Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Em busca de outras “Terras”

O astrônomo Roger Bladford explica por que recomendou aos EUA que gastem muito dinheiro na busca de planetas similares à Terra e invistam ainda mais para tentar dobrar as leis da Física e levar o homem até eles

Por Marco Túlio Pires
Atualizado em 6 Maio 2016, 17h15 - Publicado em 20 ago 2010, 22h28

“Na última década descobrimos quase 500 planetas fora do sistema solar.”

“Existem obstáculos sérios para atingirmos velocidades que nos levariam até esses planetas em algumas centenas de anos”

Se tudo der certo, a Nasa vai passar os próximos 10 anos ligada no centro da Via Láctea. Por causa da grande concentração de estrelas, a comunidade científica americana acredita que lá é o lugar mais provável para encontrarmos planetas parecidos com a Terra e, quem sabe, seres extraterrestres. Mas para isso, o relatório feito pelo comitê de cientistas da academia de ciências dos EUA precisa receber o aval do congresso americano e da Nasa.

A cada 10 anos, a academia de ciências dos Estados Unidos faz uma triagem de todos os projetos envolvidos com astronomia e astrofísica do mundo e faz um relatório para governo americano recomendando em quais pesquisas deve investir na próxima década. O relatório de 2010-2020 foi entregue na segunda-feira (16) pela Academia Americana de Ciências.

VEJA.com conversou com o britânico Roger Blandford, diretor do instituto de astrofísica e cosmologia da Universidade de Standford nos EUA. Ele teve a homérica tarefa de chefiar o comitê que redigiu o relatório e que, na prática, apontou a direção que a nação mais poderosa do mundo deverá seguir nos próximos 10 anos dentro do campo da pesquisa espacial.

O comitê chefiado pelo britânico sugeriram à Nasa e ao governo dos EUA gastar 1,6 bilhão de dólares em um telescópio que já tem até nome, WFIRST, previsto para ser lançado em 2020. Se for aprovado, vasculhará o centro da Via Láctea atrás de planetas parecidos com a Terra. Blandford conta como esses planetas podem ser localizados e o que faremos se encontrá-los.

Continua após a publicidade
Roger Blandford ()

O que seria um planeta parecido com a Terra?

Seria um planeta que provavelmente tem o mesmo tipo de massa que a Terra. Na verdade, usamos o termo “habitável”. Isso significa que a estrela que ilumina o planeta seria parecida com o nosso Sol ou um pouco mais fria – o que o faria mais fácil de ser encontrado. E outra característica é que, se ele for habitável, gostaríamos de ver sinais de água e possivelmente oxigênio e gás carbônico. Ele precisaria ter condições físicas – gravidade, pressão, atmosfera – semelhantes aos da Terra. Um lugar onde a vida poderia se desenvolver de uma maneira análoga ao que acontece em nosso planeta.

Por que é tão importante encontrar planetas parecidos com a Terra? Por que agora?

É um assunto que fascina o homem e algo que combina o interesse popular-científico para responder a pergunta “estamos sozinhos nesse universo?”. O momento é agora porque houve uma explosão de descobertas nessa área durante a última década. Há mais ou menos 10 anos, começamos a identificar os primeiros planetas fora do sistema solar, depois de muito esforço e muitos anos tentando.

Algum planeta parecido com a Terra já foi identificado?

Não. Na última década descobrimos quase 500 planetas fora do sistema solar. Nos últimos meses, 300 candidatos foram apresentados a nós, observados pelo telescópio Kepler. Nem todos os candidatos serão considerados verdadeiros, mas acreditamos que uma boa parcela será.

Algum está em um sistema parecido com a nosso?

Já conhecemos um grande número de planetas fora do sistema solar e duas mensagens estão bem claras – uma é que eles são comuns e a outra é que os sistemas planetários em volta de outras estrelas são muito diferentes. Eles não são cópias do que acontece em nosso sistema solar. Longe disso. Vemos muitos tipos de planetas e muitos tipos de ambientes diferentes. Ainda não encontramos, mas estamos chegando perto.

Continua após a publicidade

E por que é tão difícil identificar planetas fora do nosso sistema solar já que eles são comuns?

Eles são comuns, mas são muito apagados. A metáfora mais fácil para entender a dificuldade que encontramos em identificar esses planetas seria procurar por um mosquitinho voando bem próximo de um poste que emita bastante luz enquanto se observa de muito longe. Imagine uma estrela muito brilhante e um ponto muito pequeno que reflete essa luz, o planeta que estamos procurando. O problema pode nem ser o brilho da estrela, que pode ser filtrado até certo ponto, mas pode existir tanta poeira espacial na região que fica difícil identificar esses planetinhas. É só você lembrar que a Terra possui um trilionésimo da massa do Sol – e a trilhões de quilômetros de distância desses sistemas fica dificílimo realizar essas análises.

E como vamos fazer isso agora?

Uma das funções do telescópio WFIRST será executar as tarefas que outro telescópio, o Kepler, não consegue fazer. Ou seja, ele não vai procurar por planetas habitáveis por meio de imagens – isso o Kepler já faz -, mas ele irá estabelecer a frequência desses planetas. Isso vai nos dizer quantas estrelas como o nosso Sol possuem planetas parecidos com Saturno, Júpiter e a própria Terra. Além disso, quantos desses estão orbitando próximos à estrela ou longe e assim por diante. Queremos saber se haverá uma órbita parecida com a da Terra – se o planeta estiver muito longe da estrela, será muito frio, e muito perto, bastante quente. Nenhum desses casos resultaria em um planeta parecido com a Terra. Temos que encontrar um que esteja orbitando uma estrela parecida com o nosso Sol a uma distância semelhante a Terra.

E se encontrarmos um planeta assim, o que vamos fazer?

A ideia é conseguir imagens desse planeta e estudá-lo esgotando todas as formas possíveis. Além de tirar fotos detalhadas, teremos que tirar um espectrograma completo do planeta [Espectrograma é o levantamento das características físico-químicas de determinado corpo celeste por meio da análise da energia que ele emite]. Vamos tentar descobrir se existem moléculas desconhecidas para o homem. Mas antes de prepararmos essas observações temos que saber o que estamos procurando. E para isso, ainda é preciso desenvolver muita pesquisa.

Quais são as chances de encontramos uma outra civilização humana vivendo em um planeta parecido com a Terra? É isso que estamos procurando?

Acredito que a procura de inteligência extraterrestre causa uma grande fascinação pública e científica. Já temos alguns telescópios capazes de identificar algumas classes de sinais extraterrestres. Existem muitos telescópios que fazem um tipo de pesquisa passiva. Eles realizam as tarefas normais e dentro delas é possível extrair certas classes de sinais. Se considerarmos seriamente que há vida inteligente fora da Terra e que ela envia algum sinal – são duas coisas diferentes – que tipo de sinais eles nos enviariam? Como eles iriam tentar entrar em contato conosco? Existem tantas respostas possíveis para essas perguntas que é difícil pensar sobre o assunto. Na minha opinião, a melhor estratégia é estar sempre alerta. Ter isso sempre ocupando algum lugar em nossos pensamentos. Não existem muitos telescópios desenvolvidos para encontrar sinais estranhos, eles não teriam muita utilidade científica. Basta que fiquemos de olhos bem abertos.

Existem missões específicas para identificar esses sinais?

Não acredito que seja fácil desenvolver um programa coerente para procurar e reconhecer esses sinais, se é que eles existem. Existem muitas pessoas tentando fazer isso, mas não sei dizer se elas vão conseguir. É um dos grandes mistérios da vida, tenho a mesma curiosidade que qualquer pessoa, mas não acredito em nenhuma das duas coisas – que existe ou não existe – eu realmente não sei! Mas essa é a graça, teremos que esperar e ver o que acontece.

Continua após a publicidade

Os humanos enviam sinais que poderiam ser reconhecidos por alienígenas?

Com certeza! Enviamos sinais o tempo todo. Todos esses programas de TV são transmitidos para o espaço. A TV é o tipo de sinal mais comum, mas pode ser qualquer outro. Existem muitos outros tipos de comunicação acontecendo localmente e a maioria das ondas vai parar no sistema solar e até fora dele. Não sei se existem alienígenas tentando detectá-las, mas estamos emitindo sinais o tempo todo.

Se a comunidade científica não tivesse que se preocupar com dinheiro, quais missões seriam adicionadas ao relatório?

O número de missões que gostaríamos de incluir no relatório é 10 vezes maior do que qualquer orçamento poderia suportar. Contudo, é justo dizer que os 90% que ficaram de fora requerem um desenvolvimento tecnológico pesado.

Quais são os projetos que poderão ser escolhidos a partir de 2020?

Eu diria que existem dois candidatos muito fortes – um telescópio focado na espectroscopia, chamado IXO – e uma missão principal concentrada no estudo de planetas habitáveis próximos ao sistema solar.

Depois que encontrarmos um planeta habitável, será possível viajar até ele?

Bem, acho que a resposta é não. Trata-se de um problema com as leis da Física. Se eu disser, por exemplo, que o planeta habitável mais próximo está a 10 anos luz de distância da Terra, isso significa que, viajando a velocidade da luz, a jornada duraria 10 anos. Se viajássemos a metade dessa velocidade, levaríamos 20 anos. Agora, se considerarmos a velocidade máxima que conseguimos atingir no espaço com a tecnologia atual, ou seja, um milionésimo da velocidade da luz, é possível perceber como é difícil ter esperanças. Além de desenvolver uma nova tecnologia de viagem no espaço teremos que transcender as leis da Física. Não estamos lidando com tecnologia especulativa – de ficção científica ou coisas do tipo. Muitas pessoas têm ideias malucas sobre como vamos conseguir isso. As leis da Física são implacáveis e tudo que fazemos precisa ser extremamente bem entendido e testado. Dito isso, existem obstáculos sérios para atingirmos velocidades que nos levariam até esses planetas em algumas centenas de anos. Por isso, eu diria que não. Não vamos visitar esses planetas tão cedo, mas vamos trabalhar duro para que isso aconteça.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.