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Segundo os pesquisadores, isso é importante porque um dos principais objetivos das interfaces cérebro-máquina é criar próteses ou exoesqueletos que possam restabelecer o movimento de pacientes amputados ou paralisados. Se movimentos reais fossem necessários para a operação desses equipamentos, seu próprio objetivo estaria comprometido. “Isso é muito importante para nossa pesquisa, pois essa é exatamente a estratégia de treinamento que iremos usar nas salas virtuais que construímos em Natal e em São Paulo, para o Projeto Andar de Novo”, diz Nicolelis.

Nicolelis ()

“Estamos dentro do prazo para o exoesqueleto ser apresentado na abertura da Copa”

Miguel Nicolelis

Chefe do laboratório de neuroengenharia da Universidade de Duke, EUA, e diretor científico do Instituto Internacional de Neurociências de Natal

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Em uma pesquisa anterior, seu grupo de pesquisa havia conseguido fazer com que um macaco controlasse o movimento de uma mão virtual usando seu pensamento. Qual a diferença para a pesquisa atual, na qual os macacos moveram duas mãos? Desta vez foi muito mais complicado. Muita gente pensava que só precisávamos saber como os neurônios se comportam quando o braço direito e o esquerdo se movem de forma independente, e somar o resultado. Mas mostramos que não é assim. O cérebro faz a computação desse movimento de maneira não-linear – a atividade dos neurônios responsáveis pelo ação bimanual não é uma simples soma das atividade das duas mãos.

E como vocês superaram essa dificuldade? Nós tivemos que descobrir outra maneira de usar os neurônios para prever o movimento conjunto das duas mãos – essa é a grande sacada deste trabalho. Medimos quase 500 neurônios, distribuídos em várias áreas do lóbulo frontal e parietal. Em nosso artigo, publicamos um gráfico que compara o número de neurônios que conseguíamos registrar com a acurácia dos movimentos das mãos virtuais. Ela é uma escala logarítmica: ao analisar menos neurônios, reduzíamos em muito a performance da interface.

Como foi o processo de aprendizado desses macacos? Outra novidade desse trabalho é que, pela primeira vez, nós treinamos um animal que não precisou se mexer para aprender a controlar a interface. O primeiro macaco usado no estudo começou usando suas mãos, e depois só o pensamento. Mas o segundo nem precisou usar as mãos. Ele só observou a trajetória das mãos virtuais na tela do computador e aprendeu o que era necessário fazer para controlar os braços do avatar só com o cérebro. Isso é muito importante para nossa pesquisa, pois essa é exatamente a estratégia de treinamento que iremos usar nas salas virtuais que construímos em Natal e em São Paulo, para o Projeto Andar de Novo. Nós usamos toda a informação que aprendemos durante esse estudo para construir os equipamentos que já estão operando no Brasil.

Como essa pesquisa se insere no processo de construção do exoesqueleto do Projeto Andar de Novo? Ela foi muito importante, pois o regime de treinamento do segundo macaco, que só observa seus movimento pela tela do computador até aprender a controlá-los, é a estratégia que decidimos usar para treinar os nossos pacientes. Antes de vestir o exoesqueleto, os voluntários vão interagir com avatares deles próprios, para treinarem como usar a atividade de seu cérebro de modo a controlar o equipamento. A pesquisa também será importante para uma segunda fase do desenvolvimento do exoesqueleto, onde iremos colocar braços no equipamento. Depois da Copa, devemos começar a trabalhar nisso.

Os testes no Brasil já começaram? Nossos cientistas já testaram o aparelho neles mesmos. Usaram o eletroencefalograma para controlar o avatar em uma sala virtual que simula um ambiente de estádio de futebol, com barulho de torcida, flashes de câmera fotográfica. O equipamento funcionou: eles conseguiram controlar o avatar. Nesse momento nós já terminamos a construção do laboratório na AACD, em São Paulo, e estamos começando a testar os voluntários. Estamos dentro do prazo para que o exoesqueleto seja apresentado durante a abertura da Copa.

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O senhor costuma utilizar animais em suas pesquisas, desde ratos até macacos. Aqui no Brasil, essa questão voltou à tona depois da invasão do Instituto Royal. Qual a sua opinião sobre essa discussão? Evidentemente, esse é um assunto que, para mim, não tem nem discussão. O mundo inteiro reconhece a relevância de pesquisas com animais. Todo o nosso trabalho é feito com o intuito de beneficiar milhões de pessoas em todo o planeta, e os cientistas brasileiros seguem normas muito estritas. A pesquisa com animais no Brasil é regulamentada por leis nacionais e internacionais. Eu faço pesquisas nos Estados Unidos, e posso dizer que a legislação americana e a brasileira são muito semelhantes. Quem quebrou a lei foi quem fez a invasão.

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